Acórdão nº 986/12.2TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução13 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, solteiro, maior, residente no Edifício ........... Rua de ....., n.º ..., ....., Linda-a-Velha, intentou acção declarativa com processo comum contra BB viúva, residente na Av. ..... n.º ...., Estoril, pedindo que a R. seja condenada a reconhecê-lo como herdeiro único de CC e a restituir à herança aberta por morte de CC a quantia de 28.090,00 euros, e a quantia de 37.500,00 euros, bem como os demais valores que se vierem a apurar pertencerem à herança.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo ser o herdeiro único da herança aberta por falecimento de seu tio CC, o qual possuía, à data do óbito, diversas contas bancárias e aplicações financeiras das quais a R. se veio a apropriar, e a fazer suas indevidamente, no montante de 65.590,00 euros.

A R. contestou, impugnando a versão dos factos descritos pelo A., alegando, também em síntese, ser amiga de longa data do falecido CC, e trabalhar para este, competindo-lhe administrar e gerir a quinta onde ele residia, nomeadamente estando incumbida de efectuar os pagamentos ao pessoal, as despesas correntes com água, luz, gás, etc, sendo que no âmbito da relação descrita que mantinha com o falecido, este incumbiu-a de, após a sua morte, entregar a cada uma das 2 empregadas, DD e EE, que o serviram mais de 30 anos, e residiam na própria quinta, a quantia de 25.000,00 euros a cada, a titulo de liberalidade e compensação pelos anos de serviço e dedicação. Foi no cumprimento do determinado pelo falecido, e com poderes de autorização para movimentar a conta, que efectuou uma transferência de 28.090,00 euros da conta da CGD pertença de CC, para uma conta de DD, no dia do falecimento. Por seu turno, as contas a prazo existentes no Millenium BCP, com o saldo total de 75.000,00 euros eram pertença, em conjunto, do falecido e dela, R., e à data do óbito já não existiam, por a R. ter transferido a totalidade dos saldos para uma outra conta apenas titulada por si, do mesmo banco, cancelando essas contas a 8-6-2010, pelo que, devendo atender-se para fixação do património da herança à data da sua abertura que coincide com a do óbito.

Deve, assim, concluir-se que nada deve a R. restituir à herança, relativamente aos saldos bancários dessas três contas.

Em reconvenção, alega que suportou do seu bolso o pagamento do ordenado e da referida quantia de 25.000,00 euros a favor de EE, bem como o pagamento das despesas de funeral no valor de 18.108,41 euros, o que constitui encargos da herança de que deve ser ressarcida.

Conclui pela sua absolvição dos pedidos, e pela procedência da reconvenção, condenando-se o A. a restituir-lhe o que despendeu a título de encargos da herança, no valor global de 46.108,41 euros, acrescido de juros moratórios calculados à taxa legal, desde a data de notificação e até integral pagamento.

Replicou o A., respondendo à matéria de excepção e opondo-se à reconvenção, concluindo pela improcedência das excepções e da reconvenção.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenou-se a R. BB a: “1º- Reconhecer o A. AA como herdeiro único de CC; 2º- Bem como a restituir à herança aberta por morte de CC a quantia de 37.500,00 euros (trinta e sete mil e quinhentos euros)”.

Mais se julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pela R., e em consequência, deduzindo-se o montante de 37.500,00 euros referido em 2º, condenou-se o A., na qualidade de único e universal herdeiro da herança aberta por óbito de CC, a pagar à R. o valor de 8.608,41 euros (oito mil seiscentos e oito euros e quarenta e um cêntimos) acrescido de juros moratórios calculados à taxa legal para operações civis, vencidos desde a data da citação e até integral pagamento.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o A. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 9-12-2015, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o art. 672º nº 3 do C.P.Civil, como revista excepcional.

O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: “(a) Vem o Autor, aqui Recorrente, interpor Recurso de Revista do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 9 de Dezembro de 2015, que confirmou a Sentença da Primeira Instância de 27 de Abril de 2015.

(b) Contesta o Recorrente a decisão do tribunal a quo, que manteve a condenação do Tribunal de Primeira Instância que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional da Recorrida, reconhecendo-a como credora do montante de EUR 46.108,41 a título de encargos da herança, a compensar com o montante de EUR 37.500,00 que a Recorrida foi condenada a devolver à herança, condenando o Recorrente a pagar à Recorrida a diferença - EUR 8.608,41.

(c) Inconforma-se o Recorrente com o acórdão recorrido, na medida em que enquadra incorretamente a relação jurídica do de cujus CC e da Ré, ora Recorrida, num contrato de mandato sem representação, que terá legitimado os atos da Recorrida.

(d) Considera o ora Recorrente que as alegadas declarações do falecido CC, no sentido de serem entregues às suas empregadas EE e DD as quantias de EUR 25.000,00 após a sua morte, não poderão considerar-se juridicamente relevantes, dado que tal intenção não foi plasmada em qualquer documento solene que pudesse confirmar com exatidão qual a vontade do de cujus e que permitisse a respetiva execução pela Recorrida, após o óbito daquele.

(e) Uma vez que o acórdão recorrido deu por provados os factos constantes dos artigos 18.°, 19.°, 24.° e 25.° da matéria de facto provada, o Recorrente apresenta as suas alegações de recurso pressupondo tais factos, embora não possa deixar de expressar a sua discordância com o facto de Tribunal a quo ter dado por provada a vontade do de cujus com base em prova testemunhal (incluindo os terceiros interessados).

(f) A decisão recorrida contém inúmeros erros na aplicação do direito aos factos dados como provados pelo Tribunal de Primeira Instância.

(g) Neste sentido, e salvo devido respeito, a decisão recorrida viola normas imperativas de Direito das Sucessões, nomeadamente as relativas aos requisitos de forma das disposições testamentárias (artigo 2204.° do CC) e das doações por morte (artigo 2204.° do CC ex.vi. 946.°, nº 2 do CC), procedendo ainda ao errado enquadramento jurídico da alegada relação de representação entre a Ré e o de cujus, legitimando indevidamente os atos da Ré.

(h) As quantias transferidas a favor de de DD e a EE em cumprimento das alegadas instruções do de cujus devem ser enquadradas juridicamente âmbito do Direito das Sucessões, estando sujeitas às regras da sucessão voluntária.

(i) Para saber quais as vocações que justificariam o chamamento das referidas empregadas à herança, há que qualificar os atos praticados pela Recorrida - o que não fez o Tribunal a quo.

(j) De acordo com a matéria de facto, as transferências a favor de DD e EE operadas pela Recorrida enquadram-se no conceito de doação, não se podendo afastar esta qualificação pelo simples facto de inexistir um contrato (escrito) outorgado por doador e donatário - já que tal apenas pode determinar a invalidade do contrato por vício de forma (cfr. artigo 947°, nº 2 in fine do Código Civil).

(k) Qualificando-se os atos da Recorrida como doações, estas deveriam subsumir-se ao regime da doação por morte, já que se destinam a produzir efeitos após a morte do doador.

(I) Da mesma forma, não pode dizer-se que uma liberalidade não é uma doação mortis causa por inobservância das formalidades necessárias para a sua validade (as prescritas para o testamento, por conversão legal em disposições testamentárias artigo 946°, nº 2 do CC).

(m) No entanto, da matéria de facto não resulta evidente que tenha havido aceitação da doação, pelo que pode questionar-se a existência da bilateralidade que define o contrato de doação.

(n) Face aos factos assentes pelas instâncias anteriores, a vontade alegadamente expressa pelo de cujus parece melhor enquadrar-se no regime jurídico do testamento - um ato negocial necessariamente unilateral e revogável.

(o) Estas alegadas manifestações de vontade do de cujus relativamente à distribuição dos seus bens após a morte seriam assim verdadeiras deixas testamentárias, que consistiriam num novo testamento, implicando a revogação do testamento anteriormente celebrado ou, no mínimo, a sua alteração, (p) Não obstante, tais disposições testamentárias não poderiam produzir efeitos, já que não respeitaram a forma legalmente prescrita para expressão da última vontade - o testamento público (cfr. Artigo 2205,° do Código Civil) ou o testamento cerrado (cfr. Artigo 2206.° do Código Civil).

(q) Note-se que, por regra, as manifestações de vontade do de cujus quanto à disposição dos bens post mortem fora do testamento, ou são consideradas nulas (artigo 2028.° do CC), ou, se cumprirem as formalidades, são reconvertidas em deixas testamentárias, permitindo que o de cujus as revogue a todo o tempo (e.g., 946.°, nº 2 do CC).

(r) O Tribunal a quo, ao afirmar a validade aos atas praticados pela Recorrida em cumprimento da vontade do de cujus, reconheceu, de forma contraria à Lei, a validade de disposições testamentárias alegadamente celebradas oralmente pelo de cujus, que são nulas, em virtude da violação da forma legalmente prescrita.

(s) Por outro lado, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a alegada existência de um contrato de mandato sem representação entre a Recorrida e o de cujus, que legitimava a primeira para a prática dos atos em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT