Acórdão nº 119/14.0GBPRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 119/14.OGBPRG da Secção Criminal – ...., da Instância Central da Comarca de ..., foram julgados e condenados, quanto à parte penal, única em causa, os seguintes arguidos: 1.

AA (nascido em ....).

a) - Pela prática, em autoria material, de 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 2.º, nºs 2 e 4, 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), do DL nº 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-C, anexa ao DL 15/93, de 22.01 e ao art.º 9º, e correspondente mapa, da Portaria n.º 94/96, de 26/03, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; b) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão; c) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co- autoria de 1 crime de ocultação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão.

d) - Em cúmulo jurídico das três penas de prisão foi condenado na pena única de 18 anos de prisão; 2.

BB (nascido em ....): a) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão; b) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de ocultação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; c) - Em cúmulo jurídico das duas penas de prisão foi condenado na pena única de 17 anos e 6 meses de prisão.

  1. CC (nascido em ...): a) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão; b) - Pela prática, concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de ocultação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; c) - Em cúmulo jurídico das duas penas de prisão foi condenado na pena única de 17 anos e 6 meses de prisão.

Um outro arguido, DD, foi, entretanto, absolvido.

Desse acórdão recorreu o arguido AA para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 13.06.2016, negou provimento ao recurso e confirmou, na íntegra, a decisão recorrida.

De novo inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões, elas próprias delimitadoras do objecto do recurso (art.º 412.º, n.º 1, do CPP): “1 - O arguido/recorrente não aceita a tese do tribunal recorrido segundo a qual a morte de EE foi o resultado de uma combinação, ainda que tácita, no local dos acontecimentos e à medida que estes se vão desenrolando e isso não resulta da prova produzida.

2- Também não resultou que o arguido/recorrente tenha dado o seu acordo para a realização conjunta dos factos e existe a possibilidade de que com o inesperado e macabro dos acontecimentos este tenha entrado em pânico e não tenha actuado da maneira que seria espectável, mais, todo o acontecimento da morte propriamente dita acontece em dez minutos, o que teria de levar o Tribunal de que se recorre a ter duvidado.

3 - O facto de ter estado presente e de ter admitido a ocultação não é o suficiente para suportar a co-autoria do crime de homicídio qualificado, pois tal não significa, sem margem para dúvida, que no instante da morte o arguido/recorrente tivesse conjugado vontades e aderisse às atitudes que outros tomavam.

4 – Os restantes arguidos não têm motivo algum para proteger o arguido/recorrente e estes são lineares a dizer que o AA não participou no crime, se estes considerassem co-autores não teriam problemas em imputar-lhe tal responsabilidade, coisa que fizeram entre si.

5 - É contraditório que o Tribunal não ache que tenha existido conluio quanto ao planeamento do encontro tendente à morte, mas depois, sem suporte em actos físicos do arguido, considere que este quis este resultado, que o configurou e que assim tenha praticado o crime de homicídio qualificado em co-autoria, suportando então a sua intencionalidade em presunções, regras de experiência gerais e prova indirecta.

6 – O Arguido não pratica actos tendentes à morte da vítima, nem que fez algo para que isso acontecesse, dado o dolo ser um elemento interno de cada um e na ausência de actos, não se verifica.

7 - Para aferir do dolo o Tribunal baseia-se em comportamentos que o arguido/recorrente adopta antes, durante e depois, o que revela uma intenção, mas a maior parte deles (descritos no art.º 31.º) são os mesmos que justificam o encontro para “pregar o susto”.

8 - No caso do arguido/recorrente não é pacífico que a intenção tenha existido.

9 - Pressupondo que o desfecho não seria a morte de EE, permaneceria tudo o resto, as declarações, as ameaças, o conluio para a atrair àquele local e não fossem os actos praticados por BB e CC, EE não teria certamente morrido.

10 - A declaração do arguido/recorrente, “ter uma última conversa com ela”, não quer necessariamente dizer que é a última antes da sua morte, é a última porque depois desta tentativa passaria a querer ter mais do que uma conversa, não querendo tal declaração querer dizer que estaria a vislumbrar a morte como possível solução.

11 - No caso em apreço não [há] comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria, pois o arguido AA não tem intervenção directa na fase de execução do crime de homicídio qualificado, não se verifica qualquer divisão de papéis ou de tarefas, nem “trabalho de equipa”, o momento da morte de EE foi tão atabalhoado e inesperado que este não podia esperar o comportamento dos outros arguidos.

12 - É possível que o “mentor da situação”, que pretendia “pregar um susto”, tenha visto as coisas escaparem ao seu controle, na medida que nunca previu nem pretendeu este resultado e que simplesmente não conseguiu fazer nada para o alterar, porque nada daquilo foi por ele pretendido.

13 – De acordo com o Acórdão, o arguido/recorrido espoletou a situação, mas diferente é afirmar que o mesmo teve intencionalidade e participação, ainda que tácita, nem tinha consciência de colaboração, pelo que este não contribuiu para a realização do tipo.

14 - Aceitando a questão da imputação indirecta do dolo teria de, pelo menos, ter sido ponderada a cumplicidade baseada num auxílio moral à prática por outrem do facto doloso, pois o AA não detém o domínio do facto típico, que é um elemento essencial, em nosso entender, a uma situação de co- autoria.

15 - Ter conhecimento directo da situação apenas favorece a prática deste crime, na estrita medida que nada faz para o impedir, nunca tomando parte nele, mas o facto de não [o] impedir não pode implicar acordo de vontade com o que se estava a passar.

16 - Tal resultado não poderia ser imputado a todos os participantes da mesma forma, [a] morte de EE não deve ser atribuída ao arguido que é ora recorrente, pois este não participou para o resultado da sua morte, nem o perspectivou como possível.

17 – Assim, o arguido/recorrente só deve responder pelo que fez em concreto e não pela actuação dos outros dois arguidos.

18 - O elemento subjectivo da co-autoria não se mostra preenchido pelo que o Acórdão sempre teria de ter absolvido o arguido/recorrente do crime de homicídio qualificado.

19 - Não existiu uma correcta aplicação da lei, nem um correcto enquadramento jurídico-penal dos factos, no que concerne ao crime de homicídio qualificado.

20 - ERRO DE DIREITO - VIOLAÇÃO DOS ARTS. 22.° E 26.° DO CP, E DO ART. 9.°, N.°2, DO CÓDIGO CIVIL, E APLICAÇÃO ANALÓGICA VIOLANDO O PRINCÍPIO «NULLUM CRIMEN, NULLA POENA SINE LEGE STRICTA», QUE É UM COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, VIOLANDO ASSIM TAMBÉM OS ARTIGOS 29.°, N.° 1 E 3, DA CONSTITUIÇÃO E ART. 1.°, N.° 3, DO CÓDIGO PENAL.

21 - VIOLANDO ESTA CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO A QUO, PELO TRIBUNAL AQUI RECORRIDO, JURISPRUDÊNCIA FIXADA PELO STJ E POR AQUELE TRIBUNAL (RECORRIDO) INVOCADA, POR ERRÓNEA INTERPRETAÇÃO DA DOUTRINA ACOLHIDA NOS ACÓRDÃOS DO STJ.

22 - A nossa lei determina que é punido como co-autor quem tomar parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros, (art.º 26° CP) (E NÃO, INDIRECTA: A LEI REFERE DE FORMA EXPRESSA A NECESSIDADE DE HAVER UMA PARTICIPAÇÃO DIRECTA DE CADA CO-AUTOR NA EXECUÇÃO DO FACTO TÍPICO, E NÃO DO PLANO).

23 - Assim, para o agente ser punido como co-autor são necessários três requisitos cumulativos: O primeiro: uma decisão conjunta, na forma de um plano acordado previamente à acção, com vista à obtenção de um determinado resultado (o facto típico ilícito punível), o segundo: uma execução igualmente conjunta. Pese embora, no que se refere à execução nos casos de comparticipação, não seja indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado desejado, bastando que a actuação de cada agente, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado. Não sendo necessário que cada um dos comparticipantes cometa integralmente o facto punível, ou que execute todos os factos correspondentes ao ilícito, desde que seja incriminada a actuação global dos agentes. Mas tem, no entanto, que tomar parte directa na execução do crime. E, toma parte directa na execução do crime quando pratica um qualquer acto de execução, por si só, ou conjuntamente com outros(s) agente(s). Sendo actos de execução: - Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; - Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; - Ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.

24 - E o terceiro requisito transparece da Doutrina adoptada...

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