Acórdão nº 5705/12.0TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou a presente acção declarativa contra BB - Companhia de Seguros, S.A.

(actualmente CC - Companhia de Seguros, S.A.

), pedindo a condenação da R. a pagar-lhe: a) A quantia de € 40.789,76, já liquidada até à presente data; b) A quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de danos materiais, patrimoniais e morais; c) Tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alega para o efeito que, no dia 31/12/2011, pelas 10.50 horas, na Estrada Exterior da Circunvalação, em Matosinhos, ocorreu um acidente no qual foram intervenientes o A. e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-SN, conduzido pelo proprietário DD, o qual havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a R. através da apólice nº 0045….01. Acidente que imputa a culpa do condutor do veículo SN. Em consequência do embate, o A. sofreu várias lesões de que resultaram danos que discrimina. A R. contestou, imputando ao A. a responsabilidade pela ocorrência do acidente e impugnando os danos por ele invocados.

Na pendência da acção, o A. veio ampliar o pedido. Neste contexto, à luz do sofrimento físico suportado, conducente à amputação do membro inferior esquerdo e a todo o desenvolvimento subsequente, considera justificar-se a valoração dos danos não patrimoniais, até à data, em mais € 90.000,00 do que o peticionado inicialmente.

Conclui, pedindo a condenação da R. no pagamento do montante de mais € 90.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a notificação do requerimento de ampliação do pedido até efectivo e integral pagamento.

Notificada, a R. respondeu, impugnando a factualidade referente aos danos invocados pelo A.

Por sentença de fls. 668 a acção foi julgada totalmente improcedente e, em consequência, foi a R. absolvida do pedido.

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 847 foi modificada a decisão relativa à matéria de facto e, a final, foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se a sentença recorrida.

” 2.

Veio o A. interpor recurso, por via de revista excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1) Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido pelo Meritíssimo Tribunal a quo que julgou a apelação totalmente improcedente, confirmando a sentença impugnada.

[excluem-se as conclusões da revista excepcional] II - DO OBJECTO DO RECURSO: 13) Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido pelo Meritíssimo Tribunal "a quo" que, negando provimento à apelação deduzida, manteve o decidido na 1ªinstância.

14) Salvo o devido respeito, o Recorrente não pode concordar com os fundamentos que sustentam o douto acórdão recorrido.

15) Sendo que o âmbito do presente recurso se cinge à apreciação de uma questão: "Se, à luz do artigo 505° do CC, a simples culpa ou a mera contribuição do lesado para a produção do dano exclui a responsabilidade pelo risco contemplada no artigo 503° do CC." COM EFEITO 16) Constitui facto incontornável nos presentes autos a presente acção se estriba na responsabilidade civil extracontratual por danos causados em acidente de viação.

17) Afigura-se igualmente indubitável que do mesmo resultaram elevados danos patrimoniais e não patrimoniais para o Recorrente.

18) Igualmente assente está o facto de que a Seguradora recorrida não assumiu a responsabilidade pelo sinistro, alegando a culpa exclusiva do peão, ora Recorrente.

19) Tendo visto o Recorrente a sua pretensão e versão dos factos ser-lhe negada fruto da factualidade apurada em sede de audiência de julgamento e ulteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação.

20) A questão que importa apurar é saber se o facto de ter sido apurada a culpa exclusiva do peão, atento os factos dados como provados, fica excluída a responsabilidade objectiva ou pelo risco do condutor do veículo.

21) Salvo o devido respeito por diversa opinião, cremos que a resposta a conferir a tal questão, ante o concreto circunstancialismo dos autos, há que ser negativa.

22) A este propósito e por facilidade, permitimo-nos recordar o raciocínio expendido nos doutos Acórdãos-fundamento, e que tão bem espelham a tese por nós propugnada, e de onde se destacam os seguintes trechos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2007, proferido no âmbito do Processo n.°1710: De acordo com a jurisprudência e a doutrina tradicionais, inspiradas no ensinamento de Antunes Varela, em matéria de acidentes de viação, a verificação de qualquer das circunstâncias referidas no art. 505° do CO - maxime, ser o acidente imputável a facto, culposo ou não, do lesado - exclui a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, não se admitindo o concurso do perigo especial do veículo com o facto da vítima, de modo a conduzir a uma repartição da responsabilidade: a responsabilidade pelo risco é afastada pelo facto do lesado.

Esta corrente doutrinal e jurisprudencial, conglobando na dimensão exoneratória do art. 505°, e tratando da mesma forma, situações as mais díspares - nas quais se englobam comportamentos mecânicos dos lesados, ditados por medo ou reacção instintiva, factos das crianças e dos inimputáveis, comportamentos de precipitação ou distracção momentânea, etc. - e uniformizando as ausências de conduta, as condutas não culposas, as pouco culposas e as muito culposas dos lesados, conduz, muitas vezes, a resultados chocantes.

Mostra-se também insensível ao alargamento crescente, por influência do direito comunitário, do âmbito da responsabilidade pelo risco, e da expressa consagração da hipótese da concorrência entre o risco da actividade do agente e um facto culposo do lesado, que tem tido tradução em recentes diplomas legais, que exigem, como circunstância exoneratória, a culpa exclusiva do lesado, bem como à filosofia que dimana do regime estabelecido no Cód. do Trabalho para a infortunística laboral. O texto do art. 505° do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco do veículo.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2012, proferido no âmbito do Processo n.°100/10.9YFLSB: O direito comunitário, apresentando-se como garante de uma maior protecção dos lesados (alargando o âmbito da responsabilidade pelo risco veio em várias directivas – consagrar a protecção dos interesses dos sinistrados, vítimas de acidentes de viação, numa sociedade como a nossa em que o excesso de veículos (estacionados ou em circulação) criou desequilíbrios ambientais limitou o espaço pietonal e aumentou potencialmente a sinistralidade.

Embora a escolha do regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação de veículos seja, em princípio, da competência dos Estados-membros impõe-se uma interpretação actualista das regras relativas à responsabilidade pelo risco, na consideração do binómio risco dos veículos/fragilidade dos demais utentes das vias públicas.

As disposições das directivas comunitárias em matéria de responsabilidade civil e seguro automóvel obrigatório nomeadamente da Directiva n.° 2005/14/CE de 11-05 devem estar presentes em sede de interpretação do direito nacional e nas soluções a dar na aplicação desse direito, razão pela qual não é compatível - com o direito comunitário - uma interpretação do art. 505.° do CC da qual resulte que a simples culpa ou mera contribuição do lesado para a consecução do dano exclua a responsabilidade pelo risco, prevista no art. 503.° do CC.

23) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, é forçoso concluir que o Mmo. Tribunal a quo, arredou a possibilidade da aplicação a tese actualista - Concorrência entre risco e facto do lesado.

24) Acresce ainda que, não podemos deixar de salientar que dos factos adquiridos, por provados, para as decisões, evidenciam uma situação que atina com uma concorrência de culpas entre o condutor do veículo e o facto do lesado.

25) Assim, temos por demais evidente que no caso sub judice, a absolvição da R. Seguradora não encontra arrimo nos artigos 503°, 505° e 570° do CC.

26) São, pois, estas, entre outras, as normas violadas pela decisão aqui posta em crise.

27) O que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos legais, nomeadamente para revogação, do douto acórdão recorrido, nos termos supra expostos.

A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: 1. Pretende o recorrente a alteração do decidido por entender existir erro na interpretação dos artigos 503.°, 505.° e 570.°, do Código Civil.

  1. Defende que se impõe nos presentes autos cumular a culpa do lesado com o risco do próprio veículo, consequentemente visa atribuir parte da responsabilidade pelo eclosão do acidente ao condutor do veículo seguro na recorrida.

  2. Dando a sentença recorrida como provado que o embate ocorreu em plena faixa de rodagem por onde circulava o veículo automóvel seguro na recorrida, por ter o autor realizado a travessia da faixa de rodagem fora passadeira de peões sita a cerca de 24,5 metros antes do local do embate, logo verifica-se que a conduta do recorrente é violadora do disposto no artigo 101.° do Código da Estrada.

  3. Tendo o acidente sido unicamente devido a atuação culposa exclusiva do lesado, a responsabilidade pelo risco deve considerar-se excluída nos termos do artigo 505.° do Código Civil.

  4. Alguém que segue apeado, realiza a travessia da faixa de rodagem fora da passadeira de peões sita a cerca de 24.5 metros antes do local do embate, considerando o sentido nascente/poente sem atentar, como devia, nas mais elementares regras de segurança, assume uma posição de autocolocação em perigo, mediante a assunção dos riscos próprios dessa travessia objetivamente contravencional, temerária e com especial aptidão para a...

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