Acórdão nº 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução22 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

AA arguida neste processo e identificada nos autos, vem, ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (mediante requerimento apresentado a 27.04.2016, cf. fls. 1 e ss) do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de outubro de 2015, transitado em julgado a 04.04.2016 (segundo a certidão a fls. 256, que teve por base a certidão do STJ a fls. 257 que dá esta data como sendo a do trânsito em julgado do acórdão do mesmo tribunal de 10.03.2016, fls. 258 e ss, que indeferiu a reclamação contra a decisão de não admissão do recurso interposto da decisão do Tribunal da Realção do Porto, de 16.12.2015 que indeferiu a dedução de nulidade do acórdão anterior do mesmo tribunal, de 14.10.2015), por considerar que existe oposição de julgados com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28.03.2012, no âmbito do processo n.º 86/08.0GBOVR.P1 (junto aos autos a fls. 13 e ss, constituindo versão impressa do apresentado em www.dgsi.pt).

  1. O recurso apresentado pelo arguido terminou com as seguintes conclusões: «I. O motivação e a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de que recorremos está em oposição, entre outros, com o entendimento perfilhado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 28/03/2012, no processo n.º 86/08.0GBOVR.P1 - disponível em www.dgsi.pt.

    1. Estes dois Acórdão relatam uma querela antiga na Doutrina e na Jurisprudência relativa ao bem jurídico protegido pelo artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal e, bem assim, quanto a saber se estamos perante uma unidade de infracções ou pluridade de infracções e se se trata de um crime com ou sem vítima, pelo que os Recorrentes requerem a V.

      as Ex.

      as que seja fixada jurisprudência quanto a estas matérias.

    2. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de que Recorremos negou provimento ao recurso apresentado pela Arguida, confirmando a decisão da 1.ª instância que tinha considerado que o bem jurídico protegido pelo artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal é a moral sexual.

    3. Consequentemente, perfilhou a interpretação de que estamos perante um “crime sem vítima” e de que há, por isso, uma unidade de infracções, isto é, entendendo que comete um só crime quem, na execução da mesma resolução, fomenta, favorece ou facilita a prostituição de várias mulheres.

    4. Pelo que, desconsiderando o facto de não ter sido identificada qualquer vítima no caso em apreço (não foi considerado provado que as duas mulheres identificadas na acusação se dedicassem á prostituição), isto é, qualquer mulher que se dedicasse à prostituição e que tenha visto a sua actividade ser fomentada, favorecida ou facilitada pela Recorrente, negou provimento ao recurso.

    5. A Doutrina e Jurisprudência que defendem a tese que pugnamos - de que o bem jurídico protegido pelo artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal é a liberdade e autodeterminação sexual, a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana, consideram que se trata de um crime com vítima e em que há uma pluralidade de infracções consoante o número de prostitutas cuja actividade seja fomentada, favorecida e/ou facilitada - alicerçam a sua argumentação nas seguintes premissas: • A deslocação, com a revisão introduzida pelo DL 48/95 de 15 de Março, do crime de lenocínio do capítulo dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título “Dos crimes contra as pessoas” e capítulo “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”; • O abandono da anterior concepção moralista em favor da liberdade e autodeterminação sexual que constituem bens eminentemente pessoais; • “O valor Jurídico defendido na incriminação do lenocínio é o da liberdade individual no aspecto sexual, donde que, se o agente, em sucessivos momentos, recrutar diferentes mulheres, aliciando-as ao exercício da prostituição para viver do rendimento dos actos sexuais, torna-se autor de múltiplas infracções” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 26/02/1986; • “o bem jurídico objecto de protecção no crime de lenocínio (…)identifica-se com a liberdade individual na esfera sexual do indíviduo instrumentalizado na prossecução da acção criminosa” “o aliciamento, nas sobreditas condições e em momentos sucessivos, de diferentes mulheres para o exercício da prostituição, tendo em vista viver à custa do rendimento dos actos sexuais por elas praticados, faz incorrer o agente na autoria de um número plural de infracções (concurso real)” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/1990; • “há tantos crimes de lenocínio, em acumulação real, quantas as mulheres cuja prostituição o agente explora (e não é configurável a continuação criminosa, por estarem em jogo interesses pessoais das ofendidas)” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/10/1985; • “o que está em causa é a exploração de uma pessoa por outra, uma espécie de usura ou enriquecimento ilegítimo fundado no comércio do corpo de outrem por parte do agente (…) uma clara violação da dignidade humana, da integridade moral e física da pessoa humana, e, por isso obstáculo à livre realização da respectiva personalidade, valores constitucionalmente protegidos, art.º 25.º e 26.º da Constituição” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2004; • “não estamos perante um “crime sem vítima”, mas ao invés, que o bem jurídico tutelado pela norma é, ainda, a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana, mesmo daquela que se prostitui e que, assim, é vitíma do crime” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/07/2005, proferido no processo n.º 0540595; • “A “moralidade sexual” deixou, desde 1995, de ser um bem com dignidade juridico-criminal e que, por isso, não há actos de desmoralização da sexualidade que possam ser punidos.

      No lenocínio há uma só vitima: a prostituta (não qualquer “moralidade sexual” socialmente dominante). A prostituta tem dignidade sexual como qualquer outra pessoa sendo igualmente merecedora de protecção penal”. – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 28/03/2012, no processo n.º 86/08.0GBOVR.P1.

    6. A corrente que entende que o bem jurídico protegido pelo artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal é a tutela da moralidade geral – entendimento perfilhado pelo Acórdão de que se recorre, que acompanhou a decisão da 1.ª Instância - alicerça-se, nomeadamente, nas seguintes premissas: • “protege-se o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/10/2003, no processo n.º 2301/03; • “No crime de lenocínio simples pune-se uma actividade, uma profissão, e não a corrupção da vontade livre, pelo que comete um só crime quem, na execução da mesma resolução, favorece a prostituição de várias mulheres” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/12/2005, no processo n.º 0514345; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/02/2008, no processo n.º 0715332; • “através do crime de lenocínio não é a prostituta que a lei quer proteger mas o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/11/1990; • “no crime de lenocínio se visa a punição dos actos que poêm em causa, de forma relevante, os valores da comunidade e de concepções ético-sociais dominantes, devendo abranger sobretudo os actos que visam facilitar, explorar ou comercializar a entrega de mulheres” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/03/1991.

    7. Urge clarificar esta querela jurisprudencial que veta os arguidos a uma grande incerteza e...

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