Acórdão nº 11744/13.7TDPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução14 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Por decisão judicial proferida na 1ª Secção Criminal - UP3, da Comarca do Porto, foi rejeitada acusação pública deduzida contra AA, com os sinais dos autos, e ordenado o arquivamento do processo supra referenciado, sob alegação de ocorrência de caso julgado.

O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, instância que confirmou a decisão impugnada.

A assistente BB, com os sinais dos autos, interpõe agora recurso para este Supremo Tribunal.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação: 1 - No dia 31.10.2010 faleceu CC (indiciariamente) ainda em consequência das lesões que o arguido lhe infligiu, com intenção de o matar.

2 - Este acontecimento deu-se já após o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida no Proc. n.º 839/09.1JAPRT que condenou o arguido numa pena única de 9 anos de prisão, pela prática de dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 26º, 131 e 132º n.ºs 2 als. a) e j) do Código Penal.

3 - Após o conhecimento da morte do CC, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos artigos 26º, 131º e 132º n.º 1 e 2 als. a) e j) do Código Penal.

4 - A referida acusação visava submeter o arguido a novo julgamento agora pelo crime de homicídio qualificado.

5 - O douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, do qual se recorre, no ponto 1 do seu Sumário começa por referir que “Um segundo processo, pelo mesmo crime, não é admitido (artigo 29º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa).” 6 - Embora o bem jurídico tutelado pela norma jurídica violada seja essencialmente o mesmo, o que é facto é que à data do julgamento e após o trânsito em julgado da decisão condenatória, a vítima (CC), embora em coma, ainda estava vivo.

7 - O arguido foi julgado pelo crime de homicídio na sua forma tentada e o que se pretende agora é que o mesmo seja julgado pelo crime de homicídio consumado.

8 - O Principio do ne bis in idem visa impedir uma dupla submissão de um individuo a um mesmo processo e assegurar a sua paz jurídica configurando, por conseguinte, uma limitação ao poder punitivo do Estado.

9 - No entanto, neste caso concreto, estamos perante um resultado muito mais gravoso levado a cabo pelos actos praticados pelo arguido.

10 - É bem diferente ser-se julgado e condenado pela tentativa de homicídio qualificado do que pelo homicídio (consumado) qualificado.

11 – O Princípio do ne bis in idem consagrado no artigo 29º, n.º 6 da Constituição da República Portuguesa não é um direito absoluto. Na verdade, mesmo ao nível do efeito negativo do caso julgado, são hoje visíveis claras excepções ao seu carácter absoluto. É o caso paradigmático do disposto no artigo 79º, n.º 2 do Código Penal que prevê que: “se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicada substitui a anterior”. No pensamento do legislador, seria incompreensível que situações incluídas naquela continuação ficassem sem pena pela circunstância fortuita de não serem conhecidos à data da formulação da acusação.

12 - Ora, no presente caso concreto, a situação ainda é mais clara. O arguido só não foi julgado e condenado pela prática do crime consumado de homicídio pelo facto de este resultado ainda não se ter verificado à data da acusação nem do julgamento.

13 - Não está, assim, em causa a errada utilização – por parte das instâncias formais de controlo – dos “mecanismos necessários para uma apreciação esgotante do facto processual e portanto a possibilidade de se alcançar a verdade material e consequentemente uma justa decisão do caso concreto” que faria “responder o arguido pela negligência de outros na prossecução da justiça, ou pelos inevitáveis vícios do sistema, acabando, em última análise por frustrar totalmente as legítimas expectativas de quem foi julgado e sentenciado” (Isasca, Frederico, Alteração…, p.229). O que está em causa é apenas a possibilidade de adequar a condenação a um acontecimento posterior que não foi, nem podia, ser tomado em consideração pelas instâncias formais de controlo. Se não for assim, tudo aquilo que ocorrer depois da acusação, seja qual for a sua gravidade, será irrelevante, originando aquilo a que se costuma chamar o “limbo dos criminosos”.

14 - Não estamos perante o mesmo crime, e por isso, não há aqui uma inadmissível duplicação de julgamentos.

15 - Em outros países como na Alemanha, cuja legislação penal admite a reabertura do processo em situações previstas na lei, abrangendo situações como aquela que está na origem dos presentes autos. Contando como defensores desta tese nomes como Claus Roxin (Strafverfahrensrecht, München, C. H. Beck`sche Verlagsbuchhandlung(1998), p. 413) ou Hans-Heiner Künhe Strafprozessrecht, Heidelberg, C.F. Müller (2003), p. 339). Numa tradução livre das palavras de Roxin “deve haver uma limitação para os casos em que apenas depois do encerramento da produção surge uma consequência do facto mais grave (por exemplo, morte daquele que à data da prolação da sentença era apenas vítima) que conduz a outra qualificação jurídica do facto (§ 227 em vez do § do 224 do StGB, homicídio consumado em vez de homicídio tentado)”.

Uma vez que a sentença não podia considerar estas consequências deve ser admitida aqui uma acção penal complementar.

16 - Também em Itália, nomeadamente a propósito do crime continuado, é muito discutida a possibilidade de um juízo “supletivo per le successive violazioni, attraverso cui infliggere per tali infrazioni, sulla base del precedente giudicato, quel di più di penalità che lo stesse primo giudice avrebbe sancito se fosse stato a conoscenza anche di questi episodi (Coppi, Franco, Reato Continuato e Cosa Giudicata, Napoli, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene (1969), p. 79).

17 - Entre nós, e como Eduardo Correia já defendia, que “um outro domínio relativamente ao qual há que limitar o poder de cognição, diz respeito a efeitos de actividades criminosas que se desenvolvem depois de findo o processo que as apreciou: v. g. a morte da vítima após a condenação do agente pelo crime de ofensas corporais”. Também neste caso, embora contra certa doutrina e jurisprudência, se deve com Beling e Sauer, aceitar que cessa o poder de cognição e que se torna possível o exercício de uma nova acção penal tendente a completar a apreciação feita no primeiro processo. É que o tribunal só pode considerar-se obrigado a conhecer dos factos passados ou presentes, não sendo legítimo deixar de aplicar-se uma pena a uma resultado criminoso só porque teve lugar um processo que, qualquer que tenha sido o seu objecto, terminou antes de ele se produzir” (A teoria do concurso em direito criminal, Coimbra, Almedina (1983), p. 364/5).

18 - È inegável o nexo de...

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