Acórdão nº 418/14.1PTPRT.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto veio, em 15 de Julho de 2016, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 3 de Junho de 2016, no Proc. n.º 418/14.1PTPRT.P1 e transitado em julgado em 20 de Junho de 2016, alegando encontrar-se em oposição com aqueloutro da mesma Relação proferido no Proc. n.º 1/13.9PJMTS.P1 em 25 de Novembro de 2015 e transitado em julgado em 11 de Dezembro de 2015 (acórdão fundamento), com publicação em www.dgsi.pt, cuja solução disse acolher.

Recebido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, a conferência da 5.ª secção julgou verificada a oposição de julgados e determinou o seu prosseguimento.

Notificados os interessados, apenas o Ministério Público apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: “1. Quanto à questão de saber se, em concurso de crimes, havendo lugar à aplicação de penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, pp. no art.º 69.º, n.º 1, alínea a), do CP, estas penas acessórias deverão ser cumuladas materialmente, a nossa resposta não pode deixar de ser negativa.

  1. Acolhemos, antes, o entendimento de que devem ser observadas as regras do cúmulo jurídico estabelecidas nos art.ºs 77.º e 78.º do CP, na consideração do disposto no art.º 71.º do CP e no respeito dos princípios da necessidade, da mínima restrição dos direitos, da adequação e da proporcionalidade.

  2. Dando cumprimento ao que dispõe a norma do art.º 442.º, n.º 2, do CP, entendemos ser este o sentido da jurisprudência a fixar”.

  3. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência do pleno das secções criminais, cumprindo decidir.

  4. Previamente e dado que o pleno pode decidir em sentido contrário ao da conferência da secção (art.º 692.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP), importa verificar se, como esta decidiu, se verificam os pressupostos do recurso, designadamente a oposição de julgados.

    Os pressupostos formais e substanciais dos art.ºs 437.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 438.º n.ºs 1 e 2, do CPP, estão preenchidos: o recorrente dispõe de legitimidade, o recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido, foi devidamente identificado o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão fundamento), bem como foi mencionado o lugar da respectiva publicação, ambos são de tribunal da relação e transitaram em julgado, respeitam à mesma questão de direito, foram proferidos no domínio da mesma legislação (art.º 69.º, n.º 1, alín. a), do CP, cuja redacção, dada pela Lei n.º 19/2013, de 21.02, não sofreu qualquer modificação durante o intervalo da prolação de qualquer deles que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida) e assentam em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto, sendo expressa a oposição das respectivas decisões.

    O acórdão recorrido, nos termos do n.º 1 do art.º 78.º do CP, decidiu que, em caso de concurso de crimes de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do CP, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do art.º 69.º, n.º 1, alín. a), do mesmo diploma legal, estão sujeitas às regras do cúmulo jurídico estabelecidas nos art.ºs 77.º e 78.º do CP e devem ser graduadas dentro dos limites legais, nos termos do art.º 71.º do mesmo diploma, em consequência tendo mantido a sentença cumulatória da 1.ª instância que, a partir das penas acessórias parciais de proibição de conduzir veículos com motor pelos períodos de 4 meses e 15 dias e 5 meses e 15 dias, fixou em 8 meses a pena acessória única.

    Tal pronúncia foi proferida, no essencial, com base na seguinte fundamentação: “ (…) Sendo a pena acessória uma verdadeira pena, apresenta-se como consequência jurídica de um restrito número de factos típicos com relevância penal, residindo a sua especificidade no facto de a sua aplicação se encontrar dependente da aplicação da pena principal.

    Ora, se é uma verdadeira pena, então a sua medida é sempre a medida da culpa e toda a medida da pena que ultrapasse a medida da culpa é absolutamente ilegal (cfr. art.ºs 40.º, n.º 2 e 71.º, ambos do CP), sendo consensual que a medida da pena acessória é igualmente encontrada através daqueles critérios, conclui Faria Costa.

    Este Autor refere que o sistema do cúmulo apresenta-se de maior justeza pelo facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação das respectivas penas ganhem uma gravidade exponencial, porque vistos isoladamente ou compartimentados uns dos outros, gravidade essa que, obviamente, se reflectirá, em um primeiro momento, em uma culpa igual ou proporcionalmente grave e, em momento posterior, em pena de igual dosimetria à culpa, pois sendo a culpa relativa a cada facto ilícito-típico, tal redundará na ultrapassagem do limite da culpa.

    Por isso, só através do sistema do cúmulo jurídico é que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global, ou seja, só pelo exame dos factos em conjunto é que podemos avaliar a gravidade do ilícito e só através do cúmulo jurídico é possível proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não radica na sua personalidade, mas antes em factores exógenos.

    Exigência de culpa, de reintegração social e até mesmo de justa retribuição, obrigam o julgador a operar não o cúmulo material, mas sim o jurídico, porque só assim, com uma moldura penal abstracta da pena acessória encontrada nos termos do n.º 2 do art.º 77.º do CP, o julgador se pode afastar de uma pena fixa, igual à soma aritmética de todas as penas parcelares. Só desse modo o julgador conseguirá uma verdadeira individualização da sanção penal que não seja redutora da complexidade do caso concreto, encaminhando-se, então, para uma pena acessória justa porque respeitadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, continua Faria Costa”.

    O acórdão fundamento decidiu que em caso de concurso dos crimes de homicídio por negligência do n.º 1 do art.º 137.º e ofensa à integridade física por negligência do n.º 1 do art.º 148.º, do CP, há lugar a cúmulo material das respectivas penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, do n.º 1, alín. a), do art.º 69.º do CP (no caso fixadas pela 1.ª instância pelos períodos de 5 meses quanto ao 1.º crime e 4 meses quanto ao 2.º, cujo cumprimento sucessivo confirmou), assim consagrando solução oposta sobre a mesma questão de direito.

    Conforme o sumário que acompanha a publicação desse acórdão em www.dgsi.pt, “as penas acessórias, consistentes na proibição de conduzir veículos motorizados aplicadas por força do art.º 69.º, n.º 1,alín. a), do CP, em consequência da condenação por crimes rodoviários, não estão sujeitas a cúmulo jurídico”.

    Da fundamentação pode recortar-se que, “quanto a nós, adiantamos já seguir a tese dos defensores da acumulação material, por se nos afigurar a única defensável de iure constituto.

    É que, não obstante a fixação das penas acessórias funcionar dentro dos limites da culpa e visar, tal como a pena principal, exigências de prevenção, é hoje ponto assente a diferente natureza dos fins prosseguidos e dos objectivos de política criminal de cada um desses tipos de penas.

    Ninguém duvidando, no que à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados respeita e que ora nos ocupa, do seu implícito escopo de recuperação do comportamento estradal do autor do crime. Nomeadamente que nela, para além das exigências de prevenção gerais e especiais que contendem com a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, comuns à pena principal, está também presente o efeito de contribuição para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano e, mesmo, um efeito de prevenção geral de intimidação dentro dos limites da culpa.

    Por outro lado, o legislador penal disciplinou expressamente o regime da aplicação das penas acessórias em caso de concurso de infracções, seja ele originário ou superveniente, como decorre dos art.ºs 77.º, n.º 4 e 78.º, n.º 3, do CP. Estatuindo, no primeiro, a obrigatoriedade de imposição ao agente da pena acessória, ainda que prevista por uma só das leis aplicáveis. Consagrando, por sua vez, no caso de ocorrência superveniente do concurso, como regra, a manutenção das penas acessórias aplicadas na sentença anterior, admitindo, a título excepcional, a sua revogação por desnecessidade face ao teor da nova decisão; sendo que, se apenas aplicáveis ao crime que falta apreciar só serão decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.

    Não obstante esta regulação pormenorizada, em momento algum a lei prevê a imposição de pena acessória única, contrariamente ao que acontece com as penas principais o que, em face das suas diferentes naturezas, só poderá significar que o legislador quis excluir a possibilidade de realização de cúmulo jurídico para as penas acessórias”.

    A diversidade dos tipos legais de crime em apreciação num e noutro acórdão é para o caso despicienda, relevando, sim, a sua natureza de crimes relacionados com a circulação rodoviária a que seja aplicável pena acessória de...

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