Acórdão nº 1311/11.5TJVNF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução08 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça: A) Relatório: AA, identificado nos autos, intentou acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra a Federação Portuguesa de Futebol, a Associação de Futebol do … e BB Limited, S.A. - Sucursal em Portugal, (anteriormente denominada CC Europe, S.A. e BB, S.A.), todos identificados nos autos, peticionando a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de € 20.956,68, acrescida da importância (a apurar em execução de sentença) necessária para suportar todas as despesas medicamentosas que se venham a revelar necessárias para tratamento da doença que tem causa nas lesões provocadas durante a prática de jogo de futebol, a que devem acrescer juros legais, contados desde a citação até pagamento.

Alegou, em síntese, que, por conta de um clube inscrito na segunda Ré, praticava futebol não profissional, tendo, no decurso de um jogo, sofrido um enfarte agudo do miocárdio, o que lhe ocasionou os danos patrimoniais e não patrimoniais que elenca, cabendo à terceira Ré – em virtude do seguro obrigatório firmado com aqueloutra Ré – e às demais Rés – por força de terem assumido a responsabilidade pelos acidentes ocorridos em jogos e treinos –, o seu ressarcimento.

As primeiras Rés apresentaram contestação em que arguiram a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade passiva. Mais impugnaram parte da factualidade alegada pelo Autor.

A terceira Ré apresentou contestação em que impugnou motivadamente a factualidade alegada na petição inicial.

Replicou o Autor, pugnando pela improcedência das invocadas excepções, e terminando como na petição inicial.

Julgaram-se improcedentes as invocadas excepções dilatórias e, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença em que se condenou a Ré BB Limited Sucursal em Portugal, a pagar ao autor a quantia de 20.478,53 (acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde a citação e até integral pagamento) e uma quantia a apurar em ulterior incidente de liquidação que fosse necessária para suportar as despesas medicamentosas com o limite máximo de € 4.800,00. As restantes rés foram absolvidas do peticionado.

Apelou a terceira Ré e com parcial sucesso, pois a Relação de Guimarães decidiu “revogar parcialmente a sentença recorrida na parte em que condenou a aqui apelante a pagar ao autor a quantia de € 20 000 (…) a título de incapacidade permanente e condenar a ré seguradora, aqui apelante, a pagar ao autor a quantia de € 4 000 (…), absolvendo-a do mais quanto a este pedido e mantendo a sentença recorrida na parte em que não foi aqui revogada.

”.

É sobre este aresto que o Autor, inconformado, impetra revista, apresentando alegações que finda com as seguintes conclusões: “1. Este Recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo distinto Tribunal Recorrido, nos termos do qual se revogou parcialmente a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré seguradora a pagar € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização por incapacidade permanente e condenar a mesma a pagar a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), absolvendo-a do mais quanto ao pedido.

  1. O aqui Recorrente, respeitosamente entende também estar em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica, necessita de uma melhor aplicação do direito, designadamente por existir jurisprudência contraditória, sobre uma mesma questão de direito. De facto, pretende-se que este Supremo Tribunal aprecie a "magna" questão de direito, relativa aos critérios a ter, para determinar a indemnização devida pela diminuição da capacidade de ganho, decorrente de acidente, se se deve atender exclusivamente a critérios formais e de percentagem conforme o grau de incapacidade ou se, antes, o Tribunal se deve socorrer de critérios de equidade.

  2. Assim considera que existiu violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação, como de determinação da norma aplicável, (designadamente as normas constantes dos artigos 237.°, 238.°, 405.°, n.º 1, 496.°, n.º 3, 762.°, n.º 2 e 566.°, n.º 3 todos do C.C., 426.° e 427.° do Código Comercial, DL 72/2008, de 16 de Abril, artigos 10.º e 11.º do DL 446/85, de 25 de Outubro e artigo 4.º do DL 146/93, de 26 de Abril), bem como nulidade, prevista no artigo 615.°, n.º 1, al. d) do C.P.C., nos termos constantes do artigo 674.°, n.º 1, al. a) e c) do C.P.C.

  3. Com relevo para o presente, resultou provado, o quesito 3.º "Em caso de invalidez permanente de futebolista amador, maior de 14 anos, o pagamento de € 27.000,00".

  4. Matéria dada como provada que não foi objecto de discussão por parte da Ré em sede de alegações de recurso, uma vez que a reapreciação da prova não foi sequer colocada em crise.

  5. Isto porque ao contrário do constante do acórdão de fls., a Exma. Sra. Dra. Juiz "a quo" deu como provado tal facto, sendo para o efeito bastante a confrontação com o documento junto pela R. em sede de contestação, ut doc. 2 "contrato de seguro".

  6. Sem prejuízo, e mesmo assim considerando, entende o aqui Recorrente que a fundamentação sequente, constante do acórdão de fls., além de argumentativamente escassa é manifestamente insuficiente e obscura, padecendo de nulidade por falta de fundamentação jurídica e superficial tratamento de diversas questões de direito, relevantes para a boa e justa decisão da causa, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do C.P.C.

  7. De facto está em causa nos Autos, um contrato de seguro de natureza obrigatória, a saber, ao tempo relevante para esta acção, previsto e regulamentado pelo Decreto-Lei nº 146/93 de 26 de Abril (DL 146/93), entretanto substituído (sem aplicação ao caso presente), pelo Decreto-Lei nº 10/2009, de 12 de Janeiro (DL 10/2009).

  8. Estabelece o artigo 4º do referido DL - (Riscos cobertos pelo seguro de grupo) "1 - As coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo de grupo são as seguintes: a) Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva; b) Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar e de repatriamento.".

  9. Claro que assentando a actividade seguradora em instrumentos revestindo a forma contratual - sintomaticamente o Diploma que a regula [presentemente o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (DL 72/2008), anteriores artigos 426.º e 427.º do Código Comercial, em vigor à data dos factos] tem a designação de "regime jurídico do contrato de seguro" - a existência de seguros obrigatórios, cuja regulamentação pressupõe elementos necessários (elementos que as partes não podem afastar), numa espécie de reserva de conteúdo mínimo da relação contratual correspondente, a existência de seguros obrigatórios, dizíamos, acaba por introduzir um importante elemento modelador do conteúdo desta relação.

  10. A liberdade de modulação da relação contratual aparece-nos nestes casos, frequentemente, bastante mitigada e como uma faculdade quase residual. Aliás, esta especificidade do contrato de seguro (a presença de importantes elementos de modelação exterior, positiva ou negativa da relação contratual correspondente) não se reduz ao sector dos chamados seguros obrigatórios, aparecendo mesmo no domínio dos seguros facultativos através da sujeição, destes como dos obrigatórios, ao regime das "cláusulas contratuais gerais", dada a fortíssima presença, nuns e noutros, de "cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, que o tomador do seguro - e, eventualmente, o segurado - subscreve.

  11. Ora o acórdão de fls. apenas se baseia no artigo 238.º do C.C. quando deveria também ter trazido à colação o disposto nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-lei 446/85 de 25 de Outubro, que estabelece o regime das cláusulas contratuais gerais bem como 762.0º n.º 2 do C.C.

  12. Pelo que, s.m.o. deve ser este o normativo aplicável, tanto mais que o próprio acórdão refere que "o facto dado como provado é ambíguo", a que deverá acrescer o facto de o aqui recorrente se ter limitado a aderir a um contrato previamente definido, sem ter por alguma forma ou meio participado da sua elaboração.

  13. O que necessariamente, prejudicaria a argumentação constante do acórdão sub judice, de que nas incapacidades permanentes superiores a 10% e inferiores a 66% a indemnização será a que resultar do grau de incapacidade com referência ao limite de indemnização de € 27.000 uma vez que a ser válido este critério, de percentagem, transformaríamos o aplicador do direito em simples autómato, sem possibilidade de adequação ao caso concreto, designadamente recorrendo a critérios de equidade, tal como e bem fez a Exma. Sra. Dra. Juiz "a quo", 15. De facto, não se concebe que uma IPP de 15% mereça a mesma indemnização independentemente da idade da vítima, do estado de saúde prévio ao sinistro, dos rendimentos por esta auferidos, bem como dos que ainda pudesse obter, sob pena de se subverterem totalmente os princípios de justiça expectáveis por qualquer cidadão, tanto mais que no próprio contrato de seguro em parte alguma se referencia que a indemnização será proporcionalmente atribuída em função do grau de incapacidade.

  14. Ora, no caso sub judice, a interpretação da referida cláusula, nos termos em que foi feita, além de se afigurar desconforme àquilo que qualquer cidadão colocado na posição do real destinatário entenderia, mais se afigura desconforme ao sentido mais favorável ao aqui recorrente.

  15. Acresce que o argumento fundamentante do acórdão sub judice (e que s.m.o, nos parece ser o único argumento constante do acórdão para justificar a total inversão do decidido na sentença de fls., ainda que sem qualquer suporte doutrinal e/ou jurisprudencial), não pode merecer qualquer acolhimento, uma vez que, se suporta numa cláusula do contrato de seguro, cuja nulidade é patente.

  16. De facto, diz-se nessa cláusula 10.2.3 que a incapacidade permanentes inferior ou igual a 10% não é indemnizável, e que se igualou superior a 66% será equiparável a 100%, no entanto, o contrato de seguro tem como referência inultrapassável a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
7 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT