Acórdão nº 610/15.1PCLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | HELENA MONIZ |
Data da Resolução | 08 de Setembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.
Nestes autos, foi condenado por acórdão, de 05 de abril de 2016, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Instância Central — 1.ª secção criminal — juiz 20), entre outros, o arguido AA pela prática, em concurso efetivo, - de uma tentativa de um crime de homicídio, previsto e punido nos termos dos art. 22.º, 23.º, 73.º e 131.º, todos do Código Penal (doravante CP), na pena de prisão de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, e - de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos do art. 86.º, n.º 1, al. d), e art. 2.º, n.º 1, al. m), ambos da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de prisão de 9 (nove) meses, e - em cúmulo, na pena única de prisão de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses.
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O arguido, inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando as seguintes conclusões: «1.
O Arguido e ora Recorrente foi condenado como autor material de um crime de homicídio sob a forma tentada p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º todos do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão e autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos dos artigos 2º / 1 / m) e 86º / 1 / d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 9 meses de prisão; 2.
E em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos a 9 meses de prisão, 3.
O presente recurso visa apenas e tão só a medida da pena aplicada ao Arguido, uma vez que nos parece elevada, visto que, com todo o respeito e que muito é, que por parte do Tribunal a quo houve um excesso de zelo no momento da aplicação da pena ao ora Recorrente.
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O Arguido e ora Recorrente não se conforma com a condenação sofrida, nem com os moldes em que a mesma se sustenta, daí apresentar o presente recurso ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
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No entanto, entendemos, sempre salvo o devido respeito que o Tribunal a quo não respeitou nem deu cumprimento ao artigo 71º do Código Penal.
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Isto porque, e sempre salvo o devido respeito, o Tribunal a quo no momento da aplicação da pena de multa ao arguido e ora recorrente, não se socorreu ou sopesou de critérios de razoabilidade.
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Para quem não tem antecedentes criminais, como é o caso do Arguido e ora Recorrente, a pena a aplicar, não se situando nos mínimos legais, deveria ter sido fixada pouco acima destes mínimos, até um pouco abaixo da metade do limite máximo aplicável.
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Contudo, entendemos que a pena aplicada ao Arguido é uma condenação demasiadamente elevada, condenando o Recorrente muito para além da sua culpa.
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A pena a aplicar ao Arguido e ora Recorrente, em cúmulo jurídico, nunca deveria ter ultrapassado entre os 4 anos e os 4 anos e 10 meses de prisão, suspensos na sua execução.
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Sendo esta uma pena, sujeita a forte regime de prova, mais facilmente encaminharia este jovem nos “carris da Lei e do Direito”, no sentido de “arrepiar caminho” para a sua ressocialização.
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É nosso entendimento que o Arguido e ora Recorrente merece que lhe seja dada uma oportunidade por parte de V. Exas., Venerandos Desembargados, sendo que o futuro nos dirá que mereceu essa oportunidade.
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Salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal a quo não se socorreu de critérios de razoabilidade e bom senso no momento da condenação aplicada.
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Pelo que o Acórdão nos moldes em que foi proferido não poderá nem deverá subsistir, devendo ser substituído por outro que atente aos fundamentos ora expostos.
Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogado o Acórdão que condena o Arguido e ora Recorrente, em cúmulo jurídico, numa pena 5 anos e 9 meses de prisão, visto que é uma pena demasiado elevada, a qual condena o arguido muito além da sua culpa, substituindo-a por uma outra aplicando ao arguido uma pena menos severa, entre os 4 anos e os 4 anos e 10 meses de prisão, suspensos na sua execução e com um forte regime de prova, acautelando-se deste modo todas as finalidades de prevenção geral e especial, e em particular a ressocialização do Recorrente.
» 3.
O recurso foi admitido por despacho de 11.05.2016 (cf. fls. 907), e remetido, por despacho de 17.06.2016 (cf. fls. 917), diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (doravante CPP).
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O Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Lisboa (Lisboa — Procuradoria Instância Central — 1.ª secção criminal) respondeu, tendo concluído que “1. A sanção foi aplicada na medida certa pelo Tribunal que enunciou, com profundidade bastante, as razões que o levaram a tal decisão. Teve em linha de conta os factores a considerar para a determinação da medida concreta da pena de prisão, que decorrem dos arts. 40.º, 70.º e 71.º, todos do C.Penal, doseando a pena no “quantum” adequado.
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Pelo que deverá considerar-se o recurso interposto pelo arguido improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.
” (cf. fls. 914 e ss).
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Uma vez subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, no uso da faculdade concedida pelo art. 416.º, n.º 1, do CPP, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça apresentou parecer concluindo pelo “provimento quanto à alteração da pena de prisão por autoria do crime de homicídio tentado e da pena única, que também poderá ser suspensa na sua execução” (cf. fls. 932); considera que a partir da matéria de facto provada não deverá estabelecer-se um “juízo de prognose desfavorável ao AA” (cf. fls. 928), pelo que “se poderá visualizar uma vantagem ainda que eventualmente “ténue” ao prognóstico do seu comportamento futuro, pelo que será possível a aplicação do regime especial e eventual atenuação especial da pena ao arguido AA por se verificarem alguns pressupostos, face aos factos provados” (cf. fls. 929), considerando o comportamento do arguido como “ocasional” (idem), entendendo que “as penas parcelar e única aplicada poderá ser alteradas ou por ser considerada a atenuação especial quando o arguido tinha apenas 18 anos, bom comportamento até então ou se tal não for entendido, a medida da pena de homicídio tentado quanto ao número de anos ficar pelos 4 anos e 6 meses e a pena única resultante do concurso poderá ser fixada próxima dos 5 anos de prisão suspensa na sua execução mas subordina[da] a condições e regime de prova” (cf. fls. 931).
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Foi este parecer notificado ao arguido que, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, respondeu (cf. fls. 935 e ss), reafirmando as motivações do recurso apresentadas e mostrando a sua total concordância com o parecer apresentado.
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Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.
II Fundamentação A. Matéria de facto 1.
Matéria de facto assente nas instâncias (não se transcreve a matéria de facto exclusivamente referente aos outros arguidos não recorrentes, como a relativa à sua condição pessoal): «1. Os arguidos AA, BB, CC e DD, vivem no Bairro da …, no Seixal, local onde EE também viveu, até há cerca de três ou quatro anos atrás.
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Por este motivo, aquele conhecia os arguidos, tendo inclusivamente sido colega de escola do arguido AA.
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No dia 20 de Junho de 2015, os arguidos AA, BB, CC e DD, decidiram ir à praia de Carcavelos, tendo para esse efeito apanhado o barco no Seixal, localidade onde residiam, em direcção a Lisboa.
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Cerca das 13h20m, chegaram à estação fluvial do Cais do Sodré, tendo encontrado FF, que era amigo dos arguidos, e que vivia no mesmo bairro daqueles.
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O FF disse então aos arguidos que havia acabado de acontecer uma altercação entre ele e um grupo de indivíduos do qual fazia parte EE.
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De imediato os arguidos decidiram entre todos "retaliar" contra EE, que viram sentado num banco situado nas imediações da estação.
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Ao aperceber-se que os arguidos o queriam atingir fisicamente, EE tentou fugir do local onde estava sentado ; 8. Nessa altura EE foi rasteirado pelo arguido DD, e caiu no chão, desamparado.
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Os arguidos acercaram-se então do ofendido ; 10. Tendo o arguido BB desferido pelo menos uma chapada na cara e dois pontapés no corpo do EE ; 11. Por sua vez, o arguido CC atingiu o ofendido com uma corrente de metal com cerca de 80 cm de comprimento, desferindo-lhe duas pancadas que o atingiram na zona das costas.
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Entretanto o arguido AA retirou uma faca que tinha consigo, e com este instrumento desferiu três golpes no corpo do ofendido, que o atingiram na região posterior do tórax (dois deles) e na região lombar (o outro).
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Após o desferimento destes últimos golpes, o ofendido, apesar de ferido, ainda se conseguiu levantar para fugir, tendo entretanto perdido a consciência e caído.
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Alguns transeuntes que se encontravam na via pública gritaram então por ajuda, tendo-se entretanto os arguidos colocado em fuga, apanhando juntos um barco de volta para o Seixal, na estação do Cais do Sodré.
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Acabaram por ser detidos pela Polícia Marítima, no interior da embarcação denominada "GG" ainda antes do barco chegar ao seu destino.
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Foi apreendida a faca utilizada pelo arguido AA, e que este havia embrulhado nuns calções e depositado junto a umas cadeiras da embarcação, tentando assim dissimulá-la (cfr. auto de fls.16).
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Tratava-se de uma faca de cozinha, de marca "Kitchendelight", de lâmina com 16 cm de comprimento, com o cabo em plástico preto.
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Foi apreendida ao arguido CC a corrente de metal por ele utilizada na prática dos factos.
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O ofendido EE foi transportado ao Hospital de S. José, em Lisboa, onde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica de urgência, tendo ficado internado naquele estabelecimento de saúde durante o período de 9 dias, e permanecido 48 horas na respectiva Unidade de Cuidados Intensivos.
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Como consequência directa e necessária das agressões infligidas pelo arguido AA resultaram para o ofendido EE as seguintes lesões físicas : -...
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