Acórdão nº 1923/14.5TBVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA propôs a presente acção contra Caixa de Crédito Agrícola Mútuo BB, CRL (doravante CCA Mútuo, CRL), e contra CC - Comp. de Seguros, S.A.

(doravante CA CC, SA) pedindo: O reconhecimento de que a 2ª R.: - Celebrou um seguro do ramo vida com a apólice nº 505…com DD; - Que a tomadora e, por isso, a beneficiária desse seguro, por força de um seguro de grupo celebrado entre a 2ª e a 1ª R., era e é a R.

Caixa de Crédito Agrícola; - Que por morte de DD, é accionado automaticamente o referido seguro, no montante que faltava pagar da dívida à 1ª R., na altura do seu falecimento, nos termos do ponto 4 da cláus. 3ª, cláus. 22ª, nº 1, al. a), e cláus. 23ª, nº 1, das condições gerais do seguro de vida grupo em apreço; Pediu a condenação da 2ª R. a pagar à 1ª R., como beneficiária do seguro, o montante do capital máximo mutuado que estava em dívida após o falecimento de DD, a 30-12-11, cujo montante se desconhecia com exactidão, sabendo-se que o valor do mútuo era o de € 195 000,00; Pediu a condenação da 1ª R. a reconhecer que, após a morte de DD, imediata e automaticamente foi accionado o contrato de seguro celebrado entre o falecido e a 2ª R. e por consequência era a 1ª R. a beneficiária do referido seguro, pelo que deveria reclamar, nessa qualidade, à 2ª R. o montante de todo o capital mutuado em dívida após o falecimento de DD; Pediu a condenação da 1ª R. a devolver e a reembolsar a A. de todas as quantias que lhe tenham sido cobradas, relativas às prestações mensais de amortização do capital mutuado, bem como todas as importâncias a título de juros do capital mutuado, impostos e comissões, que lhe foram cobradas, desde o falecimento do seu marido, no valor global de, pelo menos, 29 867,77 até à presente data, acrescidas dos juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; Pediu a condenação da 1ª R. a não efectuar mais nenhum desconto na(s) conta(s) bancária(s) da A., relativo a prestações das amortizações do empréstimo do contrato de mútuo com hipoteca com o processo casa pronta nº 23326/2011, em apreço; E pediu ainda a condenação da 1ª R. a devolver e a reembolsar a A. de todas as prestações vincendas mensais de amortização de capital mutuado, bem como todas as importâncias que por esta venham a ser pagas a título de juros do capital mutuado, impostos e comissões, após a data de interposição desta acção e até à data da prolação da sentença final, quantias estas acrescidas de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento, valores cuja determinação se requer relegada para liquidação posterior, nos termos dos arts. 358º, nº 2 e 609º, nº 2, do CPC.

Em abono das suas pretensões alegou, em síntese, que ela e o seu marido, DD, celebraram com a 1ª R., em 8-4-11, um contrato de mútuo com hipoteca, no montante de € 195 000,00, pelo prazo de 324 meses, a contar da data da escritura de mútuo e que para garantir o reembolso do empréstimo, em caso de morte, o marido da A. celebrou com a 2ª R. um contrato de seguro de vida.

O marido da A. faleceu em 30-12-11, com adenocarcinoma do pâncreas, sendo que a 2ª R. não pagou à A. o capital mutuado que estava em dívida.

Que para evitar a execução hipotecária, a A. continuou a pagar as prestações do empréstimo, juros e demais encargos. As RR. contestaram, alegando a 1ª R. que, antes de celebrar o contrato de seguro, o marido da A. padecia da doença que veio a ser causa directa e necessária do seu falecimento; que este facto era do conhecimento do casal; que não se mostrava preenchido qualquer dos pressupostos processuais que permitiam à autora accionar o contrato de seguro nos termos pedidos na petição inicial.

A 2ª R. alegou que a A. era parte ilegítima e que deveria ser julgado nulo o contrato de seguro de vida, uma vez que o marido da A., aquando do preenchimento do questionário clínico e da assinatura da declaração individual de adesão ao seguro, omitiu deliberada e intencionalmente as preocupações, sintomas e alterações do seu estado de saúde, bem como consultas e exames que já havia efectuado e que ainda previa efectuar e que vieram a demonstrar a existência de adenocarcinoma do pâncreas.

No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade arguida pela 2ª R. e, depois do julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu: - Reconhecer a celebração do contrato de seguro do Ramo Vida com a R. CA CC, SA, qual é beneficiária a R. CCA Mútuo, C.R.L. e que tal contrato é accionado automaticamente por morte de DD; - Condenar a R. CA CC, SA, a pagar à R. CCA Mútuo, C.R.L., o montante do capital máximo mutuado que estava em dívida após o falecimento de DD, em 30-12-11; - Reconhecer que, por morte de DD, foi imediata e automaticamente foi accionado o contrato de seguro, cabendo à R. CCA Mútuo, CRL, reclamar o montante do capital em dívida à R. CA CC, SA; - Condenar a R. CCA Mútuo, C.R.L., a devolver e a reembolsar a A. de todas as quantias que lhe foram cobradas, relativas às prestações mensais de amortizações do capital mutuado, e aos juros, impostos e comissões desde o falecimento do marido, no valor global de, pelo menos, € 29,867,77, acrescidas de juros à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; - Condenar a R. CCA Mútuo, C.R.L., a não efectuar mais nenhum desconto na(s) conta(s) bancária(s) da A., relativo a amortizações do mútuo em causa; - Condenar a R. CCA Mútuo, C.R.L., a devolver e a reembolsar a A. de todas as prestações vincendas mensais de amortização do capital mutuado, juros, impostos e comissões, após a data da interposição da presente acção e até à presente data, quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Desta sentença apenas a R. CA CC recorreu de apelação, pedindo a sua revogação e impugnando ainda, ao abrigo do nº 3 do art. 644º do CPC, a decisão proferida no despacho saneador que julgou a A. parte legítima.

A Relação julgou improcedente o recurso de apelação na parte respeitante à excepção de ilegitimidade e procedente o recurso quanto ao mérito da acção, declarando anulado o contrato e absolvendo a R. CA CC do pedido de condenação desta Seguradora na entrega à R. CCA Mútuo do capital que se encontrava em dívida na data do óbito de DD.

A A. interpôs recurso de revista em que suscitou as seguintes questões essenciais: - Questionou a modificação da decisão da matéria de facto operada pela Relação, considerando que deveria manter-se a decisão da 1ª instância por se encontrar devidamente fundamentada, por não resultar da prova produzida decisão diversa e pelo facto de a alteração exigir prova irrefutável em sentido inverso, o que não existia, tendo sido violado o art. 662º, nº 1, do CPC; - No que concerne à matéria de direito entende que: - A Seguradora não pode prevalecer-se das alegadas omissões do segurado, uma vez que não lhes atribuiu relevância antes da celebração do contrato; - A actuação do segurado integra-se na negligência, não existindo elementos para qualificar a existência de conduta dolosa; - A invocação da anulabilidade do contrato de seguro integra uma situação de abuso de direito, uma vez que a R. Seguradora aceitou a celebração do contrato e só depois de comunicado o sinistro veio invocar a anulabilidade.

Do acórdão também a R. CCA Mútuo interpôs recurso de revista, alegando que, apesar de não ter interposto recurso de apelação da sentença da 1ª instância, lhe aproveita o recurso de apelação que foi interposto pela Co-R. CA CC, atenta a relação de dependência, nos termos do art. 634º, nº 2, al. d), do CPC, devendo considerar-se também absolvida do pedido de condenação na entrega à A. das prestações do mútuo vencidas e vincendas desde a data do óbito do tomador do seguro.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II - Factos provados: … III – Decidindo: 1. Quanto ao recurso de revista interposto pela A.: 1.1.

A A. insurge-se contra o acórdão da Relação, na parte em que procedeu à modificação da decisão da matéria de facto apurada pela 1ª instância. Considera que não existiam motivos para tal, atenta a fundamentação apresentada pela 1ª instância, as provas que foram produzidas e a ausência de prova irrefutável determinante da referida modificação.

A pretensão da recorrente não pode ser acolhida, pois que, como decorre do acórdão recorrido, as modificações operadas pela Relação foram motivadas por uma diversa valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, como o são os depoimentos testemunhais, conjugados com documentos que foram juntos e que não detinham força probatória plena.

Atento o disposto no art. 662º, nº 4, do CPC, de uma tal decisão assim sustentada e balizada não cabe recurso de revista, o que bem se compreende, na medida em que a Relação, ao reapreciar a decisão da 1ª instância, actua no desempenho de uma função de valoração de meios de prova que é exclusiva das instâncias, a qual, nesta perspectiva, não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Em sede da delimitação da matéria de facto provada e não provada, o Supremo está largamente condicionado pelas regras que constam do art. 674º do CPC, de tal modo que, para além da verificação do cumprimento das regras de direito adjectivo, apenas pode intervir quando haja ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinados meios de prova.

No caso, a Relação agiu dentro dos poderes definidos no art. 662º do CPC e, além disso, manteve-se nos limites da livre apreciação de meios de prova, não se verificando motivo algum para questionar nem o modo como foi exercido aquele poder, nem o juízo probatório que foi formulado.

Trata-se de entendimento jurisprudencial uniforme e que emerge de numerosos arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, alguns dos quais subscritos pelo ora relator e adjuntos.

1.2.

Dir-se-á ainda que a ampliação dos poderes da Relação, no que concerne à reapreciação da decisão da matéria de facto que foi consagrada na Reforma de 1995/96, reforçada na Reforma de 2007 e confirmada com a...

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