Acórdão nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA intentou, em 11.01.2015, ação declarativa sob a forma comum contra BB - Contabilidade, fiscalidade e Gestão, Lda, pedindo que se declare nulas as deliberações sociais constantes da Ata nº 9 da sociedade ré ou, em alternativa, se proceda à anulação destas mesmas deliberações sociais.

  1. Citada, a ré contestou.

    3. Findos os articulados, em 5 de julho de 2016, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor: « Notifique o autor para proceder ao registo da ação – art. 9º do CRC, ficando a instância suspensa».

  2. Em 23 de janeiro de 2017, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor: «Atenta a falta de impulso processual das partes e o disposto no art. 281º, nº 1 do CPC, julgo deserta a instância».

  3. Inconformado com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o Senhor Juiz Desembargador relator proferido, em 29.05.2017, decisão sumária que julgou procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento da ação, designadamente com a notificação das partes para se pronunciarem sobre a paralisação processual.

  4. Inconformado com esta decisão, o autor reclamou para a conferência, na sequência do que o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 27.09.2017, manteve a decisão singular que revogou a decisão recorrida. 7. Inconformado com esta decisão, dela interpôs o autor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. Não obstante o devido respeito por opinião contrária, não pode a Recorrente concordar com o Acórdão proferido a fls.. do processo, razão pela qual pugna pela sua substituição por outro que confirma sentença proferida em sede de primeira instância.

  5. No entender da Recorrente, a decisão da Relação do Porto não promoveu por uma correta aplicação da lei processual, mormente dos artigos 281.°, 195.°, 199.° do Código de Processo Civil (doravante CPC), concluindo, dessarte, por uma decisão que não se considera justa.

  6. Determina, o n.° 2 do referido artigo 671.° do CPC que os acórdãos que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista (b) quando estejam em contradição com outro já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou (a) nos casos em que o recurso é sempre admissível.

    Ora, nas alíneas do n.° 2 e do n.° 3 do artigo 629.° do CPC, procedeu, o legislador, à identificação das decisões relativamente às quais é sempre possível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, prevendo-se, então, na alínea d) do n.° 2, como situação em que o recurso é sempre admissível, aquela em que o acórdão da Relação se encontra em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

  7. Salvo melhor opinião, o que se discute, no âmbito dos presentes autos, é da validade da decisão judicial, de fls. 82 do processo, que julgou deserta a instância e da consequência da falta de arguição, pelo A., no prazo de dez dias a contar daquele despacho, de nulidade por omissão de ato devido.

  8. No entender do Tribunal a quo, não só o tribunal de primeira instância andou mal quando determinou a deserção da instância, como, mais considerou, que a arguição da existência de uma irregularidade processual, com influência no exame ou decisão da causa, pode ser feita em sede de alegações recursórias, apresentadas para lá do prazo de dez dias previsto na lei processual civil para a arguição de nulidades.

  9. Não obstante a vénia que o mui douto Tribunal nos merece, certo é que o seu sentido decisório não é acompanhado por toda a jurisprudência.

  10. Concretamente, em situação fáctica em tudo idêntica, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1-7, sem prejuízo do mais, que a decisão que declara a deserção da instância tem efeito declarativo não constitutivo, de modo que, após a ocorrência da deserção (inércia de seis meses e um dia) e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais praticados, de forma espontânea, pela parte anteriormente relapsa são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico, sendo inidóneos a precludir a declaração de deserção, sendo que a omissão de tal despacho integra a nulidade que deve ser arguida pela parte sob pena de não ser, posteriormente, passível de recurso por inexistência de despacho a sancionar a nulidade.

  11. Salvo melhor opinião, é a Recorrente da opinião que o acórdão acima citado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1-7, datado de 20-12-20169, constitui válido fundamento para solicitar que a matéria sob discussão nos presentes autos seja submetida à consideração deste Supremo Tribunal de Justiça, por, no fundo, ser a mesma a questão de direito que motivou a decisão de improcedência, no caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (doravante apenas designado como acórdão fundamento), e de procedência, no caso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

  12. Tanto o processo da ação referida no acórdão fundamento como o da presente se encontram sujeitos às regras processuais constantes do Código de Processo Civil, publicado em anexo à lei n.° 41/2013, de 26 de junho.

  13. Mais ali se pode ler que foi por não se conformar com a decisão que põe termo ao processo, dela apelou a autora, formulando as suas conclusões, onde, em síntese, entende ser errada a interpretação que o tribunal fez do art. 281.°, n.° 1 do CPC, no sentido de ser de decretar a deserção da instância sem prévio convite à parte para se pronunciar quanto à existência de negligência, e também quanto à inatividade da parte.

  14. Por seu lado, nos presentes autos, a decisão do douto tribunal a quo decorre do facto de o A. não se ter conformado com a decisão proferida em 23.01.2017, com o seguinte teor "Atenta a falta de impulso processual das partes e o disposto no art. 281" n." 1 do CPC, julgo deserta a instância. ", sendo que, previamente a este, [Por despacho exarado em 5 de julho de 2016 foi determinado a notificação do autor " para proceder ao registo da ação - art. 9" do CRC, ficando a instância suspensa". ( cfr. relatório do Acórdão constante de fls. do processo) 12. No entender da Recorrente, o que se analisou no âmbito do processo que deu origem ao acórdão fundamento é, em tudo, semelhante ao que se discutiu nos presentes autos e deu origem à decisão recorrida, a saber: (i) em ambos os processos foi proferido despacho que decretou deserta a instância e extinto o processo, sendo que (ii) o que esteve na base de tais despachos foi a ausência de intervenção processual do Autor, no processo, por mais de seis meses e (iii) os despachos que declararam extintas as instâncias não foram precedidos de qualquer expresso alerta à cominação constante do artigo 281.° do CPC, bem como de qualquer convite prévio à pronúncia sobre a negligência processual (iv) que a falta desse convite ou do alerta à cominação constante do artigo 281.° constitui nulidade processual.

  15. Igualmente, em ambos os processos, o tribunal de recurso decidiu pronunciar-se sobre as alegações recursivas dos respetivos autores, tendo, em ambas as decisões, sido proferidas considerações sobre a correta interpretação do artigo 281.° do CPC e sobre o momento em que os autores deveriam ter arguido a dita nulidade processual.

  16. Sucede que, e aqui reside a génese e fundamento do presente recurso, se no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1, os Excelentíssimos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, entenderam que a decisão da deserção, ainda que obrigatória, se limita ao reconhecimento de um facto extintivo da instância que ocorreu quando se verificaram seis meses após o último ato processual do autor, e que a falta de atuação preventiva do tribunal - no sentido da audição das partes, previamente à prolação do dito despacho constitui uma nulidade processual, essa nulidade processual tem de ser obrigatoriamente arguida no prazo de dez dias contados da data em que foi proferida a decisão de extinção da instância, sem prejuízo de qualquer ulterior recurso.

  17. E isto porque, se bem o interpretamos, entendeu o Coletivo que, na medida em que apenas a arguição e reconhecimento da nulidade têm o efeito de anular os termos dos atos subsequentes que dela dependam absolutamente; apenas essa arguição é capaz de salvar o processo da extinção, na medida em que, a deserção ocorre pela simples ausência de intervenção processual, não justificada, pelo prazo de seis meses, o que a decisão se limita a declarar.

  18. Ou seja, e uma vez mais se bem o interpretamos, para que a instância não fosse declarada extinta, era obrigatório anular no processo os pressupostos que conduzem à deserção da instância (o decurso do tempo) e esse efeito retroativo ablativo apenas pode ser alcançado por via da atempada arguição da nulidade; tempo esse que é de dez dias e se conta a partir da decisão de extinção da instância, não se confundindo com o recurso da decisão final nem podendo servir como seu fundamento, porque consolidado na ordem jurídica, uma vez que, acrescentamos nós, se tratam de nulidade que não são de conhecimento oficioso.

  19. Por seu lado, na decisão recorrida, o douto tribunal a quo considerou que a omissão do dever de audição das partes prévio das partes, quanto à intenção do tribunal de declarar a deserção da instância, pode ser feita em sede de alegações recursórias, o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, se mostra absolutamente contrário àquela outra decisão proferida no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1...

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