Acórdão nº 1/18.2YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelVINÍCIO RIBEIRO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O requerimento 1. Com data de 4/1/2018, a Ex. ma Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de ..., AA, veio requerer a escusa de intervenção no processo 122/13.8TELSB apresentando o seguinte petitório: «AA, Juíza Desembargadora colocada no Tribunal da Relação de ..., vem, ao abrigo do disposto no artigo 43.°, n.ºs 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, solicitar que esse Colendo Tribunal a escuse de intervir no processo nº 122/13.8TELSB, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. BB, que, como é do conhecimento público, foi 1.º Ministro de Portugal em dois governos do Partido Socialista, é arguido no processo n.º 122/13.8TELSB.

  1. No dia 28 de Setembro de 2017, esse arguido apresentou na 1ª instância um pedido de declaração de impedimento do Sr. juiz de instrução no indicado processo, invocando para tanto o disposto no artigo 40.°, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal.

  2. Por despacho de 2 de Outubro de 2017, o Sr. juiz de instrução não reconheceu a existência de qualquer impedimento, tendo o arguido interposto recurso desse despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa.

  3. Esse recurso foi distribuído à ora signatária.

  4. A mesma é casada com CC, advogado, militante do Partido ..., actualmente a exercer funções como Deputado, o qual, em 2013, foi candidato a Presidente da Câmara Municipal de ... pelo mesmo Partido.

  5. No âmbito dessa campanha autárquica, a requerente foi fotografada ao lado do seu marido, com os seus filhos e o sogro, quando da apresentação da candidatura daquele e no momento em que era tomada pública a composição da comissão de honra dessa candidatura.

  6. O Conselho Superior da Magistratura, tendo tomado conhecimento dessas fotografias, considerou «verificada a existência de relevância disciplinar na conduta da Ex. ma. Sr. Desembargadora, por violação do disposto no artigo 11.º n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, embora repute a sua culpa de levíssima atendendo a todo o circunstancialismo envolvente de cariz atenuante, pelo que se justifica a aplicação de uma pena de advertência não registada».

  7. A requerente está, como sempre esteve, de consciência tranquila e bem ciente dos seus deveres estatutários, nunca tendo participado em qualquer campanha partidária do seu marido, como então teve oportunidade de esclarecer junto do CSM.

  8. Não obstante, quando da publicação do acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 01.12.2015, no processo 3405/08.5TDLSB.Ll, relatado pela signatária, que absolveu a arguida DD, que, como é publico, foi Ministra da Educação do primeiro governo socialista presidido pelo arguido BB, foram feitas referências na imprensa ao facto de a ora requerente "ter sido sancionada pelo CSM por ter andado a fazer campanha ao lado do marido ..." e afirmado ser a mesma "uma juíza ligada ao Partido ..." (cf. recortes de notícias juntos).

  9. A requerente não é, nem nunca foi militante do Partido ..., não sendo por isso que, tal como as pessoas em geral, não deixa de ter ideologia política, a qual, porém, nunca interferiu na sua capacidade de decisão enquanto juíza de direito e, agora Desembargadora.

  10. A requerente sempre procurou desempenhar as suas funções de forma isenta e imparcial, completamente indiferente à ideologia política dos sujeitos e dos intervenientes processuais.

  11. A requerente não conhece pessoalmente o arguido, nem nunca com ele conviveu ou com ele estabeleceu qualquer tipo de relação, nem mesmo através do seu marido, o qual, por razões político-partidárias, com aquele se relacionou apenas ocasionalmente.

  12. A imparcialidade do juiz, imanente ao acto de julgar e pressuposto de uma decisão justa, é essencial à confiança pública na administração da justiça e é "um direito fundamental dos destinatários das decisões judiciais, um dos elementos integrantes e de densificação da garantia do processo equitativo, com a dignidade de direito fundamental" (artigo 6.º, §1, da CEDH e artigo 14.º, n.º 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos).

  13. Nos termos do disposto nos nº.s 1, 2 e 4 do artigo 43.0 do CPP, "[o] juiz não pode declara-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir" quando "correr o risco de [a sua intervenção]ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade ".

  14. Conforme se escreveu no acórdão do STJ de 6 de Julho de 2005 (CJ, Acs. STJ, XIII, II, 236) «os motivos que podem afectar a garantia da imparcialidade objectiva, que mais do que do juiz e do "ser" relevam do "parecer", têm de se apresentar, nos termos da lei, "sérios" e "graves". ( ... ) não basta um qualquer motivo que impressione subjectivamente o destinatário da decisão relativamente ao risco de algum prejuízo ou preconceito que possa ser tomado contra si, mas, antes, que o motivo invocado tem de ser de tal modo relevante que, objectivamente, pelo lado não apenas do destinatário da decisão, mas também de um homem médio, possa ser entendido como susceptível de afectar, na aparência, a garantia da boa justiça, por poder ser externamente ( ... ) como susceptível de afectar (gerar desconfiança) a imparcialidade. ».

  15. Os factos acima apontados, não afectando embora a capacidade da signatária de apreciar e decidir as questões colocadas no indicado recurso de uma forma imparcial, podem constituir, no plano das representações da comunidade, num processo particularmente relevante e sensível como é o mencionado, um motivo sério e grave susceptível de gerar a desconfiança dos cidadãos quanto à imparcialidade da decisão que viesse a proferir, e, nessa mesma medida, desconfiança no sistema da justiça.

Termos em que, vem pedir a V. Excelências que lhe seja concedida escusa de intervir no indicado processo.

Junta: Cópia de 6 recortes de imprensa.» Os seis recortes de imprensa juntos pela requerente têm os seguintes títulos: ⁕ Relação absolve DD (recorte do semanário SOL de 1/12/2015, dando notícia da absolvição da ex-ministra da ... do Governo de BB, por parte dos desembargadores AA, relatora, e ... e ..., da prática do crime de prevaricação; celebração de contratos ilegais de prestação de serviços com o jurista EE, irmão de ..., ex-dirigente e ministro socialista); ⁕ Juíza ligada a ... iliba ex-ministra (recorte do Correio da Manhã de 2/12/2015, dando notícia da absolvição da ex-ministra da Educação do Governo de BB, por parte da R... em processo que teve como relatora a desembargadora AA); ⁕ DD afinal não cometeu o crime de prevaricação (recorte do jornal Público de 2/12/2015, dando notícia da referida absolvição, mencionando os nomes dos Desembargadores e tendo, também, uma caixa com a notícia específica sobre a relatora, a desembargadora AA, com o título A juíza e as acções de campanha do PS); ⁕ Juíza que ilibou DD repreendida por ir a acções de campanha do PS (recorte do jornal Público de 3/12/2015; alude à repreensão, no final de 2013, sofrida pela relatora, por parte do Conselho Superior da Magistratura); ⁕ Juíza que ilibou DD participou em campanha do PS (recorte do jornal Observador de 1/12/2015); ⁕ Saiba todos os pormenores que explicam a absolvição da ex-ministra DD (recorte do jornal Observador de 3/12/2015).

Todas estas notícias referem o facto de a requerente ser casada com um membro do partido socialista, candidato à presidência da Câmara de ..., em cuja campanha, em 2013, terá participado.

Os factos 2. Os factos a atender encontram-se descritos na peça que despoletou o presente processo, nomeadamente nos seus n.º 1 a 12 e 16 e nos anexos de imprensa que atrás referenciámos. 3. Não se nos oferecem novas diligências.

Cumpre apreciar.

  1. dos impedimentos, recusas e escusas O capítulo VI, relativo aos impedimentos, recusas e escusas (arts. 39.º a 47.º), está integrado no título I (Do juiz e do tribunal) do Livro I (Dos sujeitos do processo) do Código de Processo Penal tem como finalidade garantir a imparcialidade da jurisdição, bem como assegurar a confiança da comunidade relativamente à administração da justiça.

    De acordo com o n.º 9 do art. 32.º da CRP, que consagra o princípio do juiz natural,[1] “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”, Anterioridade e lei são vectores essenciais na concretização daquele princípio.

    Toda a causa deve ser julgada por um tribunal competente previsto nas leis de organização judiciária com critérios objectivos e não por juiz ou tribunal criado arbitrariamente ou ad hoc.

    Só assim se tutela eficazmente a independência (art. 203.º da CRP; art. 4.º do EMJ—L 21/85) e a imparcialidade[2] dos tribunais e, consequentemente, as garantias de defesa dos direitos, maxime dos direitos do arguido. Todavia, podem ocorrer circunstâncias que imponham, ou aconselhem, que o juiz a quem a causa foi atribuída, segundo as leis de organização judiciária pré-definidas, tenha que ser afastado do processo e substituído por outro.

    O legislador consagrou, para esse efeito, os impedimentos, recusas e escusas.

    Tal instituto, dado possibilitar o afastamento do princípio do juiz natural, deve ser utilizado, como a jurisprudência tem frisado[3], em moldes rigorosos e apenas em casos excepcionais ou situações limite.

    Os impedimentos, são de enumeração taxativa[4] e afectam sempre a imparcialidade e independência do juiz, enquanto a recusa e a escusa podem ou não afectar tais garantias Conforme escrevem Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Sujeitos Processuais Penais: O Tribunal, Coimbra 2015, estudo disponível em https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/1083, pág. 13, «A exigência de imparcialidade implica, desde logo, que o juiz não seja parte no conflito ou tenha nele um interesse...

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