Acórdão nº 12405/15.8T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, S.A., formulando o seguinte pedido: «1. Deve o R. ser condenado a reconhecer o direito de crédito do A., vencido em agosto de 2014, no montante líquido de € 1.500.000,00, acrescido de juros de mora vencidos desde 29.01.2015, contados à taxa de juro anual de 4%, e vincendos até efetivo e integral pagamento; 2. Deve o R. ser condenado a pagar todos os impostos devidos pelo pagamento ao A. do montante de € 1.500.000,00; 3. Deve o R. ser condenado a comunicar ao Banco de Portugal que o A. não incumpriu as suas obrigações relativamente aos empréstimos n.º B…, B…, B…, B…e B…; 4. Subsidiariamente relativamente ao pedido em 1., caso o Tribunal venha a considerar, no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona, que a relação laboral do A. com o Banco não se alterou em agosto de 2014, então sempre deve ser reconhecido o direito do A. ao recebimento do montante líquido de € 1.500.000,00 em 17.10.2015, devendo o R. ser condenado ao pagamento de todos os impostos devidos pelo pagamento do montante de € 1.500.000,00; 5. Deve o R. ser condenado no pagamento das custas judiciais devidas.» Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que exerceu funções no CC, S.A., desde pelo menos 2007, sendo diretor de nível 18 em 08/2014, e que acordou condições de trabalho com o CC, S.A., que incluíam, entre o mais, o pagamento de um prémio no valor líquido de € 1.500.000,00, no prazo máximo de 10 anos contados desde 17/10/2005 ou da data da extinção ou alteração da sua relação laboral, montante que o Réu se recusa a pagar.

Contestou o Réu arguindo a sua ilegitimidade, alegando que as responsabilidades ou contingências do CC não foram objeto de transferência para o BB, no mais negando que alguma vez o CC tenha firmado com o Autor o acordo que este invoca.

O Autor respondeu pugnando pela improcedência da exceção.

Em articulado superveniente, o Réu alegou que, no dia 29/12/2015, o Banco de Portugal deliberou o âmbito concreto dos passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do “CC” objeto de transferência para o Réu, ficando expressamente excluída a “contingência” objeto de discussão nos presentes autos.

Respondendo, o Autor pugnou pela inadmissibilidade do articulado e, no mais, pela nulidade das deliberações do Banco de Portugal.

Foi admitido o articulado superveniente apresentado pelo Réu, assim como o contraditório exercido pelo Autor.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 16 de maio de 2016, que integrou o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal julga a ação totalmente improcedente e, em consequência, decide: 1. Absolver «BB, SA.» dos pedidos formulados por «AA».

  1. Condenar «AA» a pagar as custas processuais».

    Na fundamentação do assim decidido destaca-se o seguinte: «No caso em apreço, o Autor alega que acordou condições de trabalho com o “CC, SA.”, que incluíam o pagamento de um prémio no valor de € 1.500.000,00, no prazo máximo de 10 anos contados desde 17/10/2005 ou da data da extinção ou alteração da sua relação laboral, montante que a Ré se recusa a pagar.

    Porém, não demonstrou tal acordo de vontades, ou seja, que entre ele e o “CC” tenha, de facto, sido acordado o pagamento do “prémio” de que se arroga titular.

    Conforme resulta da matéria de facto provada apenas se provaram as condições firmadas aquando da sua admissão no “CC”, 01/10/2007, supra melhor descritas em 8).

    Donde, não pode o Tribunal concluir que o “CCS” assumiu a obrigação de pagar o dito “prémio” ao Autor.

    Termos em que por estar em causa facto constitutivo do direito de que o Autor se arroga titular e cuja prova unicamente sobre si impendia, deverá a Ré ser absolvida do pedido, assim naufragando a ação.» Inconformado com esta decisão, dela apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Réu requerido a ampliação do objeto do recurso, focalizada na sua ilegitimidade substantiva.

    O Tribunal da Relação veio a conhecer do recurso interposto e da ampliação do respetivo objeto por acórdão de 8 de fevereiro de 2017, que integrou o seguinte dispositivo: «Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, e na revogação da sentença condenar o R. a pagar ao A. o montante líquido de um milhão e quinhentos mil euros (1.500.000,00 €), acrescido de juros de mora desde 29/01/2015, à taxa anual de 4%, até integral pagamento.

    Custas pelo Apelado.

    Notifique.» Para além disso, julgou-se improcedente a questão da ilegitimidade substantiva do Réu que constituía objeto da ampliação do recurso.

    Não satisfeito com esta decisão, vem o Réu recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «A. O acórdão recorrido está ferido de nulidade, por pronúncia em excesso, quanto a questões de que o Tribunal a quo não deveria ter tomado conhecimento.

    1. O Acórdão recorrido violou normas de direito material e adjetivo ao reapreciar a matéria de facto com base em provas inadmissíveis (depoimentos escritos e testemunhos cobertos por segredo profissional) e ao ter alterado a decisão sobre a matéria de facto num uso abusivo dos seus poderes.

    2. O acórdão recorrido encontra-se ainda em violação do princípio do contraditório na sua vertente da proibição das decisões surpresa.

    3. Por fim, o acórdão recorrido violou também a lei substantiva em dois momentos: (i) quando, dando como provado a assunção pelo CC da obrigação de pagar ao Recorrido o prémio de 1.500.000,00 líquidos, não a considerou como um ato nulo, porque contrário ao fim prosseguido pelo CC e pelo Recorrente; e (ii) quando não considerou que, por força das Deliberações do BdP que aplicaram a medida de resolução ao CC (incluindo as sucessivas deliberações), o Recorrente é parte ilegítima na questão material, não tendo sido para si transferida a responsabilidade pretensamente assumida pelo CC.

      Particularizando: Da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia E. A condenação do Recorrente no pagamento ao Recorrido do montante líquido de € 1.500.000,00, acrescido de juros de mora desde 29.01.2015, à taxa anual de 4%, baseou-se designadamente na alteração da decisão sobre a matéria de facto, a cujo acervo fáctico aditou três factos novos.

    4. Um desses novos factos dá como provado que “A pedido do CC, o A. trabalhou com o Banco e com os seus clientes no âmbito dos processos judiciais que lhe foram determinados no âmbito da ... e por isso, e só por isso, o CC, SA. acordou consigo, em 2009, as condições de trabalho referidas” (cfr. ponto 30 da decisão sobre a matéria de facto revista pelo Tribunal a quo).

    5. Sucede que, ao dar como provado este facto, o Tribunal a quo conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, pois no recurso de apelação por si interposto, o ora Recorrido pretendia apenas e tão só que: (i) os artigos 4.º, 5.º, 7.º a 10.º da Petição inicial fossem dados como provados; (ii) os artigos 92.º e 93.º da Contestação da Recorrente fossem dados como não provados e que (iii) o facto constante do ponto 7 da matéria de facto julgada pelo Tribunal de 1.ª instância fosse dado como não provado.

    6. Não tendo sido por isso requerido pelo ora Recorrido a apreciação do facto que acabou por resultar como ponto 30 da matéria de facto revista.

      I. Não obstante, o Tribunal a quo retirou oficiosamente do ponto 5 da conclusão 32.ª das alegações de recurso do Recorrido que este pretenderia considerar como um dos pontos da matéria de facto incorretamente julgados, aquele que “encontra amparo nos Artº 43º e 44º da resposta à contestação, onde se alega que: - A pedido do CC, SA., o A trabalhou com o Banco e com os seus clientes no âmbito de processos judiciais que lhe foram determinados. – E por isso, e só por isso, o CC, SA. acordou consigo as condições de trabalho que o A. pede ao Tribunal que reconheça (…)”.

    7. No entanto, conforme se retira de forma clara e manifesta das alegações de recurso apresentadas pelo então Apelante – as quais delimitam o objeto do recurso – em parte alguma do mesmo se verifica que tenha sido suscitada a pretensão do Recorrido de apreciação da matéria de facto constante dos artigos 43.º e 44.º da resposta à Contestação, ou mesmo a prova do facto que acabou por ficar a constar do facto 30 da matéria de facto revista pelo Tribunal a quo.

    8. Se assim tivesse sucedido, nas suas contra-alegações, o então Apelado, ora Recorrido, teria, ao abrigo do princípio do contraditório, apresentado a sua defesa e citado a prova que, no seu entender, levaria a que tais factos não pudessem ser dados como provados.

      L. E esse contraditório não foi, como deveria ter sido, assegurado ao Recorrente, nos termos do artigo 3.º do CPC, tendo resultado numa flagrante e manifesta violação do seu direito.

    9. E ainda que se pudesse retirar do recurso apresentado pelo ora Recorrido a intenção de provar o facto que ficou a constar do ponto 30 da matéria de facto revista, sempre se diria que tal parte do recurso não poderia ter sido admitida já que o então Recorrente não indicou, nos termos do artigo 640.º do CPC: (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (b) os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

    10. O Tribunal a quo, ao arrepio da lei processual, lançou mão de suposições e correções oficiosas da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelo Recorrido, para, a partir da conclusão 32.º das alegações do recurso de apelação, extrair da mesma matéria de facto que o Recorrido, supostamente, teria querido impugnar, mas que não impugnou - os factos constantes dos artigos 43.º e 44.º da resposta à contestação -, e, por essa forma, o Tribunal recorrido dilatou substancialmente, “de...

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