Acórdão nº 484/14.0T8LRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2018
Magistrado Responsável | SOUSA LAMEIRA |
Data da Resolução | 08 de Março de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.
AA, Lda, com sede em T…, instaurou acção declarativa comum contra BB - Sociedade de Locação Financeira, S.A., e Imobiliária CC, S.A. alegando, em síntese: É dona de um prédio urbano, sito em …, Castanheira do Ribatejo, e de um prédio rústico, sito também em …, Castanheira do Ribatejo, sendo que, por sua vez, é a 1ª Ré, também dona de outros 3 prédios [um rústico, e 2 mistos] sitos em C…, Castanheira do Ribatejo; Ocorre que, em 9/7/2014, a 1a Ré e a 2da, celebraram um contrato de compra e venda dos referidos três prédios da primeira, pelo preço global de 950.000 euros; A 1ª Ré, apesar de saber que a Autora dispõe do Dt° de preferência na referida venda, agiu porém de forma a que não lhe fosse permitido exercer o referido direito, maxime tendo por objecto um dos prédios vendidos e que é confinante com o pertencente à Autora.
Concluem pedindo: A) Que se reconheça à Autora o direito de preferência sobre o prédio rústico identificado no art. 4° da petição inicial, substituindo-se à 2ª Ré na escritura de compra e venda, passando esta a ser considerada sua proprietária para todos os efeitos legais; B) Que sejam as rés condenadas a entregarem o referido prédio à Autora, livre e desocupado; C) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 2ª Ré haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio e outras que esta venha a fazer, com todas as demais consequências que couberem ao caso.
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Regularmente citadas, contestaram ambas as rés, pugnando qualquer uma delas - no seguimento de impugnação motivada deduzida - pela improcedência da acção [considerando v.g. a 1ª Ré que, além de não se verificarem os pressupostos de facto do direito de preferência pela autora invocado, foi-lhe em todo o caso dada a possibilidade de o poder exercer, o que a autora descurou, desinteressando-se, e, aduzindo já a 2ª Ré que vedado estava à autora exercer o direito de preferência apenas relativamente a um imóvel, e, ainda assim, deixou caducar tal direito].
Concluem pedindo a improcedência da acção.
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Designada a realização de uma audiência prévia, veio a mesma a realizar-se sem que no seu decurso tenha sido alcançada a conciliação da partes, razão porque se proferiu então o despacho saneador, tabelar, e concedeu-se às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a pertinência de a acção poder de imediato [sem a realização de julgamento] ser decidida no sentido da respectiva improcedência, dispondo pretensamente os autos dos elementos para tanto necessários.
De seguida foi proferida sentença que decidiu o seguinte: «Face ao exposto, julgo a presente acção improcedente por ter ocorrido a caducidade do direito de exercer a preferência, absolvendo as rés de todos os pedidos formulados pela autora.
Custas pela autora, nos termos do art° 527°/1 e 2 do CPC, dado o total decaimento na acção».
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Inconformados, apelou a Autora AA, Lda para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 8 de Junho de 2017, decidiu «Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6a Secção Cível, do Tribunal da Relação de …, em, não concedendo provimento ao recurso interposto por AA, LDA: 7.1. - Introduzir alterações na decisão de facto proferida pela primeira instância; 7.2 - Manter/confirmar, ainda assim, e in totum, a sentença recorrida.
As Custas na apelação são a suportar pela Autora apelante».
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Inconformada a Autora AA, Lda, interpôs RECURSO DE REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: I - O douto acórdão do Tribunal a quo alterou a matéria de facto constante da alínea 2.6, acrescentando o seguinte: "(...) da Autora - de nome DD (...).".
II - Sucede, portanto, que o entendimento, por parte do douto Tribunal a quo, de que este funcionário é um funcionário da Autora altera totalmente a fundamentação da decisão.
III - Pois tal entendimento tem consequências directas na decisão sobre a recepção da comunicação por parte da Autora, não obstante estar totalmente incorrecto.
IV - Portanto, não se pode entender que a fundamentação seja igual, nos termos do artigo 671 °/3 do NCPC, inexistindo dupla conforme.
V - Nas suas alegações de recurso para o douto Tribunal da Relação de …, a Autora requereu que a matéria de facto fosse alterada para passar a constar do facto n° 5 que "A Autora tem a sua sede na Rua …, n° …, 8800-Tavira, onde se encontra instalado o gabinete de contabilidade, bem como o gabinete de contabilidade de mais de 150 outras entidades" e que constasse do facto n° 6 que "No dia 11 de Março, foi recepcionada por DD, funcionário do gabinete de contabilidade situado na Rua …, n° …, 8800-Tavira, a carta registada enviada pela 1a Ré nos termos constantes de fis. 41 a 43, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos", não tendo sido requerida pelas Rés qualquer alteração a nível de matéria de facto.
VI - Contudo, sem que tal fosse objecto de recurso, o douto Tribunal a quo decidiu alterar o facto n° 6 para ""A/o dia 11 de Março de 2014, na Rua …, n° …, Tavira, foi recepcionada por um funcionário da Autora - de nome DD – a carta registada enviada pela 1a Ré e com o conteúdo de fis. 41 a 43, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos".
VII - Esta alteração da matéria de facto, no sentido em que foi alterada, por parte do douto Tribunal a quo não só não foi requerida por qualquer das partes, como nunca poderia ocorrer, tendo em conta a prova produzida.
VIII - Nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Civil ex vi artigo 666° do mesmo Código, terá de se considerar o Acórdão como nulo por excesso de pronúncia, dado que, em vez de ter considerado as alegações das partes em relação à alteração da matéria de facto suscitada, alterou a matéria de facto em sentido totalmente diverso, sem ter, sequer, qualquer prova que consubstancie essa decisão.
IX - Como consta dos factos assentes, a escritura celebrada entre a 1a e a 2a Ré ocorreu no dia 9 de Julho de 2014, tendo sido referido na carta enviada à Autora que a escritura ocorreria a 26 de Março de 2014, facto que não consta dos factos assentes, mas deveria constar (sendo todavia referido nos fundamentos de direito).
X - Alegou a Autora, nos autos, que, havendo alteração das cláusulas contratuais, no que toca às condições de pagamento do preço (preço a pagar no acto de escritura, que ocorreu cerca de 3 meses mais tarde), esta teria de ser notificada, pois, com esta alteração, a Autora poderia ter exercido o seu direito de preferência, que não exerceu.
XI - Mas tal não foi apreciado pelo douto Tribunal de primeira instância, referindo-se apenas, de forma breve, na fundamentação de direito, que a escritura estava prevista para 26 de Março de 2014,o que implicou nulidade da sentença, nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
XII - Violando essa disposição, entendeu o douto Tribunal a quo que a sentença não padece de nulidade por omissão de pronúncia.
XIII - Ora, o que está aqui em causa não é a mera omissão de um facto, mas o incumprimento dos requisitos do artigo 416° do Código Civil, por parte da 1ª Ré, que não avisou que o contrato seria celebrado três meses após a data que tinha sido comunicada à Autora, sendo essa uma questão jurídica que deveria ter sido apreciada pelo douto Tribunal de primeira instância.
XIV - Não tendo por isso razão o douto Tribunal a quo, ao entender que inexiste nulidade da sentença.
XV - Por outro lado, entendeu o douto Tribunal de primeira instância, nos termos do artigo 595°, n° 1 b) do Código de Processo Civil, em sede de despacho saneador, que já se encontrava em posição de conhecer do mérito da causa, não tendo havido lugar a produção de prova, sendo que, neste caso, se estava perante questões controvertidas, nomeadamente se a carta foi correctamente expedida, recebida pelo correcto destinatário, se o foi em condições de ser por ele conhecida e a tempo de este exercer o seu direito de preferência.
XVI - Todavia, não só não foi permitida a produção de prova, como o douto Tribunal de primeira instância tomou posição sobre questões que não poderia ter conhecido, sem provas, entre as quais a questão relativa à recepção da comunicação relativa à preferência.
XVII - Veio, posteriormente, o douto Tribunal a quo alterar sem qualquer base na prova a matéria de facto, entendendo, com base numa pretensa confissão que nunca existiu, que o funcionário que assinou o aviso de recepção é funcionário da Autora, mais uma vez sem qualquer prova existente nesse sentido.
XVIII - O funcionário em causa não é subalterno da...
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