Acórdão nº 619/04.0TCSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA, BB, CC e DD intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra: EE, FF, Instituto de Segurança e Solidariedade Social (por sucessão do Centro Regional de Segurança Social) Estado Português, Lar de Idosos GG, pedindo que os réus fossem condenados solidariamente no pagamento de uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no valor de 1.000.000,00€, acrescidos de juros desde a data da citação até integral pagamento com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.

Alegaram, em suma, que na sequência de um incêndio deflagrado no dia 15.05.1999 faleceu HH, com 70 anos de idade, marido da primeira autora e pai dos restantes, o qual se encontrava internado e acamado no Lar GG, propriedade do réu EE, cuja gerência partilhava com o réu FF, seu filho. Este lar não se encontrava licenciado por não dispor das condições de funcionamento e de conservação necessárias, tendo o fogo tido origem numa sobrecarga eléctrica que provocou um curto-circuito na televisão que se encontrava na sala de estar do 1º andar.

Mais alegaram que as restantes entidades demandadas, sabendo da existência daquele lar naquelas condições, não impediram a continuação da sua actividade, apesar de o seu pedido de licenciamento ter já sido recusado por várias vezes.

Alegaram ainda que o falecido sofreu intensamente antes de falecer e que, apesar da sua idade, constituía o pilar de uma família sólida, que viveu e vive sentimentos da mais profunda angústia e saudade provocados pela sua ausência, tendo os autores caído numa depressão nervosa profunda com a sua perda.

Na sua contestação o réu Estado, representado pelo Ministério Público, excepcionou a incompetência material e territorial do Tribunal, impugnando, motivadamente, a facticidade alegada pelos autores.

Também o Instituto de Segurança e Solidariedade Social (ISSS) veio excepcionar a incompetência do Tribunal em razão da matéria e do território e, bem assim, impugnar toda a matéria alegada pelos autores.

Os réus EE e FF defenderam-se por excepção, invocando, igualmente, a incompetência do Tribunal em razão da matéria e do território. Excepcionaram ainda a falta de personalidade judiciária do réu Lar de Idosos GG, a prescrição do direito dos autores e a preclusão do direito de pedirem a indemnização. Defenderam-se também por impugnação motivada.

A excepção da incompetência relativa foi julgada procedente, tendo sido determinada a remessa dos autos ao Tribunal de Sintra.

A fls. 631 II, alegando ser filho de JJ, de 82 anos de idade, também falecida em consequência do incêndio que ocorreu no Lar GG, onde se encontrava instalada, veio requerer a sua intervenção principal espontânea do lado activo, o que foi admitido No seu articulado alegou facticidade coincidente com a articulada pelos autores e, bem assim, que a sua mãe esteve mais de uma hora em sofrimento intenso, tendo vindo a falecer em resultado da asfixia por intoxicação de monóxido de carbono a que se submeteu durante considerável lapso de tempo, causando-lhe profunda consternação e desgosto a perda da mãe e o sofrimento desta.

Para compensação de todos os prejuízos estimou como adequado, a título de indemnização, o pagamento de quantia não inferior a € 250.000.00.

O autor DD desistiu do pedido formulado contra FF e o Lar de Idosos GG. Também os autores BB, CC e AA desistiram do pedido quanto aos mesmos réus, desistências que foram homologadas.

O réu EE impugnou toda a matéria alegada pelo interveniente, remetendo para a contestação já apresentada.

O réu Estado Português excepcionou a prescrição do direito do interveniente e impugnou a facticidade alegada por este.

Por despacho de fls. 996 e seguintes foi julgado prescrito o direito do interveniente II, decisão revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual ordenou o aditamento à base instrutória dos factos articulados pelo mesmo.

Por despacho proferido a fls. 317, transitado em julgado, foi julgada improcedente a excepção dilatória da incompetência material e afirmada a competência dos tribunais comuns para conhecer da acção.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a condenar solidariamente os réus no pagamento da quantia de € 30.000,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até efectivo pagamento, a cada um dos autores e ao interveniente, a título de danos não patrimoniais.

Desta sentença apelaram os réus Estado Português e Instituto de Segurança e Solidariedade Social.

Apelaram subordinadamente o interveniente II e os autores AA e CC.

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, em 25 de Fevereiro de 2016, julgando totalmente improcedentes os recursos do Estado Português e do Instituto de Segurança e Solidariedade Social e parcialmente procedentes os recursos das autoras e do interveniente, fixando a indemnização devida às primeiras em € 65.000,00, para cada uma, e ao segundo em € 45.000,00, nesta parte alterando a decisão recorrida e mantendo-a no mais decidido.

Ainda inconformado recorreu de revista o réu Estado Português, formulando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva: «1 - Não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, pelo que, nenhum dever de indemnizar recai sobre o mesmo.

2 - Consequentemente, não havendo lugar à condenação do Estado no pagamento de qualquer quantia a título de indemnização por danos não patrimoniais, igualmente não haverá lugar à condenação em juros de mora.

3 - Nada se provou quanto aos danos sofridos pela vítima, pelo que nenhuma indemnização deve ser arbitrada a esse título.

4 - Não foi peticionada uma indemnização pelo dano morte, ou perda do direito á vida da vítima, pelo que, em obediência ao disposto no art.° 615.° nº. 1 e) do Código de Processo Civil não podia o acórdão arbitrar qualquer indemnização a esse título, sob pena de nulidade.

5 - Não devem ser arbitrada, a título de indemnização por danos não patrimoniais das Autoras e Interveniente, as quantias indicadas pelos mesmos ou quaisquer outras quantias, por não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, e, consequentemente, do dever de indemnizar.

6 - Encontrando-nos, assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto ilícito ou lícito, da função administrativa, as quantias arbitradas são manifestamente elevadas em face da jurisprudência praticada ao longo dos tempos pelo Supremo Tribunal de Justiça.

7 - Os valores de € 65.000,00 e de € 45.000,00, fixados no douto acórdão são excessivos, por não atenderem às circunstâncias concretas do caso, ao nível de vida da generalidade dos cidadãos do nosso país e aos valores habitualmente atribuídos por tradição pela jurisprudência portuguesa, quase pacificamente.

8 - O douto acórdão não valorou todas as circunstâncias que rodearam as mortes dos familiares das Autoras e do Interveniente e que resultam dadas como assentes no douto acórdão em apreço, na determinação da indemnização a aplicar-lhe.

9 - A valoração a atribuir ao bem jurídico a proteger com as normas em causa, ou seja a vida, deve ser atenuada perante todas as circunstâncias dadas como provadas, nomeadamente, o concurso dos familiares das vítimas para as respectivas mortes na medida em que nada fizeram para os retirar do lar em causa, embora aí tenham permanecido durante bastante tempo.

10 - As Autoras e o Interveniente, concorreram para as mortes os familiares, por falta de diligência, pelo que, as quantias indemnizatórias que lhes foram arbitradas são manifestamente desproporcionadas e desajustadas aos danos sofridos.

11 - A gravidade do dano deve ser aferida através de um padrão objectivo e realista, tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto, resultando dos art.°s 494.° e 496.° n.° 3, ambos do Código Civil os critérios legais a que se deve atender, no cálculo da indemnização por danos morais.

12 - O critério da equidade remete para uma operação intelectual complexa que deverá atender ao circunstancialismo do caso concreto, com referência aos factores contidos no art.° 494.° do Código Civil, os quais referenciam valorações éticas como a boa ponderação, o senso prático e a justa medida das coisas (veja-se a jurisprudência citada).

13 - Entende a jurisprudência que se deve ainda atender, para além do circunstancialismo do caso concreto, à situação social e económica e sensibilidade do lesado, ao sofrimento por ele suportado, â gravidade da lesão e demais circunstâncias do caso, obedecendo a critérios de equidade - (art.°s 494.° e 496.° n.° 3, ambos do Código Civil - veja-se jurisprudência citada).

14 - A jurisprudência tem entendido que a fixação equitativa da indemnização se deve entender no sentido de que, para além dos factores enunciados, se deverão ter em conta os valores habitualmente atribuídos pelos Tribunais noutros casos (cf. igualmente a jurisprudência citada).

15 - Resulta igualmente dos preceitos do Código Civil citados que, em caso de mera culpa, como poderá ser considerada a situação que se verifica no caso em apreço, o valor da indemnização a atribuir ao lesado pode ser fixada equitativamente e ser especialmente reduzida.

16 - Tratando-se de uma indemnização de natureza meramente compensatória, não pode resultar num enriquecimento despropositado do lesado, devendo corresponder ao dano sofrido.

17 - Por outro lado, a contribuição directa das Autoras e do Interveniente, pelas suas negligências em se inteirarem das más condições de alojamento dos seus familiares e em lhe porem cobro, contribuíram, também, por omissão, para que se reunissem e agravassem as condições que propiciaram a morte dos mesmos.

18 - Podemos, assim, concluir que não se verificou um dano de especial gravidade que deva ser indemnizado.

19 - Os valores fixados no douto acórdão são tanto mais desproporcionados quanto se pode concluir que, qualquer filho que nutrisse um mínimo de afeição e preocupação pela mãe ou pelo pai, o mínimo que faria...

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