Acórdão nº 17/13.5TBLSA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução29 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça: A) RELATÓRIO.

  1. AA e Companhia, Lda, propôs acção declarativa, sob a forma de processo ordinária, contra Estradas de Portugal, S.A (I - fls. 1 a 5).

    Alegou que, por declaração de utilidade pública de 08.05.2007, foi parcialmente expropriado o seu prédio, sito na Lousã, descrito sob o artigo 6100, e apenas em 12.08.2011 foi assinado o auto de expropriação amigável, em consequência do que recebeu a indemnização pela expropriação em singelo (no valor de € 188.620,00), tendo direito, nos termos dos artigos 34.º, al. b) e 70.º, ambos do Código das Expropriações (CE), aos juros de mora vencidos entre tais datas (no valor de € 32.184,26) e, sobre este valor, aos juros de mora vencidos desde a citação.

    Pediu que, a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 32.184,26, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação. 2.

    Citada, a ré impugnou a matéria alegada pela autora, defendendo não ter incorrido em mora.

    Pediu que, na improcedência da acção, fosse absolvida do pedido. 3.

    Foi proferido despacho de convite de aperfeiçoamento da petição inicial (I - fls. 82 a 84), a que a autora anuiu e a que se seguiu o contraditório pela ré.

  2. Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se admitiu a petição aperfeiçoada, e despacho de enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova, sobre o qual não recaíram reclamações.

  3. Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo sido proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente.

  4. A ré interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação, por acórdão, revogou a sentença e absolveu a ré do pedido.

  5. Inconformada, a autora interpôs recurso de revista para este Tribunal, apresentando as seguintes conclusões (II – fls. 408 a 425): 1.º O Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra declara nula a sentença proferida na primeira instância por excesso de pronúncia, uma vez que a Autora fundamenta a sua causa de pedir no facto de não lhe ter sido pago o valor da indemnização no momento devido, ao passo que a Meritíssima Juiz do tribunal a quo fundamenta a sua decisão em causa de pedir diversa, alicerçada num atraso da Ré num concreto passo do iter procedimental expropriativo, rectius, na promoção da arbitragem, já que, segundo a sentença, esta deveria ter levado a efeito tal promoção até ao dia 20/06/2007, considerando que a DUP foi publicada em 08/05/2007.

    1. A audiência prévia tem por objectivo promover a correcção ou aperfeiçoamento de aspectos respeitantes ao objecto do litígio, para clarificar ou para completar a matéria de facto e seleccionar, após debate os temas de prova, que irão ser a base da resolução do litígio, decidindo-se das reclamações deduzidas pelas partes.

    2. A concreta determinação do momento devido constituiu o terceiro tema de prova fixado com concordância das partes na audiência prévia - apurar se houve atrasos no procedimento expropriativo (vg, celebração do auto de expropriação) imputáveis à entidade expropriante - e não foi objecto de reclamação nem de recurso, nos termos do art.º 596º, nº 2 do CPC, pelo que houve lugar à estabilização definitiva da instância (art.260º do CPC).

    3. Embora este tema de prova fixe com carácter genérico os factos em discussão, o que não é criticável de acordo com a jurisprudência (Acórdão da Relação de Lisboa de 23/04/2015), todavia a matéria de facto dada por provada e por não provada, permite balizar concretamente o momento de constituição em mora da entidade expropriante decorrente de atrasos verificados no procedimento expropriativo, que é a causa de pedir da presente acção, como referido no Acórdão em recurso.

    4. A Recorrida também entendeu esta causa de pedir e o pedido formulado, como decorre do teor da sua douta contestação, alegando a falta do preenchimento dos pressupostos enunciados nos artigos 34º, al. b) e 70º do CE, para que se verifique a obrigação de juros, o que foi contrariado pelo julgamento da matéria de facto, pelo que a Senhora Juiz, fez uma correta subsunção destes às normas jurídicas concretamente aplicáveis, máxime, no Código das Expropriações e Código Civil, para decidir de mérito.

    5. Logo, não se aceita a conclusão segundo a qual é diferente a causa de pedir invocada pela autora e a que fundamentou a decisão do Tribunal da primeira instância, porquanto se, como vai dito no Acórdão, a causa de pedir alegada pela Autora é a fixação do momento em que são devidos juros moratórios, e se a Senhora Juiz condena a Ré com fundamento no atraso na promoção da arbitragem, trata-se de uma e da mesma coisa: o momento em que se vencem juros moratórios é a da falta de constituição da arbitragem no tempo e no modo decorrente de imperativos legais (entre outros, os artigos 42º e 70º do CE.).

    6. Neste conspecto, a sentença da primeira instância descreve, bem, o iter do processo expropriativo e determina, correctamente, o momento a partir do qual são devidos juros pelo atraso no pagamento da indemnização devida e acordada. A este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2005, refere no seu sumário, além do mais, que: 2. O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.

  6. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.

    Questões, para efeito do disposto no n.°2 do art.660º.do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é. as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou se/a, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções, dando prevalência à justiça material sobre a justiça formal, como decorre das diversas alterações legislativas tendo por objecto, nomeadamente, o Código de Processo Civil.

    1. Nos termos da decisão da matéria de facto, ficou amplamente provado que os valores indemnizatórios sempre foram aceites pela Recorrente (Expropriada) desde o início do procedimento expropriativo, decisão esta que não foi alterada pelo Tribunal da Relação o nos termos do nº 1 do art.º 662º do CPC.

    2. Nas palavras de Salvador da Costa, a indemnização decorrente de omissões processuais prevista no art.º 70º do C.E., "tem por presumido o dano (...) cabendo à entidade beneficiária da expropriação a prova de que o referido atraso não lhe é imputável", o que a Recorrida não logrou fazer, pelo que se presume a sua culpa (cfr. art.º 350º do Código Civil) no atraso no pagamento da indemnização acordada e desde sempre aceite pela expropriada, como está provado, e assim, como é jurisprudência deste Supremo Tribunal, o expropriado pode exigir o pagamento dos juros de mora referentes a atrasos verificados na fase administrativa do processo expropriativo, mesmo após o trânsito em julgado da sentença que fixou a indemnização (veja-se o Acórdão do STJ de 27/01/2015, proferido no Processo 04B4461, o Ac. do STJ datado de 23-09-99, in Proc. 412/99-6ª Secção).

    3. O C. E. não prevê prazo para a entidade Expropriante elaborar o auto de expropriação amigável quando haja acordo, pelo que o Tribunal a quo, por recurso à interpretação analógica (ou quanto muito interpretação extensiva, aplicou ao caso concreto os prazos previstos para a realização da arbitragem (cfr. artigo 10º do Código Civil e 2º, nº 1 e 607º do CPC), ao reportar a data de constituição em mora à data em que deveria ter sido promovida a arbitragem que, por imposição legal, é um poder/dever da entidade expropriante - vide artigos 33º, 36º, 38º e 42º, todos do CE.

    4. E bem se entende que o legislador tenha fixado prazos certos e de cumprimento obrigatório pelas entidades expropriantes: manifestação típica da sujeição dos titulares de direitos reais ao interesse colectivo, a expropriação por utilidade pública restringe-se, por imperativo constitucional vertido no n.º 2 do art.º 629º, aos casos previstos na lei e mediante o pagamento de justa indemnização - vide art.º 1310.º do Código Civil.

    5. Ora, no caso em julgamento, de acordo com a jurisprudência supra citada entre muita outra, a necessidade do pagamento da indemnização devida pela expropriação, terá de ser contemporânea com o ato ablativo de direitos, que se verifica com a publicação da declaração de utilidade pública, sob pena de não ser justa.

    6. Bem se percebe, portanto, que o legislador tenha imposto o cumprimento rigoroso de prazos para que a justa indemnização seja recebida pelo expropriado logo após a publicação da decisão administrativa que determina a privação do bem, impondo-lhe a obrigação de no pagamento de uma compensação, a liquidar nos termos do art.70º do C.Exp., se se verificarem atrasos no cumprimento desse seu dever.

    7. Não há aqui lugar à notificação prevista no artigo 805º do Código Civil, considerando que nos termos do previsto nos artigos 33º, 35º nº 1 e 3 e 42º do CExp, a expropriante está obrigada a promover, em prazo, a arbitragem em caso de falta de acordo. Ora, tratando-se de obrigação com prazo certo, como vai alegado, tem aqui aplicação a ai. a) do nº 2 do citado artigo 805º do Código Civil que exclui a necessidade de tal notificação.

    8. Por fim, salvo melhor entendimento, o Acórdão em recurso também incorre em erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas concretamente aplicáveis, o que o torna o nulo-vide artigo 615, nº 1, al c) ex vi o art.º 674º, nº 1, al c) do CPC -, uma vez que os Senhores Juízes Desembargadores entendem que a acção teria sempre de improceder por falta de prova da aquiescência da aceitação da Ré no pagamento de juros anteriormente à assinatura do auto de expropriação amigável; não tendo a Autora feito prova deste facto, como lhe competia, não poderia obter ganho de causa.

    9. Conjugando os factos provados e identificados sob os números 5, 9 e 18 e que não tendo sido provado que "o acordo quanto à quantia indemnizatória só se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT