Acórdão nº 5562/09.4TBVNG.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | PAULO SÁ |
Data da Resolução | 05 de Maio de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo n.º 5562/09.4TBVNG.P2.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – O MUNICÍPIO DE … intentou acção declarativa, com processo comum ordinário, contra AA e BB, pedindo: – que se declare que pertence ao autor o prédio descrito nos arts. 1, 2 e 3 da pi; – que se condene os réus a reconhecerem e, por via disso, fazer a entrega do mesmo, restituindo-o em plenitude, livre e desembaraçado e com as suas pertenças, e a absterem-se de praticar quaisquer actos no prédio vindicado ou entrar na propriedade do autor, bem assim a indemnizar o A. pelos danos causados e, porventura, a causar, oportunamente liquidáveis.
Alegou, para tanto, em síntese: Adquiriu o imóvel em causa por cedência dos seus primitivos proprietários, que eram igualmente os seus titulares inscritos no registo predial, estando igualmente inscrita a aquisição a favor do demandante no registo; Além disso, o autor e seus antepossuidores, há mais de 20 anos, ininterruptamente, vêm usando o prédio, à vista de todos e sem oposição, razão pela qual sempre o teriam adquirido por usucapião; Os réus lavraram escritura de justificação notarial relativamente a este mesmo prédio, alegando que o mesmo estava omisso na CR Predial respectiva e abriram uma vala no dito prédio junto à Rua, com o que o autor sofreu danos, que não quantifica.
Requereu a intervenção acessória e provocada dos Assistentes CC e DD.
Citados, os réus contestaram, impugnando, em síntese, nos seguintes termos: adquiriram, por compra verbal, o imóvel que identificaram na escritura de justificação notarial, em 1977, desde essa data o cultivando e usando, à vista de todos e sem oposição. Como o vendedor não outorgava a escritura, os réus outorgaram escritura de justificação notarial, sendo que, de seguida, averbaram a aquisição do imóvel no registo predial, assim tendo adquirido o imóvel por usucapião.
Deduziram pedido reconvencional, pedindo que se declare que aos réus/reconvintes pertence o imóvel descrito sob os arts. 4º e 5º da contestação e se condene o autor a reconhecê-los como proprietários, condenando-se o autor a abster-se de práticas que atentem contra o seu direito de propriedade.
Houve resposta do demandante/reconvindo.
Foi admitida a intervenção como assistentes de CC E DD, com os sinais dos autos, os quais ofereceram articulado superveniente, impugnando a factualidade aduzida pelos RR. como fundamento da sua contestação e reconvenção, invocando ainda a nulidade da escritura de justificação notarial e afirmam que os réus litigam de má fé, articulado esse que não foi admitido.
Saneado, condensado e instruído o processo, foi realizada a audiência de discussão e julgamento.
Após o julgamento, proferiu-se sentença que foi impugnada através de apelação, visando a alteração da matéria de facto.
Tendo a Relação anulado a referida sentença, determinando que se procedesse a novo julgamento para responder sobre o quesito 1.º da matéria de facto reformulado, com supressão de eventual obscuridade/contradição.
Repetido o julgamento, foi a final proferida sentença na qual se decidiu (dispositivo): “Pelo exposto, julgar a acção improcedente e a reconvenção integralmente procedente por provada, e em consequência: – Absolvo os RR-Reconvintes AA e BB de todos os pedidos contra si formulados pelo A. MUNICÍPIO DE …; – Declaro e condeno o A. MUNICÍPIO DE … a reconhecer que aos RR-Reconvintes AA e BB pertence o imóvel, destinado a construção urbana, sito na rua do …, (…), freguesia do …, concelho de …, a confrontar a norte com cabine eléctrica da EDP, a sul com EE, a nascente com Caldeiras e a poente com a rua do …, inscrito na matriz sob o artigo …1.
– Condeno o A MUNICÍPIO DE … a abster-se de práticas que atentem contra o direito de propriedade dos RR-Reconvintes AA e BB.
– Determino o cancelamento de todos os registos que subsistam e possa contrariar o direito reconhecido aos RR-Reconvintes sobre o prédio em causa.
Vai o A. condenado no pagamento das custas (art. 446º do C.P.C.).” Inconformado com essa sentença, apresentou o A recurso de apelação contra a mesma, sem êxito, já que a Relação o julgou improcedente, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.
De novo inconformado, veio o A. interpor recurso de revista excepcional, tendo a Formação admitido o referido recurso, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.
O A. apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: “Preliminarmente, I. Subjaz à decisão recorrida a questão do direito de propriedade, pela aquisição originária (usucapião), de parcela de terreno de 250 m2, parte de lote urbano já licenciado, este com a área de 332,80 m2, já quando da Justificação do direito (31/10/97), sem ter transcorrido 20 anos e contendendo com essa operação urbanística, pré-existente.
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Além de essencializar aparente fracionamento ilícito por não autorizado administrativamente, contende com as normas urbanísticas imperativas e de eficácia externa "erga omnes" – Artigo 1287 do C. Civil e Artigo 60, do D/L 400/84 e a segurança e estabilidade jurídica que o registo predial oferta e garante.
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Acresce que o lote, qua tale, foi titulado pelo Alvará 26/96, de 16 de Julho e a escritura de Justificação daquela parcela de 250 m2 ocorreu em 31/10/1997 e pese referenciado também como para construção desde 1977, apenas foi destinado a cultura, sem utilidade construtiva para os Reconvintes.
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Do Acórdão recorrido é decidido pela licitude dessa aquisição pela usucapião, pese parcial e não obstante o prévio e demonstrado licenciamento do lote do ajuizado loteamento, cuja questão apesar da dupla conforme dos Julgados das Instâncias, revela-se de primacial interesse e relevância jurídica, dada a controvérsia que o tema suscita e a repercussão nas relações sociais e patrimoniais que suscita na Comunidade.
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E é imperiosa/superior reapreciação e definição judiciosa, pois o direito da propriedade (aquisição e perda) contende com o direito fundamental dos cidadãos (Art. 62, nº 2, da C.RP.) e sempre motivo de tensão social e frustração de expectativas legítimas e segurança jurídica.
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Acresce que existe jurisprudência em sentido distinto e adverso do decidido, como documentado, aconselhando a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, para sopesar as questões de direito em litígio e formando soluções conformadoras e definidoras – Artigo 672, nº 1, als. a), b) e c) e 2, als. a), b) e c), do C. P. Civil – Vide Acórdão, assinalado e junto.
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E assim sindicar a temática e melhorar a aplicação do direito nesta controvérsia matéria jurídica, de relevância social que extrapola o interesse do caso dos autos, tanto mais que essencializa direito justificado distinto e incompatível com a realidade predial reivindicada, formal e materialmente "a se".
QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO E REVIDENDA: VIII. O A. pela acção de reivindicação do prédio correspondente ao lote 1, melhor identificado no item 1) do probatório, a seu favor registado na competente Conservatória do Registo Predial desde 25/05/2001 demonstrou ser o seu legítimo dono e possuidor, provando ter adquirido validamente "a domino" o direito de propriedade e registado o direito na competente Conservatória desde 18/05/1994 e, outrossim, os demais requisitos e pressupostos da aquisição originária, pela usucapião – Art. 1287 e 1310, do C. Civil.
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A parcela de terreno que os RR, em reconvenção, também reivindicam, não se identifica "a se" com esse prédio do A., nem dele é destacável, jurídica e materialmente, por natureza e em substância, sendo impossível a sua parcial aquisição derivada e, sempre também originária, pois contende e sobrepõe em parte do prédio do A., objecto e resultado da operação urbanística de loteamento, esse sim ao tempo sob a égide do D/L 400/84 e actualmente o RJUE, sendo que o lote 1, qua tale, já existia ao tempo e não foi objecto de justificação "a se".
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Ao decidir haver identidade no essencial e irrelevância da área de 82,80 m2 pese a duplicação formal e material, o Tribunal "a quo" fez má representação dos factos, errando na apreciação dos mesmos e aplicação do direito, com erro de julgamento de facto e de direito.
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Ademais, a escritura de justificação de que os RR se prevalecem ficcionando ao tempo desse jeito ilícito nova e paralela realidade predial urbana formal e material, omite a existência do lote 1, pré-existente e de que faz(ia) parte, estando aquele já devidamente inscrito nas Finanças e registado na competente Conservatória, administrativamente autorizado, fazendo enfermar esse título de nulidade e ineficácia – Art. 280 e 294, do C. Civil, com referência ao Artigo 60 daquele diploma do urbanismo ao tempo em vigor, pese não pronunciada essa questão, como clamado no Tribunal "a quo".
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Acresce que sempre contende com o próprio alvará de loteamento, cuja operação urbanística, lote 1, inclusive, foi só aprovado pelo ajuizado alvará 26/96 de 16 de Julho, com eficácia externa e erga omnes.
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É, pois, impossível quanto ao objecto e, sempre, contra legem, violando o disposto no referido Artigo 60 e insusceptível de aquisição originária – Artigo 1287 do C. Civil -, a aquisição originária ao tempo, maxime no que concerne a 250 m2. Ademais, só todo que não a parte da coisa é usucapível e "in casu", existe equívoco quanto à essência e identidade da coisa, não concorrendo os pressupostos e requisitos do instituto da usucapião, tanto mais que e indelevelmente, os Recorridos não justificaram, nem era possível, o lote "a se" e "qua tale".
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Ademais, o Acórdão ao não conhecer da questão devida de nulidade/ineficácia da escritura de justificação e seus efeitos é nulo – Artigo 615, n° 1, al. d), primeira parte, do C.P. Civil –, a merecer a intervenção cognitiva também deste Tribunal "ad quem" e nessa parte – Vide Acórdão 448/09.5TCFUN.L 1.81, já citado.
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Acresce que o entendimento que subjaz ao Acórdão recorrido, aliás em oposição ao Julgado documentado, no sentido de que a usucapião prevalece e supera eventuais e ulteriores obstáculos de natureza formal...
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