Acórdão nº 20054/10.0T2SNT.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução14 de Dezembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. 20054/10.0T2SNT.L2.S1 R-574[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Público instaurou, em 16.9.2010, na Comarca da Grande ... – … – Juízo de Média Instância Cível – 2ª Secção, Acção Inibitória, nos termos do artigo 26°, n° 1, alínea c) do Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 220/95, de 31 de Agosto, contra: AA Lda., Pedindo a condenação da Ré a abster-se de se prevalecer e de utilizar as cláusulas contratuais gerais abaixo referidas em todos os contratos que de futuro venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se na sentença o âmbito da proibição nos termos do disposto no art. 30º, nº1, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro.

Pede ainda a condenação da Ré a dar publicidade e a comprovar nos autos aquela, em prazo a determinar na sentença respectiva, sugerindo que tal seja efectuado em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em … e …, durante dois dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ de página e que se dê cumprimento ao disposto no art. 34º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria nº 1093/95, de 6 de Setembro.

Alegou, em síntese, ser a Ré uma sociedade por quotas que tem por objecto social a conservação, manutenção, reparação, montagem, comércio e a importação de ascensores, escadas rolantes e quaisquer outros aparelhos de elevação e transporte, sendo ainda empreiteiro e fornecedor de obras públicas e industrial de construção civil.

No âmbito dessas actividades, a Ré tem vindo a celebrar vários contratos com diversos cidadãos, utilizando para o efeito, um contrato designado por “Contrato AA”.

As cláusulas de tal contrato foram previamente elaboradas, não existindo possibilidade de negociação das mesmas para as contrapartes.

Estes contratos-tipo, destinam-se a ser utilizados no futuro para contratação com qualquer pessoa interessada na celebração dos mesmos.

Várias das cláusulas contidas nesse contrato (5.52, 5.7.4., 5.6, 5.7.3. e 5.9) são de uso proibido, devendo ser afastadas do mesmo.

A cláusula 5.5.2. consagra o direito da AA rescindir o contrato quando haja incumprimento do cliente, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.

Já a cláusula 5.7.4 estipula que em caso de denúncia antecipada do contrato pelo cliente, a AA tem direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.

No entendimento do Autor as duas cláusulas estabelecem indemnizações manifestamente desproporcionadas face aos danos a ressarcir, sendo discrepantes com o princípio da boa fé e infringindo a confiança dos contratantes no sentido global das cláusulas contratuais gerais, nos termos do disposto nos arts.15º, 16º, al. a) e 19º, al. c), todos do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 220/95, de 31 de Agosto.

Por sua vez, a cláusula 5.6 estipula que numa situação de eventual incumprimento imputável à AA é expressamente aceite que esta apenas responderá até à concorrência do valor de 3 meses de facturação do contrato, sendo esse o máximo da indemnização a pagar ao cliente.

Tal cláusula é absolutamente proibida por violar o preceituado no art. 18º, al. b) do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção acima mencionada.

O prazo de denúncia constante da cláusula 5.7.3. (mínimo de 90 dias) é igualmente posto em crise na petição inicial, sendo reputado de excessivo, violando ainda o art. 22º, nº1. al. h) do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, uma vez que impõe a renovação do contrato através do silêncio, fixando uma data limite para a manifestação de vontade contrária excessivamente distante do termo do contrato.

Por último, também a cláusula 5.9 é entendida pelo Autor como sendo uma cláusula proibida, por contender com o disposto no art. 19º al. g) do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, ao estipular como foro competente as comarcas de … ou de ….

A atribuição de competência exclusiva a essas duas comarcas é susceptível de envolver graves inconvenientes para os aderentes domiciliados fora da área da … nos casos em que estes pretendam agir contra a Ré, impondo-lhes a necessidade de se deslocarem a estas cidades, com as despesas e inconvenientes daí decorrentes.

A Ré contestou, pugnando pela total improcedência da acção contra si proposta.

*** Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção inibitória parcialmente procedente, e, em consequência:

  1. Condenou a Ré a abster-se de se prevalecer e utilizar as cláusulas contratuais gerais com os números 5.52, 5.7.4., 5.6 e 5.9 do Contrato AA, nos contratos que de futuro venha a celebrar com os seus clientes.

  2. Condenou a Ré a dar publicidade a esta sentença no prazo de quinze dias após o seu trânsito em julgado, mediante publicação de anúncio em dois jornais diários de maior tiragem editado em … e no …, em dois dias consecutivos, de tamanho correspondente a metade da página.

  3. No demais absolveu a Ré do pedido.

    *** Inconformada, a Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de … que por Acórdão de 10.9.2015 – fls. 746 a 771 – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

    *** Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitido, e alegando, formulou as seguintes conclusões:

    1. Do enquadramento/fundamentos e admissibilidade do presente recurso de revista excepcional: 128.1. O douto Acórdão recorrido veio confirmar a decisão proferida na primeira instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que havendo “dupla conforme”, em princípio, seria irrecorrível, à luz do nº3 do art. 671º do Código de Processo Civil; 128.2. Como em causa está uma questão cuja apreciação pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor apreciação do Direito (al. a) do nº1 do art. 672º do Código de Processo Civil), e como em causa estão interesses de particular relevância social (al. b) do nº1 do art. 672º do Código de Processo Civil), cumpre a AA o nº2 da mesma disposição, permitindo a V. Exas. o ulterior cumprimento do nº3 (e, eventualmente, do nº2 5) da mesma disposição, como segue.

    128.3. Em conformidade, aceitando-se que a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e de que está em causa uma questão de particular relevância social, deve o presente Recurso de Revista Excepcional ser admitido, com as legais consequências; e, à cautela, se dúvidas houvessem, deverá sê-lo sempre nos termos gerais, tal como previsto pelo legislador do Processo Civil, cremos, que exactamente para situações deste tipo.

    B) DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO 128.4. Cremos, convictamente, que desta feita será, finalmente, feita Justiça, sobretudo, tendo presente a responsabilidade e os reflexos da decisão a proferir por V. Exas., na esfera da AA e no mercado dos elevadores em geral a nível nacional; 128.5. Os Julgadores de recurso, trabalharam com a (má) matéria-prima que a 1ª instância lhes deixou, e foram pelo caminho mais fácil: aceitaram o contrato como de adesão sem mais; fizeram uma incursão pelo RJCCG de mero enquadramento; e, em algumas linhas, trataram das cláusulas em questão, julgando-as nulas, sem mais; 128.6. O certo é que, a jusante e a montante da questão de fundo, há inúmeros aspectos que têm de ser considerados, e que impedem essa visão redutora, simplista e castrante para todos, e daí a efectiva e inegável responsabilidade agora acometida a V. Exas. e a que atrás aludimos.

    128.7. Se o processo negocial na celebração de cada contrato é o referido no Facto Assente nº19, então o Facto Assente nº4 tem de ser lido da seguinte forma: as cláusulas incluídas nos impressos que titulam os contratos utilizados pela Ré (leia-se a AA) foram por esta elaborados, apresentados, explicados e discutidos, sendo potencialmente alteráveis/revogáveis pelo interessado na celebração dos contratos; 128.8. Esta incongruência, os Julgadores da Relação remeteram para as Contra-Alegações do MP, considerando-a mais aparente do que real, aceitando-se que não existe descaracterização do contrato de adesão se uma cláusula ou uma pequena parte delas for modificada por acordo. Ora aqui está o busílis da questão; 128.9. Como se demonstrou à saciedade, todos e cada um dos clientes da AA, não só não se limitam a aceitar o clausulado de base proposto sem mais (nº1 do art. 1º), como o podem influenciar (nº2 do art. 12) afastando o RJCCG, como aplicável “in casu”, com as legais consequências; 128.10. O Legislador do RJCCG, no preâmbulo do Diploma, explica bem da inevitabilidade de haverem contratos pré-impressos na era massificada em que vivemos, pois, desde logo, não há tempo para redigir, à frente do cliente, linha a linha, um contrato deste tipo e isso até seria arcaico e desprestigiante para o proponente; ao invés, todos — mas todos - os operadores têm minutas de base com as quais trabalham, e na fase da negociação o cliente não só não se limita a aceitá-lo como pode influenciá-lo (e estes Autos têm juntos “N” exemplos disso mesmo — de fls. 101 a 156, 222 a 283 e 326 a 360); 128.11. Em todo o caso, poder-se-ia sempre referir que o Contrato dos Autos cai na provisão do art. 2º do RJCCG, onde o legislador, à cautela e na dúvida, faz incluir tudo o que tenha “Cláusulas Contratuais Gerais”; 128.12. O basilar “Princípio da Liberdade Contratual” (arts. 405º e ss do Código Civil), que informa indelevelmente o nosso Direito das Obrigações, embora vigore sempre, em 1985 teve de ver esclarecidas as suas restrições, face à nossa abertura, pós revolução, a inúmeros novos produtos, técnicas de venda e mesmo figurinos contratuais que inundaram todos os mercados; 128.13. O tempo passou, estamos 30 anos à frente daquele diploma, e tudo mudou: o analfabetismo diminuiu drasticamente; a...

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