Acórdão nº 390/09.0T2ODM.E1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Março de 2018
Magistrado Responsável | FÁTIMA GOMES |
Data da Resolução | 13 de Março de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA instaurou acção declarativa contra BB, S.A., pedindo a “improcedência” da denúncia do contrato de arrendamento rural que firmara com CC e o reconhecimento judicial de que o despejo da parcela arrendada põe em risco sério a subsistência do seu agregado familiar, bem assim como que lhe seja reconhecido o direito a remir o dito contrato, tornando-se “dono da parcela mediante o depósito do preço que vier a ser fixado”. Também pediu, a título subsidiário, que se lhe reconhecesse o direito a ser indemnizado pela ré pelo valor das benfeitorias que realizou no prédio em causa e que estimava em € 175.000, bem assim como o direito a reter a parcela em seu poder até efectivo e integral pagamento de tal montante.
A ré, BB, S.A. contestou a acção, impugnando parte da factualidade vertida na petição inicial e invocando que é dona e legítima proprietária da parcela de terreno em questão, que o contrato vigente foi, validamente, denunciado, e, finalmente, não estarem reunidos os pressupostos legais do exercício do direito de remição de que o primitivo autor, AA, se arrogava titular e que, em qualquer caso, entende não assistir ao autor. Também deduziu contra este último pedidos reconvencionais, pugnando no sentido de ser o mesmo condenado a reconhecer e respeitar o seu direito de propriedade sobre a mencionada parcela de terreno, a não realizar quaisquer outras construções/benfeitorias em tal parcela de terreno, cujo valor estima – nas suas palavras, por defeito - em € 36.000, sob pena de suportar os custos da respectiva demolição e remoção e, finalmente, a indemnizá-la pelo prejuízo que lhe vem causando a mera invocação “da pretensa remição”.
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Por sentença proferida em 4 de Março de 2014 foram habilitados os filhos de AA, o primitivo autor, DD, EE, FF e GG.
O processo seguiu o seu curso normal e veio a ser proferida sentença que decidiu julgar: a) improcedentes, por não provados, os pedidos formulados pelo autor, AA, a título principal, sob alíneas a) e b) do petitório, absolvendo dos mesmos a ré, BB, S.A.; b) parcialmente, procedentes, por provados os pedidos subsidiários formulados pelo autor, AA, sob alíneas c) e d) do petitório, condenando a ré, BB, S.A., no pagamento a seus filhos, DD, EE, FF e GG, da quantia total de € 113.778,16 (cento e treze mil, setecentos e setenta e oito euros e dezasseis cêntimos) e reconhecendo a estes últimos o direito a reter a parcela de terreno onde residem e que têm estado a explorar, melhor identificada no levantamento topográfico junto sob documento número 30 com a petição inicial, no relatório pericial de folhas 286 dos autos e, finalmente, na fotografia aérea de fls. 346, até efectivo e integral pagamento da mencionada quantia pecuniária, bem assim como absolvendo a ré, BB do mais que contra si vinha peticionado; c) parcialmente, procedentes, por provados, os pedidos reconvencionais deduzidos pela ré, BB, S.A., no âmbito dos presentes autos, declarando-a dona e legítima proprietária da parcela de terreno identificada em b), a qual faz parte integrante da denominada herdade das “HH”, prédio misto denominado “HH”, ali descrito sob a ficha número 347/19870109 e inscrito nas matrizes prediais rústica e urbana, respectivamente, sob os artigos 23 da secção EE1 e 223, condenando os reconvindos DD, II, FF e GG, a reconhecerem e respeitarem tal direito, abstendo-se de quaisquer actos ou condutas perturbadoras do mesmo e de o violar, apropriando-se de tal parcela ou onerando-a, directamente ou por interposta pessoa, bem assim como a não realizarem nela outras construções ou benfeitorias, com excepção – até ao final do presente ano agrícola - das que sejam as estritamente necessárias (ou seja, das que tenham por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da aludida parcela), absolvendo-os dos demais pedidos que contra si foram formulados.
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Inconformada com a decisão dela apelou a R. sociedade.
O Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão a 23 de Novembro de 2017, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar aos autores a quantia de 113.778,16 euros, condenando a Ré a pagar aos autores o valor da casa de habitação referida no ponto 12. da matéria de facto à data de 22.11.10, a liquidar ulteriormente, mantendo no demais a sentença recorrida.
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Novamente inconformada dela recorreu de revista a Ré sociedade, invocando violação de normas de direito substantivo, nos termos do art.º 671.º, n.º1 e 674.º, n.º1, al.a) do CPC.
Os AA. não apresentaram recurso do acórdão, mas contra-alegaram.
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Nas alegações de recurso, a Ré formula as seguintes conclusões (por transcrição): “1.º FUNDAMENTO: Do Essencial das Questões de Direito e das questões do presente Recurso e respetivos princípios e normas violadas: A) O Acórdão recorrido limitou-se genericamente e de modo minimalista aplicar o regime jurídico do D.L. 201/75, de 15/04, para efeitos da apreciação da questão da benfeitoria, quando, face ao disposto no artigo 36.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 385/88 de 25 de outubro deveria ter aplicado o regime jurídico do Decreto-Lei n.º 385/88; B) O regime jurídico do arrendamento rural é o de lei especial e também resulta dos elementos históricos e sistemáticos deste regime legal que, quanto à indemnização por benfeitorias o legislador, intencionalmente «deixou de fora a cessão por denúncia no termo do contrato; C) Não assiste aos Autores o direito à indemnização pela alegada benfeitoria; D) In casu existe uma res inter alia acta; E) A benfeitoria em causa foi realizada mais de 32 anos antes da Ré adquirir o prédio em causa. (1976 [data da conclusão das obras] – 2009 [data de compra pela Ré] = 32 anos); F) A Ré Não é a beneficiada direta ou imediata da benfeitoria e em nada se enriqueceu com a dita benfeitoria; G) Não há lugar a indemnização pela Ré aos Autores porque esta Não é a beneficiada direta ou imediata da dita benfeitoria; H) In casu estão em causa princípios fundamentais de direito e não se teve em conta na interpretação e aplicação de Direito, designadamente na aplicação da lei no tempo, o pensamento jurídico adequado e a unidade do sistema jurídico – artigo 9.º do Código Civil; 2.º FUNDAMENTO: Violação do Regime Jurídico do artigo 36.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 385/88 de 25 de outubro: A) A primeira questão de direito que se sujeita à apreciação é a da existência de res inter alia acta e a violação do disposto no artigo 36.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 385/88 de 25 de outubro, ou Novo Regime de Arrendamento Rural; B) A Recorrente na Apelação Não afastou a aplicação do Regime Jurídico do Decreto-Lei n.º 385/88; C) O que a Recorrente na Apelação foi que Não está prevista a indemnização para o caso sub judice porque in casu a cessação contratual decorreu da denúncia no termo do contrato; D) O DL 385/88 não contempla as benfeitorias nos casos de cessão do por denúncia no termo do contrato; E) A Apelação recorrida violou os dispositivos legais relativos à aplicação da lei no tempo, em especial e em concreto o disposto no artigo 36.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 385/88 de 25 de outubro, a propósito da questão de direito da indemnização pelas benfeitorias; F) O artigo 40.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 385/88, expressamente revogou as Leis 76/77, de 29/09, 76/79, de 03/12, que por sua vez revogaram o regime jurídico do D.L. 201/75, de 15/04; G) O artigo 36.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 385/88, veio estabelecer que o respetivo regime se aplicava de imediato aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor; H) O artigo 36.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 385/88 é uma norma especial de direito transitório, que se aplica a todos os contratos cuja denúncia tenha sido realizada já após o início da vigência deste Decreto-Lei, como sucedeu in casu, uma vez que a denúncia foi feita em 12-11-2009, com efeitos a partir de 22-11-2010; I) O regime jurídico do Decreto-Lei n.º 385/88 é um regime especial, tem normas de direito transitório, que também são especiais e que prevalecem sobre o regime geral do Art.º 12.º do Código Civil; J) O direito transitório e o respetivo regime a aplicar, in casu, é o do Decreto-Lei n.º 385/88 e Não o Decreto-Lei n.º 201/75, de 15/04; K) O que é essencial para efeitos de indemnização, em termos de aplicação da lei no tempo, é a data da denúncia, porque o facto jurídico denúncia é que é determinante para efeitos da eventual indemnização pela dita benfeitoria; L) In casu, os efeitos jurídicos da denúncia só operaram na vigência do Decreto-Lei n.º 385/88 e, por isso, é esta lei que se deve aplicar, segundo a melhor doutrina e jurisprudência relativa à aplicação da lei no tempo; M) Também face ao disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, os efeitos jurídicos da denúncia, terão de ser considerados ao abrigo da lei nova, uma vez que esta é o regime aplicável: o Decreto-Lei n.º 385/88; N) O novo regime do Decreto-Lei n.º 385/88, é manifestamente uma disposição sobre o conteúdo das relações jurídicas e dos efeitos das mesmas, pelo que, deverá, à luz das referidas normas, aplicar-se, de imediato, aos arrendamentos existentes à data da sua entrada em vigor e que ainda não tenham sido objeto de denúncia, como sucedeu no presente caso; O) O elemento decisório e definitivo para a questão da aplicação de direito, é o momento ou a data em que operam os efeitos jurídicos da denúncia; P) A denúncia do contrato é o facto fundamentador que faz desencadear, operar, os efeitos jurídicos dessa mesma denúncia, entre os quais, o eventual ou hipotético direito à indemnização pela benfeitoria; Q) Com o novo regime do Decreto-Lei n.º 385/88, o legislador manifestou uma vontade inequívoca, atual ou contemporânea com as novas circunstâncias económico-sociais, relativamente ao arrendamento e à questão da indemnização por benfeitorias nos termos do artigo 15.º do citado diploma; R) O regime do Decreto-Lei n.º 385/88 visou uma atualização à nova realidade social contemporânea e vigente, valores filosóficos ou de políticas sociais...
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