Acórdão nº 291/12.4TTLRA.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução29 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) 1 – RELATÓRIO AA instaurou, no (extinto) Tribunal do Trabalho da Leiria, contra BB, LDA, a presente ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, peticionando a condenação desta: - a reconhecer que o Autor pratica um horário de trabalho por turnos, sendo-lhe devido subsídio de turno e, em consequência, condenada a pagar-lhe o valor de € 18.148,50, a título de subsídios de turno devidos desde maio de 2004 até 9 de março de 2012, bem como todas as quantias vincendas devidas a este título; - a reconhecer que a sanção aplicada ao Autor foi abusiva e, em consequência, condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00 ou, a não se entender assim, a repor no salário do Autor a quantia que foi ilicitamente descontada, no valor de € 1.100,00.

Como fundamento, alegou que a partir de maio de 2004, inclusive, a Ré, unilateralmente, deixou de lhe pagar o subsídio de turno, contrariamente ao estipulado pelo CCT aplicável. A Ré alterou-lhe o horário de trabalho e, porque se recusou a cumpri-lo, aplicou-lhe a sanção disciplinar de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 30 dias, sanção que deve ser considerada como abusiva.

A Ré contestou, excecionando a prescrição dos créditos laborais eventualmente existentes referentes ao contrato iniciado em 15 de setembro e findo em 20 de Dezembro de 2000, por ter decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho inicial. No mais, impugnou os factos, alegando que o Autor, a partir de Junho de 2004, passou a trabalhar num regime de horário flexível e que, para além do mais, passou a pagar-lhe um prémio que acrescia ao salário base, o que deve ser tido em conta para o caso de se entender que prestou trabalho sob o regime de turnos. O Autor desobedeceu, não cumprindo o horário que então lhe foi estipulado, pelo que lhe foi instaurado processo disciplinar com aplicação de sanção que não se pode considerar abusiva.

Instruída e julgada a causa foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto o Tribunal decide o seguinte: a) condenar a ré a reconhecer que o autor pratica um horário de trabalho por turnos, sendo-lhe devido subsídio de turno; b) e, em consequência, condenada a pagar ao autor, a esse título, o montante relativo à proporção de 15% sobre a remuneração base devida em cada ano desde Maio de 2004 até efetivo cumprimento, devido 14 vezes ao ano; c) condenar a ré a reconhecer que a sanção aplicada ao autor foi abusiva e, em consequência, condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00; d) tudo acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Custas pela ré.

Valor da ação: € 30.000,01».

Inconformada, a R. interpôs recurso de apelação, nos 10 dias suplementares estabelecidos no art. 80º, nº 3 do CPT, no qual, para além do mais, requereu a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Tendo a Relação entendido que a apelante não cumprira os ónus do art. 640º do CPC e que, por isso, não poderia beneficiar do aludido prazo suplementar, proferiu a seguinte deliberação: «Nos termos expostos, acorda-se em rejeitar o requerimento de interposição de recurso da apelação, por extemporâneo.

Custas pela apelante.» Não se conformando, recorreu a R. de revista tendo neste Supremo Tribunal sido deliberado: «Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida pelo que se determina a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que conheça do recurso de apelação interposto pela Ré BB, LDA.

Custas da revista pelo Autor.» Em cumprimento deste acórdão foi pela Relação proferida a seguinte decisão: «Nos termos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e em conformidade: - alterar a sentença, consignando-se que o subsídio de turno apenas é devido até 5 de Maio de 2011, devendo liquidar-se o respectivo montante em fase de posterior execução; - revogar a mesma sentença na parte que condenou a Ré a reconhecer que a sanção aplicada ao autor foi abusiva e, em consequência, a condenou a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00.

Custas, em ambas as instâncias, na proporção de vencidos.» Do assim decidido, recorre agora o A. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do “Acórdão recorrido e confirmando-se… a sentença proferida em 1ª instância, consignando-se que o subsídio de turno é devido também a partir de 06 de Maio de 2011, a liquidar o respectivo montante em fase de posterior execução e que a sanção aplicada ao Autor foi abusiva e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00 e juros respectivos”, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: “A - O âmbito do recurso é limitado pelas "conclusões" do recurso interposto pela Ré.

B - Nas "conclusões" desse recurso, a Ré não suscitou, não incluiu qualquer "conclusão" que tenha a ver com o não pagamento do subsídio de turno a partir de 06 de Maio de 2011.

C - O Acórdão ora recorrido, ao analisar essa questão, conheceu de uma questão não suscitada naquelas "conclusões" e de que não podia tomar conhecimento.

D - Em consequência, nos termos do artº 615.º, nº 1, alínea d) do CPC, é NULO.

E - Não está provado que, a pretensão da Ré de o Autor passar a exercer as funções de programador, apesar de este a ter aceite desde que o horário de trabalho por turnos não fosse alterado, não implique uma alteração substancial da posição do trabalhador.

F - Tal "declaração de aceitação" ficou condicionada à não alteração do seu horário de trabalho por turnos pelo que, não se tendo verificado esta condição, tem de haver-se por revogada e de nenhum efeito, tal como a correspondente pretensão da Ré.

G - Perdurando, para além de 06 de Maio de 2011, a situação em que assenta o direito ao subsídio de turno (a efectiva prestação de trabalho por turnos), não pode a Ré deixar de pagar tal subsídio e isto independentemente da "ordem" de alteração do horário ser ou não legítima.

  1. - O horário de trabalho por turnos, em vigor à data daquela "ordem" (para vigorar, o novo horário, a partir de 06 de Maio de 2011), foi individualmente acordado entre Autor e Ré através do "acordo entre partes", firmado em 01 de Maio de 2004 e junto aos autos a fls. 101.

  2. Pelo que não podia ser unilateralmente alterado pela Ré (artº 217.º, nº 4 do CT).

  3. A "ordem" dada pela Ré no sentido da alteração do horário de trabalho do Autor a partir de 06 de Maio de 2011, não é legítima.

  4. A sanção disciplinar aplicada ao Autor é abusiva por ter sido motivada pelo facto de o Autor se ter recusado a cumprir a referida ordem ilegítima, a que não devia obediência, nos termos do artº 331.º, nº 1, alínea b) do CT.

  5. Por tal facto e por a sanção disciplinar aplicada ao Autor em 29 de Julho de 2011, ter tido lugar até seis meses após o facto ocorrido em 24 de Maio de 2011, também por isso se presume abusiva.

  6. Presunção legal esta que não foi ilidida.

  7. A punição aplicada ao Autor é de natureza persecutória em virtude de, subjacente ao exercício do poder disciplinar, se encontrar uma medida de retaliação da Ré face ao exercício de direitos por parte do Autor.

  8. O Autor não estava obrigado a cumprir a "ordem" que lhe tinha sido dada (passar do "horário do trabalho por turnos" para o horário normal, "ao dia"), pelo que o seu não acatamento é legítimo, verificando-se ainda o carácter abusivo da sanção disciplinar que lhe foi aplicada.

  9. Além do mais, em qualquer caso, tendo o Autor continuado a trabalhar por turnos, mesmo para além de 06 de Maio de 2011, o não pagamento do correspondente subsídio de turno consubstancia um locupletamento/enriquecimento injusto da Ré à custa do trabalho por turnos (mais penoso e produtivo) do Autor.

  10. Bem como, se direito tivesse, um "abuso de direito" por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, ao consentir que o Autor continuasse a trabalhar por turnos e não lhe pagar o respectivo subsídio de turno, quando tinha "mil e uma" maneiras de pôr termo a essa prestação de trabalho por turnos, "maxime" instaurando novo processo disciplinar ao Autor e despedindo-o com invocação de justa causa por desobedecer a uma ordem que entendia ser legítima...

  11. É "abuso de direito" aproveitar-se e beneficiar do "trabalho por turnos" do Autor e não lhe pagar o correspondente subsídio de turno, mesmo que legítima fosse (e já vimos que não é...) a "ordem" para passar a trabalhar no horário normal, "ao dia"...

  12. Salvo o devido respeito, sufragamos terem sido violadas as seguintes normas jurídicas: do Código do Trabalho – artºs 126.º, 127º, nº 1, alíneas a) e b), 129.º, nº 1, al. a), 217.º, nº 4, 220.º, 258.º, nº 1, 260.º e 331.º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a); do Código Civil - artºs 342.º, nº1, 334.º 344.º nº1, 350.º, nº 2, 473.º e 478.º; do Código de Processo Civil –art.º 615.º nº 1, al. d).

  13. As normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de considerar não ser legítima a "ordem" dada pela Ré ao Autor no sentido de, a partir de 06 de Maio de 2011, deixar de trabalhar por turnos e passar a trabalhar no horário normal por, tal "ordem", constituir uma flagrante violação do "acordo entre partes", firmado em 01 de Maio de 2004, conforme documento não impugnado (vide fls. 101 dos autos) - configurando, assim, uma alteração unilateral do horário de trabalho individualmente acordado, em clara violação do nº 4 do artº 217.º do CT (sendo, aliás, esta a questão central a dirimir no presente recurso de revista).

  14. E, bem assim, no sentido de considerar abusiva a sanção disciplinar aplicada ao Autor, motivada pelo facto de o Autor se ter recusado a cumprir aquela "ordem" a...

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