Acórdão nº 2862/08.4TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução17 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório Os presentes autos de inventário correm termos para partilha da herança aberta por óbito de AA, exercendo as funções de cabeça-de-casal BB.

Percorrida a tramitação normal, foi apresentada relação de bens, na qual, além do mais, foram relacionados vários prédios urbanos (verbas 56, 58, 59 e 60) e vários prédios rústicos (verbas 57, 61, 62 e 63) (fls. 502).

Foi realizada conferência de interessados, na qual os bens acima referidos foram submetidos a licitação (fls. 768).

As verbas 56 e 57 foram licitados pelo interessado CC; a verba 60 foi licitada pela interessada DD; as verbas 61 e 63 foram licitadas pela interessada EE; e as verbas 58, 59 e 62 não obtiveram licitação (fls. 768 e 769).

As interessadas EE e DD apresentaram forma à partilha, requerendo, além do mais, que as verbas 58 e 59 fossem atribuídas aos interessados FF e GG e que a verba n.º 62 fosse atribuída aos interessados BB (cabeça-de-casal), CC, FF e GG, na proporção de 50/100, 29/100, 9/100 e 12/100, respectivamente (fls. 780 e 781).

O cabeça-de-casal também apresentou forma à partilha, requerendo, além do mais, que se procedesse à venda judicial das verbas não licitadas a fim de se preencher o quinhão dos interessados com o produto dessa venda (fls. 804) Os interessados GG e FF manifestaram a sua indisponibilidade para ficarem em compropriedade com outros herdeiros no que toca aos bens não licitados e também requereram que se procedesse à venda judicial daqueles bens e que o quinhão dos interessados fosse preenchido com o produto daquela venda (fls. 814).

Foi proferido despacho determinativo da partilha, no qual, além do mais, se decidiu que “(…), relativamente aos bens que não obtiveram licitações, deverão os mesmos ser adjudicados a todos os interessados, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões (os interessados licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por eles licitados, e os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento dos seus quinhões) – neste sentido, entre outros, o Ac. da RP de 27.09.2011, (…), cuja fundamentação subscrevemos.” (fls. 879) Em conformidade com aquele despacho, foi elaborado mapa de partilha que atribuiu as verbas 58, 59 e 62 ao cabeça-de-casal e aos interessados GG e FF, em conformidade com o despacho que dera forma à partilha (fls. 889 e 890).

O cabeça-de-casal reclamou do mapa de partilha, além do mais, suscitando novamente a questão de as verbas não licitadas não poderem ser adjudicadas em compropriedade (fls. 995 e seguintes).

A reclamação foi indeferida no que concerne à questão acima indicada (fls. 1023).

De seguida, foi proferida sentença homologatória da partilha (fls. 1025).

O cabeça-de-casal recorreu, opondo-se à adjudicação dos bens não licitados, em compropriedade, aos interessados que a tal não tenham dado o seu consentimento.

O Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão, declarando a procedência da apelação e decretando a anulação do mapa de partilha e da sentença homologatória de partilha, exarando-se o seguinte na sua parte dispositiva: «Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência: A) Altera-se o despacho determinativo da partilha na parte respeitante à adjudicação das verbas 58, 59 e 62, nos termos expostos na fundamentação do acórdão; B) Mantém-se o mais que foi decidido naquele despacho; C) Anula-se o processado subsequente dependente daquele despacho, designadamente, o mapa de partilha e a sentença homologatória da partilha.

Custas segundo critério da definir a final». DD e EE interpõem recurso de revista, em cuja alegação, formularam as seguintes conclusões: 1 – O Apelante BB é licitante no presente processo, não sendo por isso beneficiário da faculdade prevista no artigo 1374.º al. b) do antigo Código de Processo Civil, 2 – não tendo também e por isso legitimidade para recorrer do Despacho determinativo da forma da partilha e da Sentença homologatória proferidas no Tribunal de Primeira Instância.

3 – os únicos dois Interessados não licitantes, não impugnaram aquele despacho determinativo da forma da partilha nem recorreram da sentença homologatória proferidos no Tribunal de Primeira Instância.

4 – A Interessada, aqui Recorrente DD, tem direito a ver integrado o seu quinhão, tal como os demais interessados não recorrentes, com bens não licitados, faculdade de que não abdica, 5 – Não aceitando, e por isso não dando o seu acordo, a venda dos mesmos.

6 – Tendo todos os bens imóveis relacionados sido avaliados por perícia judicial requerida pelo Apelante, e não tendo havido qualquer reclamação aos valores resultantes dessa perícia, ter-se-á que concluir que os mesmos são adequados e justos, não existindo por isso qualquer prejuízo na sua partilha por todos os interessados.

7 – O escopo da partilha é fazer quinhoar todos e cada um dos interessados nos bens da herança, com a atribuição dos bens não licitados a todos os Interessados em comum e na proporção das suas quotas, em analogia com o que se prescreve na parte final da alínea d) do artigo 1374 do antigo C.P.Civil.

8 – Constituindo os imóveis relacionados nas verbas n.ºs 58, 59 e 61 não licitadas, bens da mesma espécie e natureza dos bens licitados, é inaplicável a segunda parte da alínea b) daquele artigo 1374.º do C.P.C.

9 – Devem os imóveis das verbas 58, 59 e 62 não licitados ser adjudicados a todos os Interessados em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões – “os Interessados licitantes, na exata proporção em falta depois de considerados os bens por eles licitados; os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento do seu quinhão”.

10 – O Acórdão recorrido está em absoluta contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 27/9/2011, já transitado em julgado, detalhadamente invocado e transcrito nas presentes Alegações no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

11 – O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 1374.º, al. b) e d) do antigo Código de processo Civil e os artigos 607.º, n.ºs 4 e 5, 612.º e 615.º, al. c) e d) do Código de processo Civil.

12 – O douto acórdão recorrido fez má aplicação dos factos e do direito aplicável, pelo que deve ser revogado.

13 – já que o Despacho determinativo da forma da partilha proferido pelo tribunal da primeira instância, não merecendo qualquer censura, decidiu de acordo com os factos e o direito aplicável.

Com o que se fará a esperada e ambicionada Justiça».

Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes: I – Nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 615.º, als. c) e d) do CPC; II – Legitimidade do apelante, cabeça de casal, para recorrer da sentença homologatória proferida no Tribunal de Primeira Instância.

III – Adjudicação de bens não licitados, em compropriedade, aos interessados que a tal não tenham dado o seu consentimento ou venda judicial de tais bens e distribuição do produto da venda pelos interessados na proporção dos respetivos quinhões.

Os recorridos não apresentaram contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II - Fundamentação de direito I – Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615.º al. c) do CPC) e por omissão de pronúncia (art. 615.º al. d) do CPC) 1.

Relativamente à nulidade do acórdão recorrido (art. 615.º, al. c) do CPC), importa afirmar que a causa de nulidade invocada pelos recorrentes só se verifica quando a contradição é insanável, não bastando para o efeito qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão, conforme tem decidido a doutrina e a jurisprudência.

Como afirma Amâncio Ferreira (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 56), a contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 615º (anterior artigo 668.º) verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Esta tese tem sido também aceite pela jurisprudência, conforme, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 30-05-2013, relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues, proc. n.º 660/1999.P1.S1, e de 02-12-2013, relatado pelo Conselheiro Bettencourt de Faria, proc. n.º 110/2000.L1.S1).

Ora, analisada a fundamentação do acórdão recorrido não se deteta qualquer contradição insanável entre as premissas fáctico-jurídicas de que partiu e a decisão.

O que se verificou foi que o acórdão recorrido apresentou uma descrição das várias posições doutrinais e jurisprudenciais sobre a questão a tratar, tendo depois enveredado por uma delas, mas isto não significa qualquer contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, pelo que se indefere este pedido de nulidade.

  1. Apela a recorrente para o vício contido na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil que, preceitua respetivamente, que é nula a sentença quando: «d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

    Conforme se tem afirmado na jurisprudência, esta nulidade está diretamente relacionada com o comando previsto no art.º 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito. O dever imposto no art.º 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos...

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