Acórdão nº 955/13.5TBVFR.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução18 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I M e R, instauraram acção com processo especial, em 21 de Fevereiro de 2013, pedindo a declaração da sua insolvência e a exoneração do passivo restante, alegando que estavam desempregados, que tinham pendentes vários processos de execução, alguns do ano de 2009, e que não eram proprietários de quaisquer bens, declarando, para este efeito, preencher todos os requisitos legais e que se comprometiam a observar todas as condições legalmente exigidas.

Por despacho de 19 de Agosto de 2013, foi declarado o encerramento do processo de insolvência, por ter sido constatada a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.

Sobre o pedido de exoneração do passivo restante, pronunciaram-se o AI pelo seu deferimento e os credores Banco Espírito Santo, SA, bem como o seu sucessor Novo Banco, SA, e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Vale do Sousa e Baixo Tâmega, CRL, no sentido do seu indeferimento.

Tendo sido informada a pendência de uma acção de impugnação pauliana com o n.º 0000, foi determinado que se aguardasse pela decisão definitiva e obtida esta, os Insolventes mantiveram o pedido de exoneração do passivo restante.

Por despacho de 1 de Março de 2017, foi indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo, por verificação das circunstâncias previstas nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE.

Inconformados os Insolventes interpuseram recurso de apelação, o qual veio a ser julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida.

De novo irresignados, vêm os Requerentes interpor recurso, agora de Revista, por oposição de julgados nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, apresentando para o efeito como Acórdão fundamento o Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Janeiro de 2011, aduzindo as seguintes conclusões em síntese: - A questão essencial nos autos, e a razão de ser do presente recurso de revista, prende-se com a aplicação, ou não, da alínea e) do n°l do artigo 238° do CIRE, estando o Acórdão da Relação do Porto de que agora se recorre em completa oposição aos Acórdãos que supra se acabou de indicar.

- O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de que agora se recorre, fala em fundamentos não totalmente coincidentes, "deixando cair" a alínea d) do n°l do artigo 238° do C.I.R.E., apenas considerando de aplicar a alínea e) dessa mesma norma; - Na opinião dos recorrentes, o Tribunal da Relação do Porto insiste na manutenção do erro do Tribunal da Ia Instância, se assim se pode afirmar, designadamente, na interpretação e aplicação que faz do artigo 186° do C.I.R.E., nos seus diferentes números.

- O Tribunal da Relação do Porto decidiu "remover" a fundamentação assente na alínea d) do n°l do artigo 238° do C.I.R.E., pugnando apenas pela alínea e) dessa mesma norma legal como causa bastante para indeferir as alegações de recurso e manter o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

- O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 25-01-2011, no âmbito do processo n°767/10.8T2VRB.Cl, no qual, por unanimidade, foi decidido que o prazo de três anos previsto no artigo 186.°, n.° 1, do CIRE igualmente se aplica às situações previstas no n.° 2 do mesmo preceito, o que infra se verá, face à factualidade dada como provada, será de grande utilidade para a argumentação aqui apresentada pelos recorrentes.

- O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de que agora se recorre, refere que a insolvência será culposa quando o devedor tenha feito desaparecer, no todo ou em parte, o seu património, assentando como se disse, na alínea a) do n°2 do artigo 186° e n°4 do mesmo artigo do C.I.R.E.

- Contudo, não se pode, entendem os recorrentes, lançar mão de forma simples do artigo 186° do C.I.R.E., nos seus n°2 e 4 e esquecer, pura e simplesmente, o disposto no n°l do mesmo artigo! - Isto porque, o artigo 186° do C.I.R.E., a mesma disposição legal que o acórdão da Relação do Porto lança mão, preceitua no seu n°l que a insolvência será culposa quando haja actuação dolosa por parte dos insolventes, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

- No caso dos autos deve-se apenas ter como ponto de referência e análise o n°l do citado artigo 186° do CIRE, o que entronca de sobremaneira com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 25-01-2011, acima sobredito.

- Conforme se referiu em sede de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância não respeita nem preenche as normas legais estatuídas no artigo 186° do C.I.R.E., designadamente o seu n°l; - O acórdão do Tribunal da Relação do Porto insiste e mantém o erro ao sustentar que a insolvência é culposa quando o devedor tenha feito desaparecer, no todo ou em parte, o seu património, assentando como se disse, na alínea a) do n°2 do artigo 186° e n°4 do mesmo artigo do C.I.R.E., olvidando o disposto no n°l do mesmo artigo.

- O n°l do artigo 186° do C.I.R.E. deve ser entendido e interpretado como limitador e delimitador de prazos e períodos temporais, ao referir expressamente "nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência".

- Mais concretamente, quando haja actuação dolosa por parte dos insolventes nos três anos anteriores ao processo de insolvência.

- Não é razoável proceder-se a uma interpretação extensiva de tais preceitos legais, tal como o Tribunal da Relação o fez, mantendo os insolventes reféns de tal disposição, fazendo perdurar tais efeitos no tempo, "amarrando" os insolventes.

- Tal disposição legal deve ser vista e interpretada como realmente é: uma norma taxativa! - Ou seja, aplicável a actos praticados nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência e não aplicável a actos supostamente produtores de efeitos que perduram no tempo, como que indefinidamente, e muito anteriores aos referidos três anos.

- A norma citada (n°l do artigo 186° do CIRE) prevê um prazo de 3 anos anterior à data da insolvência, porém, os negócios trazidos à liça, realizados pelos insolventes, ocorreram 04 anos antes do início do processo de insolvência, como tal, não devem caber na disposição do artigo 186°, n°l do C.I.R.E.

- Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, acima indicado, e que passamos a transcrever um dos seus parágrafos: " Com o respeito devido por diferente saber, a resposta deve ser positiva: a cláusula geral enunciada no n.° 1 estabelece um tempo relevante que não faz sentido ignorar quando se tipificam (no n. ° 2) situações de presunção de culpa. E se isso é válido, como defendemos, para qualquer insolvente, por maioria de razão valerá para o devedor singular, a quem se aplica o n.° 1 directamente e o n.° 2 apenas com as devidas adaptações. Importa dizer, voltando a considerações com que iniciámos esta análise, que o processo de insolvência é urgente também no seu sentido substantivo, ou seja, pretende acautelar com eficácia - o mais imediatamente possível - os seus fins e, por outro lado (também como se disse) a insolvência pode ser requerida, além do mais, por qualquer credor. Ou seja, quer pela finalidade do processo, quer pela legitimidade activa, mas igualmente pela leitura mais adequada que deve ser feita dos preceitos aqui invocados, não se compreenderia que os exemplos tipificados no n.° 2 do artigo 186." conduzissem (e conduzissem sempre) a um juízo de culpa, independentemente de terem decorrido há 5, 10 ou 15 anos".

- Ou seja, não seria justo que o juízo de culpa associado à dita alínea e) do n°l do artigo 238° do CIRE não ficasse dependente de um prazo, prazo este que é aquele que consta do n°l do artigo 186° do CIRE.

- Ora, se a matéria que é usada e alega no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de que agora se recorre, para determinar a conduta dos aqui insolventes como culposa e por consequência levar ao indeferimento do pedido de exoneração do passivo daqueles, não pode é aquele Tribunal da Relação subordinar tal conduta a nenhum prazo.

- Além de imoral, é em nossa opinião completamente ilegal.

- Como decorre da factualidade dada como provada, as escrituras de compra e venda realizadas pelos insolventes foram-no muito antes dos três anos anteriores à data da sua insolvência. E daí, o próprio administrador de insolvência nunca ter censurado a conduta dos insolventes.

- Se as escrituras foram realizadas muito tempo antes dos três anos previstos no citado n°l do artigo 186° do CIRE, é nosso entendimento que a alínea e) do n°l do artigo 238° do CIRE nunca se poderia ter dado como verificada, quer decisão da primeira instância, quer no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de que agora se recorre.

- Se a norma é taxativa e deve ser interpretada e feita aplicar como tal, ao estarmos a falar de actos que foram impugnadas judicialmente e que ocorreram num período cronológico de mais de 03 anos antes da data de apresentação dos recorrentes à insolvência, não se pode afirmar que esses efeitos perduraram ao longo...

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