Acórdão nº 8928/11.6TBOER.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelPAULO DE SÁ
Data da Resolução17 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 8928/11.6TBOER.L2.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB, pedindo que seja declarado que é filho do réu.

Alegou, em suma, que nasceu a 15 de Novembro de 1990, na constância do casamento de sua mãe com CC; que a presumida paternidade foi impugnada por este último, tendo, por sentença transitada em julgado, sido declarado que aquele não é o seu pai biológico; que, como reconheceu nesse processo, a sua mãe admitiu que manteve relações de cópula completa com o ora Réu BB durante os 180 dias dos 300 que antecederam o nascimento do autor; que o réu tem consciência de que o A. é seu filho, pois, em diversas ocasiões e ao longo dos últimos anos, enviou dinheiro à mãe; e que o A. sofre da doença denominada "B- Thalassemia", a qual é hereditária, tendo ficado provado que a sua mãe não é portadora dessa doença.

O réu contestou, alegando, em síntese, que conheceu a mãe do A., pois a mesma trabalhou para a sociedade "DD, Lda", da qual era um dos sócios; que é falso que tenha mantido relações de cópula completa com a mãe do A. e muito menos durante os 180 dias que antecederam o nascimento do A e que tinha um bom relacionamento profissional com a mãe do A, chegando a emprestar-lhe dinheiro para pagamento das prestações da casa.

O Autor replicou, alegando que sofre da doença "B-Thalassemia", a qual é hereditária e que tal doença tem origem nos Países do Golfo Pérsico, o que constitui mais um forte indício de que o A. é filho do R.

Conclui, requerendo que o R. se submeta à efectivação do teste de ADN.

Foi proferido despacho saneador, organizados os factos assentes e a base instrutória.

Pelo despacho de fls. 88, foi ordenada a realização de exames de ADN ao réu para determinar se é o pai do autor.

Ouvidas as partes sobre a forma de realização desse exame, veio o autor requerer que o mesmo seja realizado em Portugal, no INML, e, caso tal não seja possível, uma vez que não existe representação diplomática portuguesa na Síria e, sendo os assuntos deste país acompanhados pela Embaixada de Portugal em Nicósia, requer em alternativa que seja aí realizada a recolha de material biológico. Refere ainda que o réu é uma pessoa muito influente na Síria, sendo o seu irmão o actual cônsul honorário de Portugal em Alepo.

Por sua vez, o réu veio dizer que tem a sua residência na Síria e, por motivos profissionais, familiares e do conflito bélico em curso, não tem qualquer possibilidade de sair da Síria; que os dois consulados portugueses na Síria foram encerrados, por força do estado de guerra e que apenas aceita que a perícia seja realizada no seu país e por ordem de um tribunal judicial sírio.

Seguidamente foi proferido despacho com o seguinte teor: "Fls. 103 e 107: Uma vez que o R. não aceita, ou não pode, deslocar-se a Portugal, e que a Síria não é parte na Convenção de Haia de 18 de Março de 1970 (aprovada pelo DL 764/74, de 30-XII), não se mostra possível a recolha de material biológico (quer no lNML., quer através das competentes autoridades judiciárias sírias).

A recolha de material biológico do R. através da Embaixada de Portugal em Nicósia não tem cabimento legal – não se mostrando viável, quer pelo estado de guerra (praticamente notório) em que se encontra a Síria, quer pela relação de parentesco alegada (a fls. 103), a sua recolha através do Cônsul Honorário de Portugal em Alepo.

Assim, mostra-se inviabilizada a realização do exame determinado a fls. 88. Notifique. " Após foi designada data para a realização do julgamento.

Realizado este, por despacho exarado na acta de julgamento (datado de 12107/2013), respondeu-se à matéria constante da base instrutória.

Posteriormente, a Sra. Juíza proferiu o seguinte despacho (datado de 9/10/2013) a reabrir a audiência de julgamento, a fim de ser inquirida EE (progenitora do autor).

Pelo requerimento de fls. 140/143 o réu arguiu a nulidade desse despacho, o que foi indeferido pelo despacho de fls. 160/161.

O Réu juntou exames clínicos a fim de tentar demonstrar não ser portador da doença "B-Thalassemia".

O Autor impugnou tais exames.

Reaberta a audiência de julgamento, o tribunal inquiriu a progenitora do autor.

Após foi proferida sentença, na qual se fixaram os factos provados e respectiva fundamentação, tendo-se concluído pela procedência do pedido, tendo o autor sido declarado filho do réu.

O réu interpôs recurso dessa sentença, tendo, por acórdão desta Relação sido revogada a decisão proferida dia 9/10/2013 que ordenou a reabertura da audiência de julgamento e anulado todo o processado posterior, incluindo a sentença.

Baixados os autos à 1.ª instância, foi então proferida nova sentença, na qual se julgou a acção procedente e, em consequência, declarou-se que AA é filho biológico de BB, ordenando-se o correspondente averbamento no assento de nascimento do Autor.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, sem sucesso, já que a Relação, julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

De novo inconformado, veio o R. interpor recurso de revista excepcional, tendo a Formação admitido o referido recurso, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

O A. apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: 1.º Nos presentes autos está em causa uma questão cuja apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito; 2.º A questão cuja apreciação se suscita nos presentes autos consiste em saber se, numa ação de investigação de paternidade se pode estabelecer a presunção legal de filiação constante da alínea e) do nº 1 do artigo 1871º do Código Civil, assente numa inversão do ónus da prova, sem que tenha havido uma recusa culposa do investigado em deslocar-se a Portugal para realizar um teste de ADN; 3.º A apreciação da questão suscitada no presente recurso é absolutamente essencial para uma melhor aplicação do Direito, sob pena de se abrir um precedente, capaz de abalar de forma drástica a segurança jurídica, mormente, no que à inversão do ónus da prova e à aplicação da presunção de paternidade diz respeito; 4.º A interpretação e aplicação da lei constante do Douto Acórdão recorrido reveste de natureza inovadora, em termos de se justificar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para evitar dissonâncias interpretativas a por em causa a boa aplicação do Direito; 5.º Os contornos da apreciação da verificação de uma situação de inversão do ónus da prova para efeitos da aplicação da presunção de filiação constante da alínea e) do nº 1 do artigo 1871.º do Código Civil com base na inversão do ónus da prova fundamentada num comportamento notoriamente não culposo, nos moldes que foram efetuados no Douto Acórdão recorrido, assume particular relevância social; 6.º Essa relevância social existe por se tratar de uma matéria com repercussão ou, no limite, apta a causar alarme e controvérsia, por conexão com os valores socioculturais dominantes, podendo colocar em causa a eficácia do direito e/ou criar dúvidas sobre a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística; 7.º Esta matéria vai muito para além dos interesses individuais dos sujeitos processuais, revestindo contornos de abrangência comunitária, em que existe um interesse da comunidade que ultrapassa a referida dimensão inter partes (cfr. art. 672.º n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil); 8.º A questão que integra o objeto do presente recurso é suscetível de gerar colisão com os valores sócio culturais dominantes; 9.º Não existindo ainda sobre a referida questão...

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