Acórdão nº 34/16.3YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução23 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – Relatório.

    AA, reclama da decisão que declarou a sua ilegitimidade para impugnação do acto administrativo assumido pelo Conselho Superior da Magistratura que havia prorrogado a comissão de serviço à Senhora Inspectora Judicial, Drª BB.

    Para a reclamação que impulsa alinha os fundamentos que a seguir quedam extractados (sic): “1. O douto acórdão julgou (…) a impugnante, AA desprovida de legitimidade para impugnar o acto administrativo que se constituiu com a deliberação do Conselho Superior da Magistratura, de 5 de Abril de 2016, e, consequentemente, absolver o recorrido da instância.

    1. A falta de legitimidade foi suscitada oficiosamente.

    2. A A. não foi ouvida sobre tal exceção.

    3. Nos termos do nº 3 do artigo 3º do CPC, [o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

    4. Ao decidir nos termos em que decidiu, sem ouvir previamente a A. sobre a referida exceção, o douto acórdão violou o princípio do contraditório, ínsito no Estado de direito democrático (art. 2º da Constituição), densificado no nº 3 do art. 3º do CPC, e contido no direito a um processo equitativo consagrado no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    Requer-se, assim, que o douto acórdão seja declarado nulo, (…).”.

  2. – FUNDAMENTAÇÃO.

    II.A. – Decisão reclamada (Fundamentação).

    Se bem se entende a galimatias em que se esparrama a fundamentação da recorrente, são dois os vícios com que apostema a deliberação conchavada no Plenário do Conselho superior da Magistratura, de 5 de Abril de 2016: i) a deliberação assumida é ilegal por a comissão de serviço da Senhora Inspectora Judicial, Drª BB, com Inspectora Judicial, ter, de forma irrefragável, terminado a sua vigência, por extinção do prazo por que tinha sido conferida; ii) é, da mesma sorte, ilegal por inaplicabilidade às comissões dos magistrados judiciais o regime do Estatuto do Pessoal Dirigente, pela exclusividade e plenitude jusnormativa aos magistrados judiciais do respectivo Estatuto.

    As comissões de serviço constituem-se como um meio ou expediente de prover cargos ou lugares da função pública e/ou de empresas do sector público do Estado que pela sua especificidade ou idiossincrasia socioprofissional, vocação estatutário-funcional e inserção categorial numa determinada estrutura orgânica e/ou funcional dos serviços se torna necessário prover/capacitar por forma a que os serviços estejam apetrechados com pessoas para dar cumprimento aos objectivos que estejam predeterminados e pré-definidos na realização de sectores estruturantes e directores da função do Estado. Deriva desta funcionalidade específica uma categorização atípica atribuída às comissões de serviço na organização das categorias orgânico-funcionais em que se organiza e estrutura a vida profissional e funcional dos agentes da administração pública, mais especificamente das estruturas orgânico-políticas de que dependem serviços directores dos diversos ministérios, v. g. direcções gerais ou nacionais, chefias intermédias dos serviços e directorias regionais, comissões regionais ou de coordenação, bem assim empresas públicas do sector do Estado etc.

    A figura das comissões de serviço tem na sua génese a necessidade de os serviços do Estado (aqui incluídas as empresas do sector público do Estado) permitirem que determinados funções e/ou cargos, atenta a especificidade das funções que encerram e conlevam, sejam exercidos por pessoas com atributos e capacidades – previamente definidas, escrutináveis e seleccionáveis – cabíveis num perfil que, segundo a lógica programática e prefixada para o lugar a preencher, melhor se adequa aos fins inscritos para o lugar/cargo a ocupar. Tratando-se de preenchimento de vagas ou lugares por um período determinado, as comissões de serviço, servem um objectivo de rotatividade e refrescamento das pessoas que são providas nos cargos, e que ideal e intencionalmente, cumprem o objectivo de imprimir uma dinâmica e um divertido alor aos serviços em que se encontram instituídas, para além de outros factores de que soe realçar-se a confiança que o desempenho de certas funções reclamam. [[1]] Se assim no geral das situações em que determinadas funções são exercidas por provimento, em comissão de serviço, no caso das comissões de serviço na magistratura –elencadas no artigo 56º do Estatuto dos Magistrados Judiciais a que haverá de acrescer as presidências dos tribunais de comarca (artigo 92º da Lei de Organização do Sistema Judiciário) – estamos em crer que a intenção e objectivo que as justifica será a de dotar determinados lugares de pessoas com aptidão e capacidades específicas e/ou adequadamente experientes e conhecedoras para o desempenho de funções em que a aptidão para analisar e julgar situações funcionais e pessoais constituem o imo da actividade do sujeito engajado.

    O preenchimento da categoria funcional de inspector judicial comporta a obrigatoriedade de concitação no candidato de determinados requisitos funcionais-formais de que, estatutariamente, depende a aceitação e posterior selecção para a escolha e nomeação para a função – cfr. artigo 162º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. A solução do caso em análise deve ser, em nosso juízo, equacionado tendo em consideração os seguintes pressupostos: i) a Senhora Desembargadora, BB, quando iniciou o processo inspectivo à recorrente já havia terminado o período (máximo) de seis (6) anos que a lei permite para que um inspector se mantenha nas funções de inspector; ii) se era possível o Conselho recorrido ter prolongado e mantido a Senhora Desembargadora BB nas funções se inspecção para além do período o limite de seis (6) anos.

    A impugnação do acto administrativo interno, privativo e competencial do Conselho Superior da magistratura – prover os lugares de inspector judicial é um acto de gestão interna e estatutária do Conselho Superior da Magistratura – por parte da Senhora juíza poderia suscitar a questão do interesse em agir ou da legitimidade substantiva por parte da impugnante.

    Para delimitação do conceito de interesse em agir escrevemos no acórdão proferido no processo nº 660/07.1YXLSB.L1.S1, de 6 de Setembro de 2011, que (sic): “a condição ou pressuposto processual genérico da acção denominado “interesse em agir” não constitui uma categoria autónoma ou diferenciada no conspecto do direito processual vigente, embora se possam detectar na lei adjectiva afloramentos da necessidade de ele estar presente no momento em que o titular do direito (interesse material ou jurídico) pretenda utilizar um meio processual para a definição do respectivo direito.

    Para o Professor António Cabral “O interesse material é a relação entre a necessidade humana e o bem capaz da a satisfazer, uma relação que reside na norma substancial e cuja protecção ou reparação é o escopo da demanda. Da outra parte, o interesse processual (ou interesse em agir) encontra-se ligado à providência requerida ao juiz para satisfação do interesse material. Neste sentido o interesse em agir é comummente descrito como um “interesse de segundo grau”, um interesse “instrumental” em função do interesse primário de protecção do direito material”. (Tradução nossa do italiano). Este autor radica a terminologia no direito processual francês traduzido no brocardo “pas d’interet pas d’action” ou “l’interet est la mesure des actions” e era tido como uma norma de clausura para as acções atípicas, obrigando a que as acções fossem sempre referidas a um direito subjectivo legalmente tipificado. Continuando na dilucidação do conceito desta condição da acção, refere este autor que “[o] debate sobre o interesse em agir quedou-se (na doutrina do último do meio século) entre duas concepções distintas: uma que referia o interesse em agir como “estado de lesão” do direito alegado (do que derivava o conceito de interesse-necessidade); e aqueloutra do interesse como utilidade do processo para o autor, fosse com meio, fosse como resultado (interesse-adequação e interesse-utilidade). A concepção do interesse-necessidade (necessidade de tutela) nasceu de uma visão do processo como última rácio do autor: a demanda deveria ser admissível somente se o autor não tivesse outro meio para satisfazer o seu direito sem a intervenção estatal através do processo. Exigia-se uma efectiva lesão ou violação do direito material do autor de modo a que a causa fosse levada perante o juiz. Daí que o interesse estava classicamente ligado ao incumprimento”. “O interesse-utilidade pretende regular a actividade estatal, evitando encher as estantes dos tribunais de processos que poderiam ser resolvidos, se não espontaneamente, pelo manos com menor empenho e custo”. Colocavam-se em confronto duas concepções, uma de índole privada e outra de índole publicista. Na doutrina nacional o Prof. Miguel Teixeira de Sousa entende que o interesse processual consiste no “interesse da parte activa em obter tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão dessa tutela”. Porém, como ensina este autor o interesse processual não pode ser negado ou afirmado em abstracto, apenas comparando a situação em que a parte (activa e passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida. O interesse em agir é aferido pela posição de ambas as partes perante a necessidade de tutela jurisdicional e a adequação do meio processual escolhido pelo autor. Em princípio, a necessidade de tutela jurisdicional é aferida objectivamente perante a situação subjectiva alegada pelo autor. O autor tem interesse processual se, da situação descrita, resulta uma necessidade de tutela judicial para realizar ou impor o seu direito.

    Já para o Prof. Antunes Varela...

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