Acórdão nº 1776/11.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA propôs ação declarativa de condenação com processo ordinário no dia 23-8-2011 pedindo a condenação solidária de Construções BB, Lda. (doravante BB), de CC - Sociedade de Investimentos, SA (doravante CC), esta declarada insolvente em 10-1-2012 e, consequentemente, quanto a ela julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (ver fls. 1062/1063) e de DD, Companhia de Seguros, SA (doravante DD) no pagamento de a) 60.000,00€ correspondente ao valor da indemnização por perda do direito ao arrendamento.

  1. 76.753,00€ correspondente ao valor dos bens danificados e não recuperáveis.

  2. 50.000,00€ a título de danos morais.

    perfazendo-se a quantia total de 186.753,00€.

    E ainda no d) Custo inerente à necessidade de instaurar a presente ação judicial para ressarcimento integral dos prejuízos sofridos, a que acrescem créditos nos montantes cuja exata contabilização não é neste momento possível, a ser apurado em fase de execução de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 564.º/2 e 569.º do Código Civil e da alínea b) do n.º1 do artigo 471.º do CPC e) Os juros vincendos após a citação e as custas e demais despesas do processo.

    1. Alegou a A. que é arrendatária do 4.º Dt.º do prédio com o n.º 275 sito na Av. ... de que é proprietária EE - Sociedade Imobiliária, SA, em Lisboa que foi chamada a intervir nos autos sendo absolvida do pedido (sentença de 29-1-2014, fls. 756/786). A ré BB é proprietária do prédio contíguo n.º 279/281. CC demoliu este edifício e procedeu a escavações. A BB, enquanto empreiteira geral e dona da obra, transferiu para a DD responsabilidade civil emergente dos danos causados com a execução da obra. A BB procedeu em junho de 2010 através da CC à demolição do imóvel com a subsequente abertura de fundações sucedendo que a escavação feita no prédio da BB foi feita sem garantir a estabilidade do solo do alicerce do edifício habitado pela autora e, por isso, em 22 de novembro de 2010 a parede mestra do prédio 275 cedeu parcialmente, enterrando-se no solo e provocando a sua derrocada, ocorrendo no dia 24 de novembro de 2010 a derrocada do troço da fachada principal, sendo a seguir, por irrecuperável, o edifício totalmente demolido pela Câmara Municipal.

    2. A ré CC, na contestação, alegou que foi contratada para edificar o edifício a construir no local do demolido edifício propriedade da BB, não procedendo à sua demolição; a BB alegou que a demolição do prédio foi levada a cabo pela empresa FF, as operações de contenção da fachada foram realizadas pela empresa GG, SA procedeu às operações de contenção da fachada do prédio da BB e a CC procedeu à escavação e operações de contenção periférica, contribuindo para a derrocada do prédio arrendado à A. o seu deficiente estado de conservação, evidenciando o imóvel sinais evidentes de degradação acentuada.

    3. A ré DD alegou que celebrou com BB contrato de seguro do Ramo Todos os Riscos de Construção (fls. 302/355) sendo segurados o tomador do seguro, o dono da obra e todos os subempreiteiros, fornecedores, montadores, tarefeiros, fiscalização e qualquer outra entidade, ainda que não expressamente mencionados, desde que ligados à execução dos trabalhos para a empreitada objeto do seguro, que estejam a exercer a sua atividade no local do risco, na medida dos respetivos interesses. A empreitada era a construção do edifício destinado a habitação e comércio, constituído por duas caves e seis pisos acima da cota da soleira, compreendendo-se os trabalhos de demolição do edifício sendo o valor do seguro de 250.000€.

    4. A cobertura inclui o "pagamento das indemnizações legalmente exigíveis ao segurado, a título de responsabilidade civil extracontratual em consequência de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros por acidentes diretamente relacionados com a execução dos trabalhos objeto do seguro e ocorridos no local do risco ou nos locais imediatamente contíguos".

    5. Refere a DD que, nos termos da condição especial 23, n.º3 (exclusões), alínea d) estão excluídos da cobertura " os danos causados por ou em consequência de vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações, alterações ao nível freático e outros trabalhos que envolvam elementos de suporte ou subsolo, quando diretamente resultantes da execução destes trabalhos".

    6. Sustenta a DD que, no caso de os danos terem sido causados pelo enfraquecimento das fundações decorrentes dos trabalhos efetuados no prédio contíguo, então esses danos estão excluídos do âmbito da cobertura da apólice.

    7. Mais sustenta que, de acordo com o n.º 2 da condição especial 23, os danos "apenas ficam garantidos se, previamente ao início dos trabalhos seguros, as estruturas e/ou propriedades existentes estiverem em condições satisfatórias e/ou forem tomadas as medidas necessárias de segurança, devendo especificar-se as condições em que aquelas se encontravam ainda antes de se iniciarem os trabalhos".

    8. Ora, " a verdade é que previamente ao início dos trabalhos seguros, as estruturas e/ou propriedades existentes não estavam em condições satisfatórias nem, fazendo novamente fé na petição, foram tomadas as medidas necessárias de segurança, nem foram especificadas as condições em que aquelas se encontravam antes de se iniciarem os trabalhos" 10.

      Na réplica salientou a autora que o seguro celebrado ente BB e DD é um seguro obrigatório por lei, não sendo admitidas as exclusões estipuladas por força do disposto no artigo 8.º do Decreto Regulamentar n.º 11/92, de 16 de maio, na redação do Decreto Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro; ainda que assim não fosse, tais cláusulas devem considerar-se não escritas por força do regime das cláusulas contratuais gerais que decorre dos artigos 15.º, 17.º e 18.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 46/85, de 25 de outubro.

    9. A sentença de 29-1-2014 (fls. 756/786) considerou que o seguro de responsabilidade civil extracontratual do industrial de construção civil constitui seguro obrigatório nos termos do Decreto Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro, não sendo passíveis de exclusão a responsabilidade por danos decorrentes de vícios de construção que sejam imputáveis a erro ou negligência na execução da obra (artigo 12.º/2, alínea c) do Decreto-Regulamentar n.º 32/92, de 8 de novembro) e, no caso em apreço, a derrocada do prédio da autora resultou dos provados vícios de construção por parte do empreiteiro; acresce que constituem cláusulas absolutamente proibidas as cláusulas em causa porque limitam ou excluem a cobertura de responsabilidade civil fixada no seguro obrigatório do industrial de construção civil conforme resulta do disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.

    10. A sentença julgou a ação parcialmente procedente por provada condenando a) a ré seguradora DD a pagar à autora a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia de 49.000€ (quarenta e nove mil euros) e a liquidar em execução de sentença (até ao montante de 50.000€) o valor estimado dos bens móveis que compunham o recheio da sua habitação, com dedução da franquia de 10.000€, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento à taxa de 4%.

  3. Absolveu esta ré do demais peticionado e absolveu todos os réus de todos os pedidos.

    1. A quantia de 49.000 euros corresponde ao somatório de 15.000€ a título de danos morais com 34.000€ relativos à perda do arrendamento e danos futuros previsíveis para um período de 8 anos considerando a idade da autora de 82 anos por referência a uma perda mensal de 350€; a A. paga de renda atualmente por habitação menor em área e divisões 450€; renda similar à casa arrendada pela renda mensal de 141,32€ que perdeu com a derrocada é de 800€.

    2. A autora apelou da sentença considerando que as rés não seguradoras devem ser condenadas no pagamento da franquia de 10.000€ e ainda de todo e qualquer valor que vá para além do montante dos prejuízos cobertos pela apólice no montante de 250.000€.

    3. A DD apelou da sentença sustentando que o Decreto Regulamentar n.º 32/92, de 28 de novembro, se destinava a regulamentar as disposições do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, que previa a responsabilidade civil dos empreiteiros e a possibilidade de celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil, não sendo sequer de considerar que esse diploma regulamentar permitia considerar o seguro em causa de natureza obrigatória conforme resulta do respetivo artigo 6.º que previa casos em que a prova era dispensada; tal diploma está revogado com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, constituindo este um caso de revogação tácita dos regulamentos por manifesta incompatibilidade com os preceitos da lei nova, que eliminou a obrigação de seguro de responsabilidade civil, não fazendo sentido a vigência de "um regulamento destinado a regulamentar um seguro obrigatório que, por força da lei, deixou de o ser".

    4. Por outro lado, e no que respeita ao regime das cláusulas contratuais gerais constante do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, o que o legislador visa proibir é que os empreiteiros, nos contratos de empreitada que celebram, usem cláusulas que limitam a sua responsabilidade pelos danos sobre pessoas e coisas, mas não no sentido de proibir "a imposição de limites ou cláusulas de exclusão em contrato de seguro facultativo que os empreiteiros venham a celebrar com a suas seguradoras […] tal norma deve ser interpretada no sentido de estabelecer o princípio de que onde a responsabilidade civil do predisponente é ilimitada, deve continuar ilimitada na relação com a contraparte ou terceiros" 17.

      No tocante ao cálculo da indemnização a perda mensal deve referenciar-se ao valor da renda paga (450€), devendo, por isso, considerar-se a diferença entre 450€ e 141,32€, ou seja, 308,68€ o que levaria a um montante de 29.633,28€, relevando 3 anos de perda e não os considerados 8 anos, a impor uma...

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