Acórdão nº 37/13.0TBMTR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Dezembro de 2016
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 14 de Dezembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA instaurou acção declarativa, com processo comum, contra BB - Companhia de Seguros, S.A..
, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 79.132,87, assim discriminada: a) Dano decorrente da incapacidade permanente geral (dano biológico), que se situa em 11 pontos, conforme consta dos documentos nºs 3 e 4: € 37.500,00; b) Quantum doloris previsível, na ordem de 5/7, e dano estético, na ordem previsível de 4/7, atento o número de intervenções que teve de suportar, o tempo que demorou a sua cura, as deformidades e cicatrizes com as consequências descritas: € 25.000,00; c) Dano moral complementar resultante da incapacidade permanente que exige esforços acrescidos no desempenho da actividade habitual, bem como para a prática da sua profissão habitual: € 15.000,00; d) Dano moral complementar por cada dia de internamento hospitalar (31 dias + 17 dias): € 954,18 + € 523,26; e) Despesas emergentes com consultas médicas, medicamentos e taxas moderadoras: € 155,43.
Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal.
Alegou, para tanto e em síntese, que sofreu danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, em consequência de um acidente de viação em que interveio o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ...-DU-..., propriedade de CC e por ele conduzido, assim como o veículo de mercadorias, com a matrícula ...-...-QF, propriedade de DD - Cooperativa Agrícola de ..., conduzido pelo A. Imputa o sinistro a culpa exclusiva do condutor do ...-DU-..., segurado na R., que por isso é demandada.
A R. contestou, admitindo a ocorrência do acidente e a sua imputação ao condutor do veículo segurado, mas impugnando a extensão dos danos sofridos e a sua quantificação. Alegando que o seu segurado, condutor do veículo, conduzia sob efeito do álcool, requereu a intervenção principal acessória do mesmo, CC.
Admitindo o sinistro, o chamado apresentou articulado em que impugnou a dinâmica do acidente, tal como foi descrita pelo A. Alegando que o acidente em causa foi também um acidente de trabalho, requereu a intervenção da entidade empregadora do A. Tal incidente não foi admitido.
O A. respondeu às contestações apresentadas, concluindo como na petição inicial e requerendo a condenação do interveniente como litigante de má-fé.
A fls. 597 foi proferida sentença em que se decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, condenando-se a R. (actual EE - Companhia de Seguros, S. A..
) a pagar ao A. a quantia global de €35.155,43, sendo € 155,43 a título de indemnização por danos patrimoniais e € 35.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais. Quantia global aquela acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento. Absolveu-se a R. da parte restante do pedido formulado pelo A.
Inconformados, A. e R. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Na apelação do A. formularam-se as seguintes pretensões: fixação de indemnização por incapacidade geral permanente (dano biológico) conforme peticionado; aumento do valor da indemnização por danos não patrimoniais.
Na apelação da R. pretendeu-se a redução da indemnização por danos não patrimoniais para o valor de € 25.000.
Por acórdão de fls. 654, foi decidido conceder indemnização por incapacidade geral permanente (dano biológico) no montante de € 22.000 e manter a indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 35.000. A final, julgou-se: “Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação do autor e improcedente a apelação da ré, alterando-se a sentença recorrida no tocante ao montante da indemnização que a ré vai condenada a pagar ao autor, para a quantia de € 57.155,43, mantendo-se o mais aí decidido quanto a juros e custas.” 2.
Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1. A recorrente não se conforma com o teor do douto Acórdão proferido nestes autos, que a condenou a pagar ao recorrido AA a quantia de 22.000,00€, a título de compensação pelos seus danos de natureza patrimonial futuros emergentes do acidente de viação ocorrido no dia 28 de Fevereiro de 2010.
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Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a recorrente que a indemnização ora concedida ao recorrido não reveste a natureza ressarcitória de um dano patrimonial futuro, mas antes de um dano não patrimonial, razão pela qual, tendo o autor sido contemplado com o arbitramento de uma indemnização desta natureza em 1ª instância, confirmada pelo Acórdão recorrido, parece à recorrente não ser devida a indemnização agora concedida ao recorrido.
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A não ser assim, e por mera cautela, caso assim não se entenda e se venha a confirmar - nesta sede - que o dano ora em apreço tem natureza "patrimonial", crê a recorrente o ressarcimento deste dano se mostra manifestamente excessivo mediante o arbitramento da quantia de 22.0000,00€, devendo tal montante ser reduzido para um valor mais adequado aos danos efectivamente sofridos pelo recorrido.
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O dano biológico do autor, emergente do sinistro dos autos, consubstanciou um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica avaliado em 11 pontos, que exige esforços acrescidos, entre outros, para o exercício da sua profissão habitual.
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Não resultou provado nos autos, que o ajuizado acidente originou a incapacidade de o autor prosseguir com o exercício da sua actividade profissional, e/ou bem assim, a uma diminuição dos rendimentos que da mesma o recorrido retirava.
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O indicado dano tem natureza eminentemente não patrimonial, o que na situação em apreço não é de todo despiciendo, atento o facto de, por um lado, não ter resultado provado nos presentes autos que o autor tivesse sofrido qualquer prejuízo de natureza patrimonial decorrente da incapacidade de que ficou a padecer, como por outro, lhe ter sido reconhecido o direito a uma indemnização pelos danos de natureza não patrimoniais sofridos, no valor global de 35.000,00€, categoria em que o indicado dano se insere.
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A recorrente entende, salvo o devido respeito, que o dano biológico - como dano corporal que é - atinge direitos de conteúdo imaterial, tais como o direito à vida, à saúde, à integridade física ou à beleza, e por conseguinte, corresponde à ofensa de bens que não se integram no património do lesado e deve ser compensado de acordo com o disposto no artigo 496º do Código Civil.
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Por conseguinte, o dano biológico sofrido pelo recorrido, gerador de uma incapacidade permanente de 11 pontos, enquanto lesão dos seus direitos à saúde e à integridade física não pode determinar uma indemnização a título de dano patrimonial, por não interferir com a sua capacidade de aquisitiva.
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Ora, no que tange a indemnização por danos não patrimoniais, prevê a Lei que a mesma seja fixada com recurso a critérios de equidade, atenta a impossibilidade de reposição da situação anterior ao sinistro ou da atribuição de um bem equivalente, que substitua o bem lesado.
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A indemnização deste dano deve ter em conta o grau de culpa do responsável, a sua situação económica, bem como a do lesado, a gravidade dos danos e quaisquer outras circunstâncias que devam ser ponderadas - artigo 494º do Código Civil, entre as quais está a existência da Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-lei nº 352/2007 de 23 de Outubro, e bem assim da legislação que lhe está associada.
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É sabido que a existência da indicada Tabela, e legislação conexa, foi destinada pela Lei a ser utilizada sobretudo por seguradoras, como a aqui recorrente, no âmbito da gestão extrajudicial de processos de sinistro, e por conseguinte, não vincula os Tribunais na fixação de indemnizações, os quais continuam apenas vinculados à Lei.
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Estes instrumentos legais não deixam de ter todo o interesse para a determinação da medida da indemnização por danos não patrimoniais, também nesta sede, atentas as dificuldades que uma tal actividade encerra, potenciando elas mesmas a uniformização de decisões, sem colocar em causa as especificidades de cada caso em concreto.
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No que respeita a fixação da indemnização devida pelo dano biológico, quando ocorre a afectação da pessoa do ponto de vista funcional, sem traduzir perda de rendimento de trabalho, a Portaria 377/2008 dispõe que a mesma deve ter em consideração o número de pontos resultante da utilização da Tabela Nacional de Avaliação de Dano Corporal à situação do lesado e a sua idade.
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A compensação a atribuir pelo dano biológico, quando este não interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional e com o rendimento que dela retira.
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Está em causa a afectação do direito à saúde, o qual é - tal como o direito à vida -igual para todo e qualquer ser humano.
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Fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional, quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, a nosso ver, gerar situações injustas.
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De acordo com o estabelecido pela Portaria 377/2008 de 26 de Maio e atendendo ao valor actual da remuneração mínima garantida (530,00€), à idade do lesado à data do sinistro (44 anos) e o grau de desvalorização que dele resultou (11 pontos) chegamos ao valor [um] compensatório, a título de dano biológico, de € 15.392,35.
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Ora, Tribunal de 1ª Instância arbitrou ao lesado uma indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu no valor d francamente superior à indemnização concedida ao autor a título de dano biológico (€ 22.000,00) e àquela que o legislador previu como boa para o indemnizar do referido dano (€ 15.392,35).
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Atento o facto de o autor não ter sofrido qualquer perda no seu património devido à incapacidade permanente de 11 pontos emergente do acidente dos autos e de ter visto reconhecido o direito ao ressarcimento dos seus danos não patrimoniais, mediante a atribuição do montante de global de €...
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