Acórdão nº 9950/11.8TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em 17/11/2011, junto do Tribunal Judicial da então Comarca de Vila Nova de Gaia contra: 1.º - a herança aberta por óbito de BB, representada pela cabeça de casal CC; 2.

º - CC, viúva, 3.º - DD e cônjuge EE, 4.º - FF e cônjuge GG, 5.º - HH e cônjuge II, 6.º - JJ, solteiro, 7.º - KK e cônjuge LL, 8.º - MM e cônjuge NN, todos por si e na qualidade de herdeiros de BB, alegando, no essencial, que: .

A A. adquiriu, por via de sucessão hereditária de seus pais, OO e PP, que também usava o nome de QQ, a propriedade do prédio rústico denominado “Quinta da …”, terreno a pinhal, mato e cultura, com a área de 20.000 m2, a confrontar do norte com herdeiros de RR, do sul com SS, do nascente com regato e do poente com TT, inscrito na matriz rústica da freguesia de Serzedo, sob o artigo 699.º; .

Os pais da A., por sua vez, haviam adquirido esse prédio mediante escritura pública de partilhas, celebrada a 02/02/1923, no Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia; .

O referido prédio encontra-se descrito sob o n.º 604 da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia com a aquisição ali inscrita a favor dos pais da A.; .

A A., por si e ante-possuidores, têm vindo desde há mais de 50 anos a colher todas as utilidades e interesses do referido prédio, bem como a pagar os encargos, despesas e contribuições ao mesmo referentes, abatendo e plantando árvores nele e limpando e arranjando todo o espaço físico do prédio, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com a consciência de estarem a exercer o seu direito de propriedade; .

Todavia, por escritura pública notarial de habilitação de herdeiros e justificação outorgada em 10/09/2010, a R. CC, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido BB, declarou que o identificado prédio, não descrito na Conservatória do Registo Predial, mas inscrito na matriz sob o art.º 699.º, em nome de QQ, fazia parte integrante daquela herança, por ter sido adquirido, mediante doação verbal, à então titular inscrita pelo autor da herança e sua mulher, ora 2.ª R., por volta de 1970; .

Nessa base ali foi declarado que a 2.ª R. e demais herdeiros do falecido são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, sem determinação de parte ou direito, pretendendo registar tal aquisição a favor da referida herança, embora não detenham qualquer título que legitime o seu domínio sobre tal prédio; .

Declarou também a mesma R que, desde a data dessa aquisição, sem qualquer interrupção, o sobredito prédio têm usado e fruído, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja e na convicção que não lesavam direitos de outrem, de forma pacífica, contínua, pública e de boa fé, desde há mais de vinte anos, o que conduziu à aquisição do mesmo por usucapião; .

Por documento notarial denominado “Partilha e Reparcelamento” formalizado em 26/01/2011, os R.R., ali outorgantes declararam serem os únicos interessados na indicada herança indivisa; .

Com violação do princípio do trato sucessivo, bem como do Plano Director Municipal aplicável, o referido prédio mostra-se reparcelado em sete parcelas as quais foram levadas ao registo predial através de várias descrições prediais; .

É, portanto, falso, que os R.R. sejam donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, sem determinação ou de direito do prédio rústico, do prédio em referência e que a mãe da A., QQ, o tenha doado verbalmente à 2.ª R. e a seu marido BB.

Concluiu a A., pedindo que: a) – se considere impugnado e, por consequência, nulo ou ineficaz para todos os efeitos legais e facto justificado na escritura de justificação de 10/09/2010, em virtude da 1.ª R., a herança aberta por óbito de BB, não ter adquirido por usucapião, o prédio em referência, considerando-se igualmente nula a escritura de partilha e reparcelamento de 26/01/2011, ordenando-se, por via disso, o cancelamento de quaisquer registos operados com base dessa escritura de justificação; b) – seja declarada a nulidade dos atos notariais mencionados e, consequentemente, ordenado o cancelamento dos respetivos registos; c) – seja declarado que a A. é dona do mesmo prédio e sejam os R.R. condenados a restitui-lo à A., no seu estado físico originário, integrado pela sua área de 20.000 m2, bem como a pagar-lhe, solidariamente, a título de sanção pecuniária compulsória, quantia nunca inferior a € 100,00, por cada dia de atraso na restituição do prédio em questão, a qual se deverá considerar constituída desde a citação até à efetiva restituição.

  1. Os R.R. contestaram, reiterando, além do mais, tudo quanto declararam nas escrituras de justificação impugnadas pela A. e deduzindo, com base em tais factos, reconvenção a pedir que: a) - seja declarada a existência e titularidade dos direitos de nua propriedade dos R.R. e dos direitos de usufruto da 2.ª R. sobre os prédios constantes das descrições prediais em referência; b) – subsidiariamente, seja declarada a existência e titularidade do direito de propriedade da 1.ª R., herança aberta por óbito de BB, do prédio rústico de pinhal, mato e cultura, sito na Quinta da …, freguesia de …, Vila Nova de Gaia, com a área de 17.153 m2, descrito na respetiva 1.ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º …34 e inscrito na matriz sob o art.º 669.º; c) – também subsidiariamente, seja declarada a existência e titularidade do direito de propriedade da mesma 1.ª ré dobre o mesmo prédio rústico.

  2. A A. replicou, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção, impugnando o alegado pelos R.R., nessa sede, acrescentando que os pais da A. emprestaram o prédio em causa à 2.ª R. e seu marido, e requerendo a ampliação da causa de pedir.

  3. Por sua vez, os R.R. treplicaram a invocar a inadmissibilidade da pretendida alteração e ampliação da causa de pedir, a impugnar a generalidade dos factos assim alegados e a pedir a condenação da A. como litigante de má fé.

  4. Fixado o valor da causa em € 250.000,00 e registada a ação, foi dispensada a audiência preliminar e proferido despacho saneador tabelar, procedendo-se à selação dos factos tidos por relevantes com organização da base instrutória, após o que ambas as partes reclamaram, tendo ainda a A. arguido a nulidade daquele despacho, com fundamento em omissão de pronúncia sobre a admissibilidade do pedido reconvencional. Tal arguição foi deferida, admitindo-se a reconvenção, mas as reclamações foram desatendidas.

  5. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 407-438, datada de 19/02/2015, na qual foi integrada a decisão de facto e a respetiva motivação, a julgar, totalmente, procedente a ação e improcedente a reconvenção, com o seguinte teor dispositivo: a) - Declaro nulos e por isso inválidos os actos notariais referidos nos artigos 17.º a 23.º da petição inicial e consequentemente se declare o cancelamento de todos os registos referidos no artigo 24.º da petição inicial; b) - Declaro e por isso inválidos os registos referidos no artigo 24.º da petição inicial e consequentemente se declare o cancelamento desses mesmos registos; c) - Considero impugnado e, consequentemente, nulo ou ineficaz para todos os efeitos legais o facto justificado na escritura de justificação de 10 de Setembro de 2010 por a 1.ª Ré, a herança aberta por óbito de BB, não ter adquirido o prédio constante do artigo 1.º da petição inicial por usucapião considerando-se igualmente nula a escritura de partilha e reparcelamento de 26 de Janeiro de 2011 e se ordene, por via disso, o cancelamento de quaisquer registos operados com base nessa escritura de justificação aqui impugnada, nomeadamente, todos os registos referidos no artigo 24º da petição inicial; d) - Declaro que a Autora é dona e legitima proprietária do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial e, em consequência, os RR. obrigados a restituir-lhe esse mesmo prédio que se encontra entre si reparcelado ou fraccionado do modo referido no artigo 24.º da petição inicial, no seu estado físico originário integrado pela sua área de 20.000 m2, devendo, para o efeito, os mesmos RR vão condenados a pagar solidariamente à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, quantia de 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso da obrigação de restituição do prédio em questão, a contar da presente data até à efectiva restituição do prédio à Autora. (…).

    e) - Julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional, e em consequência, vai a A. absolvida dos pedidos.” 7.

    Inconformados os R.R. com tal decisão apelaram dela para o Tribunal da Relação do Porto, que, através do acórdão de fls. 485-503, datado de 07/09/2015, muito embora alterando a decisão sobre a matéria de facto, ainda assim julgou improcedente, no mais, o recurso, mantendo a decisão recorrida.

  6. Mais uma vez, irresignados com essa decisão, vieram os R.R. recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O acórdão impugnado é recorrível e passível de revista porquanto não há, quanto a ele, uma confirmação da decisão da 1.ª Instância; pelo contrário, confirmou, é certo, a decisão proferida na 1.ª instância, todavia com base numa fundamentação essencialmente diferente (n.º 3 do art.º 671.º do CPC); 2.ª - Daí que, ainda que se entenda que a decisão do Tribunal da Relação é sobreponível à da 1.ª instância, ainda assim verifica-se o pressuposto de admissibilidade da revista nos termos do disposto nos artigos 629.º, n.ºs 1 e 3, “a contrario”, do CPC; 3.ª - Além disso, o acórdão recorrido está em contradição com os acórdãos deste Tribunal, todos transitados em julgado, de 25/06/ 2015, proferido no processo n.º 17933/12.4T2SNT.1.1.S2, de 09/02/ 2008, proferido no processo n.º 08A3580 e de 14.05.1996, proferido no recurso de fixação de jurisprudência n.º 085204 publicado no DR II S, de 24.06.1996, todos disponíveis em www.dgsi.pt, 4.ª - Sendo também, por isso, recorrível nos termos do previsto nos artigos 629.º, n.ºs 1...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
5 temas prácticos
5 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT