Acórdão nº 534/16.5GALNH.L1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, proferiu acórdão em que decidiu: 1 - absolver o arguido AA, nascido em ..../1975, da acusação relativamente a -um crime de incêndio, p. e p. pelo artº 272º, nº 1, alínea a), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de dano qualificado, p. e p. pelos artºs 213º, nº 2, alínea a), com referência à alínea b) do artº 202º, do mesmo código; -dois crimes de violação de domicílio, p. e p. pelo artº 190º, nºs 1 e 3, com referência à alínea e) do artigo 202º, do CP; 2 – condená-lo: -a 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272º nº 1, alínea a), em concurso aparente com um crime de dano qualificado, p. e p. pelo artº 213º, nº 2, alínea a), com referência à alínea b) do artº 202º, ambos do CP; -a 4 meses de prisão, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, alínea b), do CP; e -em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 7 meses de prisão; -a pagar a BB e CC a quantia de 20 367,75 €, a título de indemnização, sendo 10 000 € por danos não patrimoniais.

O MP interpôs recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo e pedindo nos termos que se transcrevem: «1. A actuação naturalística do arguido configura a prática de dois crimes de incêndio.

  1. As residências incendiadas situam-se em imóveis distintos, duma mesma artéria, sendo uma no 2º andar dum prédio com o nº 4, e a outra no rés-do-chão do prédio com o nº ..., ambos no ....

  2. Ainda que os dois incêndios hajam sido executados um a seguir ao outro, foram executados de forma diversa, sendo que entre a comissão dum e a do outro o arguido teve necessariamente que dar vários passos que implicaram a existência duma dilação temporal, bem como duma nova reflexão sobre os meios de actuação e ainda uma reiteração da vontade de agir.

  3. Deste modo, os crimes de incêndio cometidos acham-se em concurso real um com o outro, sendo que ao decidir diversamente, o acórdão recorrido violou o disposto no artº 30º, nº 1 do Código Penal.

  4. A execução de crimes de incêndio em residências não implica que se haja de entrar dentro das mesmas para a comissão daqueles, bastando que se lance acelerante por uma janela e se lance fogo sobre o mesmo, funcionando o líquido assim derramado como um rastilho.

  5. No caso dos autos, o arguido quis executar os incêndios entrando nas habitações em causa, sendo bem visível como foi percorrendo e deambulando entre as suas várias divisões.

  6. Tais entradas nas habitações não surgem como meio essencial à prática do crime de incêndio, surgem, isso sim, como uma escolha, e reflexão, do arguido quanto ao modo e meios empregues na respectiva execução.

  7. Os bens jurídicos protegidos com as normas incriminadoras do crime de incêndio e do crime de violação de domicílio são substancialmente diversos: num temos a vida, a integridade física e o património de valor elevado, e no outro temos a reserva da via privada.

  8. Assim, deverá entender-se que os crimes de violação de domicílio cometidos se acham numa relação de concurso real com os crimes de incêndio, sendo que, ao decidir diversamente, o acórdão recorrido violou, uma vez mais, o disposto no artº 30º, nº 1 do Código Penal.

    Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso, deverá ser revogado parcialmente o acórdão recorrido, ordenando-se que, para além da condenação já decretada quanto a um crime de incêndio e a um crime de desobediência, seja ainda o arguido condenado, como autor material, e em concurso real, pela prática doutro crime de incêndio e de dois crimes de violação de domicílio, assim se fazendo Justiça».

    Interpôs também recurso o arguido, concluindo e pedindo nos termos que se transcrevem: «I - O recorrente foi condenado em autoria material pela prática de um crime de incêndio, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 272º, nº 1, alínea a), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de dano qualificado previsto e punido pelos artigos 213º, nº 2, alínea a), por referência à alínea b) do artigo 202º, ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. Foi também condenado como autor de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão. Em cúmulo jurídico pela prática dos dois crimes referidos, o arguido foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 7 (sete) meses de prisão.

    II - O arguido foi ainda condenado a pagar a BB e CC € 10.367,75 (dez mil trezentos e sessenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais e € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais conforme pedido.

    III - O arguido tem apenas uma condenação anterior, por um crime de ofensas à integridade física em concurso real com três crimes de dano, um crime de denúncia caluniosa e um crime de furto cuja condenação transitou já após a prática dos factos.

    IV - Salvo melhor opinião, os factos dados como provados relativamente a esta matéria, mais concretamente os pontos 37 a 40 da factualidade dada como provada não permitem suportar o valor do pedido e da respectiva condenação. O valor do pedido é manifestamente excessivo para defesa do direito indemnizatório, o que implica abuso do direito, obstando à sua procedência. A indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessiva e contraria a generalidade da jurisprudência.

    V - Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor, do arguido e contra ele, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados; as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

    VI - Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no artº 71º do CP. Nessa medida e no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no artº 71º do CP.

    VII - No que respeita à determinação da medida da pena, a mesma afigura-se excessiva considerando que o arguido praticou um único crime de incêndio e não se vislumbra como possa ser eventualmente possível fazer qualquer juízo de prognose no sentido de que possa eventualmente voltar a cometer o mesmo crime, o qual, aliás, nunca tinha cometido antes.

    VIII - Assim, é entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, que não deverá ultrapassar 4 anos e suspensa na sua execução, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando a substituição da douta sentença recorrida e decidindo-se como se propugna supra, determinando a alteração do valor do montante da condenação do pedido civil relativa aos danos não patrimoniais e a condenação, relativamente ao crime de incêndio, numa pena que não deverá ultrapassar os quatro anos de prisão suspensa na sua execução.

    Assim se fazendo a necessária e costumada JUSTIÇA».

    Os recursos foram admitidos.

    Respondendo ao recurso do MP, o arguido defendeu a sua improcedência.

    No Supremo Tribunal de Justiça, a senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer dizendo, em síntese: -A decisão recorrida não se mostra assinada pelo punho dos juízes que a proferiram, verificando-se assim irregularidade, que deve ser mandada suprir aquando da baixa do processo: -o recurso do arguido não merece provimento; -deve proceder o recurso do MP, condenando-se o arguido pela prática de dois crimes de incêndio e dois de violação de domicílio, nas penas de respectivamente, 5 anos e 6 meses, 5 anos e 6 meses, 8 meses e 8 meses de prisão; e -em cúmulo jurídico dessas penas com a pena de 4 meses de prisão imposta pelo crime de desobediência, deverá fixar-se a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.

    Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.

    Não foi requerida a realização de audiência.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação: Foram considerados provados os factos seguintes (transcrição): 1 - O arguido AA reside no ....

    2 - Na habitação imediatamente contígua à sua, sita na Fracção do ..., reside aos fins-de-semana DD, pessoa com a qual o arguido mantinha desentendimentos relacionados com a gestão do condomínio do prédio em que ambos residem.

    3 - Na mesma Urbanização, na Rua ...., é ainda residente BB, prima do arguido, com a qual este mantém quezílias de longa data, relacionadas com partilhas de bens.

    4 - No seguimento de tais desentendimentos, BB viria mesmo a apresentar queixa contra o arguido, a qual fez impulsionar o inquérito que correu seus termos pelo DIAP da ... com o NUIPC 665/11.8GALNH e em cujo âmbito, após julgamento, AA foi condenado pela prática de crimes de dano, furto, ofensa à integridade física simples e denúncia caluniosa, por sentença proferida em 08.07.2016, já transitada em julgado.

    5 - No dia 29 de Novembro de 2016, em hora não concretamente determinada, mas seguramente anterior às 11h00m, o arguido decidiu incendiar o interior das residências de DD e BB, destruindo-as.

    6 - Movido desse propósito, o arguido muniu-se previamente de diversas caixas de...

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