Acórdão nº 974/13.1PIVNG.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | NUNO GOMES DA SILVA |
Data da Resolução | 12 de Maio de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
1. – No âmbito do processo nº 974/13.1PIVNG da Instância Central de ..., 1ª Secção Criminal, J3, por acórdão de 2015.06.29 foi o arguido AA condenado nos seguintes termos: - pela prática de um crime de homicídio qualificado, dos arts. 131° e 132°, n° 2, alínea j), do Código Penal, na pena de 20 anos e 6 meses de prisão; - pela prática de um crime de profanação de cadáver, do art. 254°, n° 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; - considerando o concurso de crimes e o cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 21 anos de prisão.
Na sequência do recurso interposto pelo arguido o Tribunal da Relação de ... decidiu conceder-lhe parcial provimento condenando o arguido: - pelo crime de homicídio qualificado na pena de 12 anos de prisão; e - pelo crime de profanação de cadáver na pena de 9 meses de prisão.
Em cúmulo, fixou a pena única em 12 anos e 3 meses de prisão.
Desta decisão recorreram (por esta ordem) a assistente BB, o Ministério Público e o arguido.
A assistente formulou na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Vem o presente Recurso interposto da decisão proferida no âmbito dos presentes autos, no Acórdão da Relação de ..., que veio considerar o Recurso do arguido AA, parcialmente procedente e por via disso condenar o arguido na pena de 12 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado e 9 meses de prisão pelo crime de profanação de cadáver e em cúmulo jurídico destas duas penas, na única pena de 12 anos e 3 meses de prisão.
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A decisão do Tribunal da Relação de ... foi fundamentada no sentido de que deve ser aplicado o Regime Especial para Jovens Delinquentes, pois segundo, o douto acórdão, há esperança fundada de que a atenuação especial da pena trará vantagens para a reinserção social do arguido, ajudando-o a ultrapassar as dificuldades que lhe foram detetadas.
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O acórdão ora em crise, passou a considerar que aqueles factos dados como provados resultam de urna errada interpretação da prova produzida em audiência e discussão de julgamento sendo que a Mma. Juiz a quo apenas deveria ter dado como provado que o arguido “colocou a mão no pescoço da CC, ela ficou inanimada, assustou-se e como ela acordou e teve medo que ela se queixasse, colocou-lhe uma corda ao pescoço e matou-a” tal como resultou do depoimento da testemunha DD e que este afirma ter ouvido da boca do recorrente.
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Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião não nos parece correto essa decisão, “a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos, nem, tão pouco, tem o juiz de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe antes a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito”.
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Continua o douto acórdão: “(...) ou seja: ataque à decisão da matéria de facto é feito pela via da credibilidade que o colectivo deu a determinados depoimentos pressuporia a revogação pela Relação da já mencionada norma do art. 127 do CPP, a que os tribunais devem, naturalmente, obediência e que manda que o Juiz julgue segundo a sua livre convicção, pelo que, o acórdão da Relação de ..., ao proceder a alteração da matéria de facto acaba por revogar o princípio da livre apreciação da prova, art. 420º, n° 1 do CPP.
” 6. Considerou o douto acórdão ora em crise, que o acórdão do Coletivo deveria ter chamado a médica a depor, sendo que, neste sentido, o tribunal não poderia ter valorizado, como valorizou, o depoimento da testemunha EE. Ora, tal conclusão não nos parece correta.
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Senão vejamos: O acórdão do Tribunal da Relação de ... considera existir total ausência de prova ou prova em sentido contrário, acabando por sustentar a invalidada do depoimento do inspector da polícia judiciária na parte que considera constituir depoimento indirecto, em virtude do relato da conversa tida com a médica legista que examinou o corpo da CC.
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Contudo a análise redutora e simplista da versão dos factos apresentada pelo arguido e acatada pelo Acórdão ora em crise, colide com a fundamentação da matéria de facto do acórdão do Coletivo, bem como naquilo que foi a confrontação do arguido c das testemunhas com o teor da prova anteriormente produzida.
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Nestes casos, o acórdão ora em crise, na sua decisão não a reapreciou os elementos de prova produzidos, mas antes a reapreciou de forma autónoma, sobre a razoabilidade da decisão do tribunal Coletivo quanto aos concretos pontos de facto que o arguido especifica como incorrectamente julgados.
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Pressupõe, por seu turno, a reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão quanto aos concretos pontos de facto que o arguido especifica como incorrectamente julgados. A não ser que as provas apresentadas pelo arguido imponham uma decisão diversa da proferida, a alteração da decisão da 1ª instância está vedada (sublinhado nosso).
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Contudo, a par da melhor jurisprudência sobre a matéria, esta decisão está baseada num equívoco: o de que o tribunal da Relação pode fazer um novo julgamento de facto, indicando, mediante a leitura das transcrições feitas, os factos que considera provados e não provados.
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Não foram apresentadas pelo arguido, a nosso ver, e salvo melhor opinião, nenhuma prova que implicariam, necessariamente, uma decisão diversa, de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, analisada de forma global, a questão central prende-se com o princípio da livre apreciação da prova, tal como estipulado no artigo 127° do Código de Processo Penal.
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É o art. 127° citado que nos indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
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Não vislumbramos, portanto, qualquer conflito com a boa lógica e experiência comum. A convicção do tribunal Coletivo formou-se com base numa análise crítica e cuidada dos diversos elementos de prova ora junto aos presentes autos. Analisada a prova produzida e contrapondo-a com a fundamentação da matéria de facto levada a cabo pelo tribunal a quo.
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A formação da convicção do tribunal Coletivo e o raciocínio por si expedido para o efeito analisado segundo as máximas de experiência comum, não permitem que pudesse ou devesse ter sido outra a decisão sobre tal matéria.
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Ademais, o tribunal Coletivo formou a sua convicção no quadro da verdade histórico-prática e processualmente válida. Analisando a prova documental e pericial que consta junta aos autos e face à argumentação aduzida pelo recorrente e acatada pelo Tribunal da Relação de ..., não cremos que exista razão ou motivo para considerar que o tribunal errou na apreciação por si levada a cabo.
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Destarte, não cremos que a decisão da Relação de ... que concede provimento parcial a argumentação ora aduzida pelo recorrente deve ser mantida, deixando-se inalterada a matéria de facto provada, estando, quanto a nós, mais do que preenchidos os elementos típicos do tipo de crimes pelos quais o recorrente vem condenado, pelo que a decisão ora em crise não nos merece qualquer censura.
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Outra questão suscitada pelo ora recorrente prende-se com a qualificação jurídica dos factos e da medida da pena, considerando que deveria apenas ter sido condenado pelo crime de homicídio simples previsto no artigo 131° do Código Penal.
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Discordando por completo da posição do recorrente relativamente aos factos, não podemos deixar de concordar com a qualificação jurídica dos factos levada a cabo pelo Colectivo em 1ª Instância.
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Com efeito, analisando a motivação da matéria de facto da decisão ora em crise verificamos, que independentemente de arguido ter ou não ateado fogo ao corpo da vítima, encontram-se preenchidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artigo 254°, alínea a).
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Neste sentido bem andou o tribunal a quo ao condenar o arguido nos termos em que o fez e face às motivações aduzidas pelo recorrente e a fundamentação da matéria de facto relativamente a este ponto, deve, também nesta parte, improceder o recurso.
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Por último, sustenta o recorrente que o regime pena para jovens e delinquentes previsto no Decreto-lei n° 401/82, de 23/9 deveria ter sido aplicado no caso concreto, fixando-se a pena em 9 anos de prisão.
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Seguindo de perto o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (in: www.dgsi.pt) de 14 de Março de 2014 e face à prova produzida relativamente às condições socias, familiares e pessoais do arguido, resulta, claro, que este não poderá beneficiar daquele regime, pelo que não assiste razão ao recorrente também quanto a este ponto.
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Quanto ao modo de execução do crime e a matéria de facto provada, remetemos integralmente para o decido no acórdão ora em crise aderindo integralmente às considerações tecidas pelo tribunal a quo sobre o grau de ilicitude do crime, manifestado sobretudo no modo da sua execução.
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O arguido demonstrou um comportamento bárbaro, cruel, excedendo largamente o padrão que o homicídio qualificado pressupõe como típico.
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Assim, nenhuma crítica se impõe fazer à pena aplicada em 1ª Instância. A nosso ver, face à matéria fáctica dada como provada, e a medida da pena concretamente aplicada o tribunal em 1ª Instância fez uma justa e adequada ponderação das circunstâncias que não fazendo parte do crime depõem contra ou a favor do recorrente. Na verdade, ponderado o conjunto dos factos provados com os factos atinentes à personalidade do arguido e ao modo como este executou o crime, a medida da pena contendo-se dentro dos limites da culpa do arguido, não nos merece qualquer censura.
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Face ao exposto, tendo em conta o alegado, o Acórdão proferido pela Relação de ... e ora em crise deverá ser revogado, mantendo-se a decisão proferida em 1ª Instância, condenando-se o arguido AA pela prática dos crimes de: - Crime de Homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131° e 132°, n° 2 alínea j), do Código Penal, na pena de 20 (vinte anos) anos e 6 (seis) meses de prisão: - Crime de Profanação de Cadáver, p. e p. pelo art. 254°, n° 1, alíneas a) do...
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