Acórdão nº 3798/13.2TBBRG.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | FERNANDA ISABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 05 de Maio de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: “AA - Metalomecânica, S.A.” intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra o “Município de Chaves” (embora venha mencionada como Ré a Câmara Municipal, deve entender-se que figura como Réu o Município, pois é ele quem detém personalidade jurídica e judiciária daquela autarquia local) pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 143.365,48, acrescida de juros de mora comerciais, vencidos e vincendos, calculados desde 30-06-2009 e até integral e efectivo pagamento.
Alegou, em síntese, ter o Réu celebrado um contrato de empreitada de obras públicas com BB & Filhos, Lda., referente ao Mercado de Gado de Chaves, tendo-lhe esta sociedade dado, em subempreitada, a obra de execução da estrutura metálica. Só aceitou a subempreitada na condição de lhe garantirem o pagamento do preço orçamentado, tendo o Réu aceitado emitir cartas de conforto, através das quais se obrigou ao pagamento do preço no caso de incumprimento da empresa empreiteira e à retenção dos montantes que a esta seriam devidos. Pese embora a conclusão dos trabalhos e a sua aceitação sem reservas, a empreiteira não procedeu aos pagamentos acordados, pelo que interpelou o Réu, por várias vezes, para que assumisse as obrigações decorrentes das cartas de conforto, sem ter tido sucesso. Instaurou então acção contra a BB & Filhos, Lda., e consequente execução, na qual só logrou obter o pagamento parcial, reclamando através da presente acção o pagamento da diferença, acrescida de juros de mora.
O Réu contestou excepcionando a incompetência material, a ilegitimidade activa e passiva e impugnou a versão da Autora.
A excepção da incompetência absoluta foi julgada inicialmente procedente, decisão que veio a ser revogada por Acórdão da Relação de Guimarães, já transitado em julgado, que concluiu pela competência material dos tribunais judiciais para a apreciação do litígio.
Fixado o objecto do litígio e seleccionados os temas da prova, foi, após o julgamento, proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o Réu a pagar à Autora o capital peticionado de € 143.365,48, acrescidos de juros de mora comerciais contados apenas desde a citação.
Inconformado, apelou o Réu, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado parcialmente procedente o recurso e condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de € 68.423,27, acrescida de juros de mora comerciais desde a data da interpelação, ocorrida em 11-05-2009, até integral e efectivo pagamento.
Deste acórdão interpôs a Autora recurso de revista.
Na alegação apresentada aduziu as seguintes conclusões: «A. A sentença do Tribunal Judicial de Braga (1ª instância) tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, considerou que as denominada "cartas conforto" emitidas pela R. Câmara Municipal de Chaves constituem "garantias autónomas mediante as quais a R. caucionou o cumprimento das obrigações assumidas pela empreiteira, substituindo-se, se necessário fosse, a esta (...)" independentemente do disposto no artigo 267° do D.L. 55/99, de 2 de Março.
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Consequentemente, condenou a R. Câmara Municipal de Chaves a pagar à A. a quantia de 143.365,48 € acrescida de juros legais à taxa legal para os juros comerciais desde a citação até efectivo pagamento.
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O Tribunal da Relação de Guimarães, porém, aderiu à interpretação que a R., no seu recurso, atribuiu às referidas "cartas conforto", reduzindo-as ao simples direito de retenção consagrado naquele artigo 267° do D.L. 55/99, de 2 de Março, condenando a R. Câmara Municipal de Chaves a pagar à A. a quantia de 68.423,27 €, montante de que a R. no seu recurso se confessa expressamente devedora à A., acrescida dos respectivos juros moratórios à taxa comercial contados desde 11.05.2009 e até efectivo pagamento.
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A interpretação do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães ignora os factos dados como provados e é contrária à realidade e à verdade material que daqueles factos emerge, bem como é contrária à própria vontade real das partes que tem inequívoca expressão no texto das "cartas conforto" em mérito.
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O Tribunal da Relação de Guimarães não alterou a matéria de facto provada e não provada (…).
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Tendo em conta (…) a matéria de facto provada, que sentido e interpretação atribuiria às denominadas "cartas conforto" uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente que não poderia deixar de ter em consideração, como expressamente refere o Acórdão recorrido (pág. 24 in fine) que "quer a A. quer a R. tinham perfeito conhecimento do regime de empreitada de obras públicas e da possibilidade atrás referida de os subempreiteiros poderem reclamar directamente ao dono da obra os pagamentos que o empreiteiro lhe tivesse em atraso, ficando o dono da obra legitimado a exercer um direito de retenção sobre as garantias que ele próprio tivesse para com o empreiteiro"? G. É óbvio que A. e R. não quiseram nem queriam uma nova garantia que reproduzisse o direito de retenção assegurado e consagrado no art. 267° do RJEOP, cuja disciplina já conheciam.
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As "cartas conforto" em mérito, como bem decidiu a sentença da 1ª Instância constituem uma "garantia atípica, semelhante à fiança", autónoma do direito de retenção consagrado no art. 267° do D.L. 59/89, de 2 de Março, devendo qualificar-se com cartas conforto fortes que contêm uma verdadeira obrigação de pagar o preço do contrato de subempreitada celebrado e aditamento.
I. Com efeito, resulta dos factos provados e demais circunstâncias atendíveis, que a A., para além do direito de retenção consagrado no art. 267° do D.L. 59/89, de 2 de Março (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas -RJEOP) que lhe assistia e que conhecia, porque não tinha confiança na empreiteira BB & Filhos, Lda. quis efectivamente que a R., enquanto dona da obra, prestasse uma outra garantia, independente daquele direito de retenção, que lhe assegurasse o pagamento total do preço no contrato de subempreitada que viesse a celebrar como a referida empreiteira BB & Filhos, Lda., sendo certo que condicionou a celebração do contrato de subempreitada à efectiva prestação desta garantia.
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Por seu turno, a R., dona da obra, porque tinha grande interesse na sua execução, aceitou a condição e exigência da A. e quis efectivamente prestar-lhe, para além do dispositivo legal previsto no art. 267° do D.L. 59/89, de 2 de Março (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas), uma outra garantia, por escrito, do pagamento integral do preço do contrato de subempreitada que viesse a ser celebrado e apenas caso este contrato viesse a ser celebrado.
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Daí que a A. só tenha celebrado o contrato de subempreitada porque já se encontrava na posse da carta conforto que lhe garantia o pagamento integral do preço, de cuja redacção e texto expressamente consta a vontade real das partes e a declaração de que a R. garante à A. o pagamento do preço ou da totalidade das obrigações assumidas no contrato de subempreitada celebrado.
L. Sem prescindir, caso venha a entender-se que a interpretação e sentido que a recorrida e o Acórdão recorrido atribuem às cartas conforto em mérito merece acolhimento, sempre a R., utilizando os argumentos e raciocínio do Acórdão recorrido, deverá ser condenada a pagar à A. a referida quantia de 143.365,48 (cento e quarenta e três mil, trezentos e sessenta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa aplicável para as transacções comerciais desde a citação até efectivo pagamento, confirmando-se a sentença da 1.ª Instância.
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A R. constituiu-se em mora no dia 11.05.2009, data em que recebeu a interpelação para pagar a quantia de 278.423,27 €, e até esta data não pagou à A. qualquer quantia.
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A R. não só não quis pagar aquele montante, que podia e devia ter realizado, como faltou à verdade, tentando enganar a A. e fugir às obrigações assumidas declarando na carta de 01.07.2009, perante a insistência da A., que os créditos da empreiteira BB & Filhos, Lda. já lhe haviam sido integralmente pagos, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e o compromisso assumido na garantia prestada.
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Os juros de mora à taxa legal para as transacções comerciais desde o dia 11.05.2009 até 30.11.2015 (data actual) sobre a quantia de 278.423,27 € importam no montante de 142.795,29 €.
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Somando o valor em dívida e os juros vencidos até 30.11.2015 obtemos o montante de 421.218,56 € (278.423,27 € + 142.795,29 €) de que a R. é devedora.
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A este montante haverá que deduzir a quantia de 210.000,00 € (valor que a A. recuperou no âmbito do processo executivo que instaurou), pelo que a R. deve ainda à A. a quantia de 211.218,45 € com referência ao dia 30.11.2015 (421.218,45 €-210.000,00 €).
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A dívida principal, peticionada na presente acção de 143.365,48 €, acrescida de juros de mora à taxa legal para as transacções comerciais desde a citação para a presente acção (09.07.2013) até ao mesmo dia 30.11.2015 no montante de 24.755,28 €, perfaz o total de 168,120,76 €, consideravelmente inferior à quantia de 211.218,45 €.
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Dado, porém, que a fiança não pode exceder a dívida principal, a R. apenas terá que pagar à A. o montante que foi condenada a pagar na sentença de 1ª Instância (143.365,48 €), acrescida de juros de mora à taxa legal para as transacções comerciais desde a citação e até efectivo pagamento.
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O raciocínio e conta feita no Acórdão recorrido, ao não contabilizarem os juros de mora vencidos desde a data de interpelação da R. para pagamento da quantia de 278.423,27 € e sobre esta mesma quantia até esta data, traduzem um claro benefício ou vantagem para a R., em prejuízo da A., constituindo um manifesto enriquecimento sem causa da R. à custa do empobrecimento da A., para além de esquecer e não considerar o comportamento de má fé da R. ao longo de todo o processo, faltando à verdade e excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes.
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O presente recurso violou, entre outros, o disposto nos...
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