Acórdão nº 2170/13.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, BB, CC, DD, EE e FF instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra GG e mulher, HH, II, JJ e KK, pedindo que se declare nulo o testamento datado de 25 de Maio de 2011, cuja assinatura é atribuída a LL no Cartório Notarial de MM, sito em …, na Rua …, nº 119, lavrado a fls. 129 e 129 verso do livro de notas para testamentos públicos número um daquele Cartório, de que são beneficiários os RR., alegando que quando o fez a testadora se encontrava incapacitada de entender o sentido das suas declarações, sendo que, na ausência desse testamento, seriam eles, AA., os herdeiros da testadora.

Os RR. contestaram por impugnação, pugnando pela improcedência da acção.

A fls. 620 foi proferida sentença que, considerando não só não terem os AA. logrado provar factos integradores da invocada incapacidade acidental (ainda que considerando que eles lograram provar padecer a testadora de doença incapacitante ela não se mostrou em estádio capaz de pôr em causa a capacidade da testadora) como poder ter-se por segura a capacidade da testadora em função da qualificada garantia conferida pela intervenção notarial na outorga do testamento, julgou a acção improcedente, não declarando a invalidade do testamento.

Inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de …, começando por invocar a falta de independência e imparcialidade do juiz a quo, e pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 743 foi proferida a seguinte decisão: “Termos em que se decide: - julgar improcedente a invocação de falta de imparcialidade por parte da Mm.a juiz a quo; - alterar a matéria de facto nos termos acima indicados; - na procedência da apelação, revogar a sentença recorrida e, em substituição, declarar inválido, por anulabilidade, o testamento de LL, lavrado no Cartório Notarial de MM em 25MA12011, a fls. 129 e 129v. do livro de notas para testamentos públicos número um daquele Cartório.” 2.

Vêm os RR. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: A. Os ora Recorrentes vêm apresentar recurso do Acórdão da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de … que, ao contrário da decisão do tribunal de 1.ª instância que negou provimento à pretensão dos Autores, ora Recorridos, veio revogar tal decisão, referindo, assim, que deve ser considerado inválido, por anulabilidade, o testamento de LL; B. Consideram os ora Recorrentes que a questão que importa tomar em consideração no presente recurso - e que importará para uma correcta decisão da causa pelo Supremo Tribunal de Justiça - é, fundamentalmente, uma questão de direito que parece, de facto, ter sido "esquecida" pelo Tribunal a quo. Vejamos: C. Dispõe o Código Civil, como princípio geral, no artigo 2188.°, a capacidade testamentária, considerando-se, no artigo seguinte, que não são capazes, para este efeito, quer os menores não emancipados, quer os interditos por anomalia psíquica; D. Ora, face ao supra exposto, à data da outorga do testamento, LL (a testadora) não era nem menor, nem estava interdita por anomalia psíquica, pelo que terá de se concluir que, à data de 25 de Maio de 2011 (data da outorga do testamento), a mesma tinha plena capacidade testamentária (ou seja, "cabia" na regra geral); E. Os Recorridos intentaram o presente processo porque, segundo eles, na data em causa, a testadora estava incapaz de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade, isto é, estava incapacitada acidentalmente, de acordo com o disposto no artigo 2199.° do Código Civil; F. Nos termos do n.° 1, do artigo 342.° do Código Civil, "àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", significando, assim, que, no presente processo, era aos Autores, aqui Recorridos, que competia provar a totalidade dos factos demonstrativos da eventual incapacidade acidental; G. Ou seja, sobre os Recorridos recaía o ónus de provar, não apenas genericamente, mas de forma detalhada e com a segurança e certeza exigidas, que, no exacto momento da outorga do testamento, LL encontrava-se totalmente desprovida das suas capacidades cognitivas e volitivas (conforme, aliás, é jurisprudência unânime, referindo-se, a título de exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 14/10/2008, Processo n.° 0823266, disponível para consulta em www.dgsi.pt, bem como o Acórdão da Relação do Porto, de 8/05/2000, BMJ, 497.°- 444, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24/05/2011, Processo n.° 4936/04.1TCLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt); H. E não se diga que incumbe aos Recorridos "apenas" fazer prova da incapacidade; na verdade, o ónus da prova dos factos demonstrativos de tal incapacidade deverá recair sobre o momento da feitura do testamento, ou seja, a pretensão dos Recorridos só deveria ser julgada procedente se se viesse a demonstrar que, no exacto momento da outorga do acto notarial, não se encontrava verificado o requisito da capacidade, o que não se fez; I. Os ora Recorridos limitaram-se a procurar fazer prova da incapacidade "geral" da testadora, por causa da sua alegada doença, sem, contudo, fazerem qualquer referência ao momento da outorga do testamento, conforme exigência legal e entendimento unânime da jurisprudência, não resultando, pela análise de toda a prova produzida, a prova de qualquer vício de vontade no exacto momento do acto notarial em análise; J. Concluindo, sem prejuízo do supra exposto, deve o Acórdão do Tribunal a quo ser revogado por, entre outros aspectos, não ter tomado em consideração as regras referentes ao ónus da prova; K. Os Autores do presente processo quiseram, de facto, "construir" a ideia que a testadora, padecendo da doença de Alzheimer, estava num estado de permanente incapacidade, razão pela qual, teria necessariamente que se concluir que, na data da outorga do testamento, estaria também verificado o tal requisito de incapacidade; L. No entanto, bem se sabe que o facto da testadora padecer de Alzheimer (ou até mesmo de demência, em razão da referida doença) não poderá implicar, sem mais, uma incapacidade constante e profunda (até porque, no caso concreto, o diagnóstico médico refere uma doença provável); M. Ou seja, jamais poderá existir um nexo de causalidade entre a referida doença e a conclusão que, à data da outorga do testamento, a testadora não estivesse dotada das suas plenas capacidades mentais a fim de compreender e querer o conteúdo das suas declarações; N. Neste sentido, saliente-se, para além do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 31/1/1991, que é também entendimento da jurisprudência que, por exemplo, uma sentença que decrete a interdição não é, por si só, suficiente para se considerar que o testamento é anulável: é, de facto imprescindível que se prove que, no exacto momento da outorga, o/a testador/a não tinha capacidade para testar; O. Pela análise dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo a única conclusão que, de facto, se poderá retirar, é que, no dia da outorga do testamento, LL tinha, de facto, algumas limitações físicas, não se podendo, porém, concluir que, atendendo à doença de que padecia (cujo diagnóstico foi apenas apresentado como provável, relembre-se) a mesma não se encontrava capaz de exprimir a sua vontade; P. E não se aceite que a decisão do Tribunal a quo foi sustentada com base na "demência moderada" (diagnóstico que foi apresentado); é que, sendo tal conceito de demência bastante relativo, importará então concretizar em que termos é que se manifestou, in casu, essa patologia na referida LL, concluindo-se pois que, na data da outorga do testamento, os sintomas eram maioritariamente (ou até mesmo exclusivamente) físicos, de acordo com os factos provados pelo já referido Tribunal a quo; Q. Assim, mais uma vez se refira que não foi feita qualquer prova de que LL não estivesse em condições de entender o que estava a fazer, quando respondeu à Notária, perante as duas testemunhas e quando outorgou e assinou o testamento; R. Mais, tendo o testamento sido exarado perante notário - como foi - existe uma forte presunção de que a testadora tinha, à data, aptidão para entender o que declarara; S. É que, de facto, tem vindo a ser entendido pela nossa Jurisprudência e Doutrina, que a simples presença do notário, que é um funcionário especializado que goza de fé pública, aditada à das duas testemunhas que, segundo o art.67°, n°s 1, al. a) e 3, do Código do Notariado, devem presenciar o acto, é uma primeira e qualificada garantia de que a testadora gozava, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade; T. Cumpre ao notário, além do mais, verificar se os declarantes (in casu, a testadora) reúnem ou não as condições físicas e psíquicas que lhes permitam entender o seu conteúdo, o que foi feito no caso concreto; ou seja, mantendo-se o aspecto formal de todos os testamentos, não se pode, "de ânimo leve", passar despercebida a certificação, que também neste, que o testamento "foi lido em voz alta à testadora e à mesma foi explicado o seu conteúdo na presença simultânea de todos os intervenientes"; U. A confirmação do discernimento de LL, encontrando-se incluída no testamento em apreço, adquire força probatória plena, nos termos conjugados dos artigos 377.° e 371.°, ambos do Código Civil; V. Ora, não tendo os Recorridos impugnado tal força probatória, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 372.° do Código Civil e com fundamento na sua falsidade (hipótese que presentemente se encontra precludida em função das regras processuais que se impõem), não poderá consequentemente colocar-se em crise a veracidade de tal asserção e, em particular, o efectivo e atestado carácter livre, autónomo, consciente e intencional das declarações que prestou; W. Tal como bem se...

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