Acórdão nº 1011/16.0T8STB.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2018
Magistrado Responsável | ROSA TCHING |
Data da Resolução | 01 de Março de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. O Ministério Público instaurou a presente ação de processo comum contra AA e mulher, BB, e CC e marido, DD, pedindo a declaração de nulidade das escrituras de justificação notarial, datadas de 2/1/2015 e através as quais os 1os RR. e os 2os RR. obtiveram, respetivamente, o reconhecimento de posse prolongada sobre cada uma das duas parcelas de terreno destacadas de prédio rústico, com áreas inferiores à unidade de cultura fixada na Portaria nº 202/70, de 21/4, em violação do disposto no artº 1376º, nº 1, do C. Civil.
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Citados, contestaram os réus, alegando que os dois prédios em causa foram adquiridos por usucapião, face a posses, de uns e de outros, respetivamente, que se prolongam desde pelo menos 1988, irrelevando, por isso, a proibição constante do art. 1376º, nº 1 do C. Civil.
Concluíram pela improcedência da ação.
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Após o saneamento do processo, foi proferido despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação.
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Inconformado com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão proferido em 08.06.2017, julgou improcedente o presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
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Inconformado com esta decisão, veio o autor deduzir revista excepcional, invocando para o efeito, a existência dos pressupostos da mesma referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 672º do CPC, tendo o Coletivo da Formação a que alude o nº 3 deste mesmo artigo, decidido admitir excecionalmente a revista interposta.
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O autor terminou as suas alegações do recurso de revista excecional interposto para o Supremo Tribunal de Justiça com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I - O acórdão ora recorrido encontra-se em contradição com o douto acórdão do STJ proferido em 30/4/2015, no Proc. n° 10495/08.9TMSNT.L1.S1, debatendo ambos a mesma questão fundamental de direito e tendo sido proferidos no domínio da mesma legislação, uma vez que, embora tenha sido entretanto publicada a Lei n° 111/2015, de 27/8, que procedeu à alteração do disposto no art° 1379° n° 1 do Código Civil, tal alteração não constituiu fundamento para a decisão proferida no acórdão recorrido.
II - Todavia, mesmo que porventura possa entender-se não estarem reunidos os pressupostos previstos na referida al. c) do n° 1 do art° 672° do NCPC, mostram-se inteiramente preenchidos os pressupostos previstos nas als. a) e b) da mesma norma, dado que, atenta a matéria em causa - a prevalência ou não da usucapião sobre as regras impeditivas do fracionamento - estamos perante "interesses de particular relevância social" e se tratar de questão com relevância jurídica manifesta, face às correntes jurisprudenciais contraditórias, que necessita de ser apreciada "para uma melhor aplicação do direito".
III - Mostram-se, pois, reunidos os pressupostos da revista excepcional previstos no art° 672° n° 1 als. a), b) e c) do NCPC, sendo, por isso, a mesma admissível.
IV - O art° 1287° do C. Civil, exclui a possibilidade de se verificar a usucapião quando haja " disposição em contrário", e tal disposição em contrário é a constante do art 1376° n° 1 do CC, que impede o fracionamento de parcelas inferiores à unidade de cultura, não sendo exigível que tal norma afirme expressamente a exclusão da usucapião.
V - Os interesses que a norma do art° 1376° n°1 do CC visa salvaguardar são manifestamente de interesse público, tendo em vista a estruturação fundiária nacional e o ordenamento territorial em termos socialmente adequados, sendo os actos cometidos em violação da mesma geradores de nulidade, nos termos do art° 294° do CC.
VI - Ao alterar a redacção do disposto no art° 1379° n° 1 do CC, passando a impor a sanção de nulidade para os actos de fracionamento violadores da unidade de cultura, a Lei n° 111/2015, de 27/08, reafirmou o carácter imperativo dessa norma e confirmou, sem qualquer dúvida, a não prevalência da usucapião sobre as regras legais de proibição de fracionamento.
VII - O legislador demonstrou claramente, na exposição de motivos da Lei n° 111/2015, que pretendeu intervir "através da possibilidade de impedimento dos atos jurídicos que contrariem esses limites, com o objetivo de se garantir a sustentabilidade das estruturas fundiárias." VIII - Assim, é de acolher, no caso dos autos, a posição jurisprudencial que decorre do douto acórdão fundamento, a qual foi já igualmente sufragada pelo Ac. do STJ de 26/1/2016 e pelo Ac. da Relação de … de 25/5/2017, decidindo no sentido de que a usucapião não prevalece sobre as regras de proibição do fracionamento rural.
IX - Uma vez que, na presente acção, cada uma das parcelas fracionadas tem uma área de 0,3787 ha, inferior à unidade de cultura - quer à prevista na Porta n° 202/70 (0,5 ha), quer à prevista na Porta n° 219/2016 (2,5 ha) - não pode a usucapião ser reconhecida como eficaz, dado que não prevalece sobre a norma imperativa de proibição de fracionamento contida no art° 1376° n° 1 do C, Civil.
X - Não tendo assim decidido violou o douto acórdão recorrido o disposto nos art°s 294°, 1287°, 1376° e 1379° do Código Civil, devendo ter interpretado os mesmos com o sentido que decorre das conclusões que antecedem».
Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido e a sua substituição por outro que julgue procedente a ação.
8. Os réus responderam, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido. 9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*** III. Delimitação do objecto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].
Assim, a esta luz, a única questão a decidir traduz-se em saber se a verificação dos pressupostos da usucapião relativamente a uma parcela de prédio rústico com área inferior à unidade de cultura, resultante de mera divisão material, conduz ao reconhecimento do direito de propriedade sobre a dita parcela de terreno com base na usucapião.
*** III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto As instâncias deram como provados os seguintes factos: «1. Os 1.º e 2.º Réus outorgaram escritura de justificação no Cartório Notarial de … de EE, no dia 02.01.2015, exarada de fls. 82 a fls. 87 do Livro de escrituras diversas n.º 11-A, na qualidade de justificantes.
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Na escritura id. em 1., os 1.º e 2.º Réus declararam: 2.1 Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do: prédio rústico, com a área total de três mil setecentos e oitenta e sete metros quadrados, composto por parcela de terreno com horta e árvores de fruto, sito em Sesmaria …, freguesia e concelho de Palmela, que confronta a norte com FF, a sul com GG, a nascente com caminho público e poente com CC, ao qual atribuem o valor de € 250,00.
2.2 Que o indicado prédio rústico está ao presente inscrito na matriz cadastral da União de Freguesias do Poceirão e Marateca sob parte do artigo 253, da secção 1L5, que proveio do artigo 125 e este do 40 da secção L5 da freguesia de Palmela, sendo na matriz seus titulares para efeitos fiscais, o justificante marido e sua irmã CC.
2.3 Que o mencionado prédio rústico, na Conservatória competente é parte do ora descrito sob o número treze mil cento e cinquenta e dois de treze de Outubro de dois mil e dez da referida freguesia de Palmela, extratação do descrito sob o número dez mil setecentos e noventa e seis do Livro B-34, com inscrição de aquisição, em comum e partes iguais a favor de: a) AA e mulher, BB, e; b) CC e marido, DD, casados sob o regime de comunhão geral de bens, residentes em Cajados, Palmela, pela inscrição requisitada pela apresentação noventa e um de vinte e um de Fevereiro de dois mil, extratação da inscrição número trinta e quatro mil e cinquenta e oito a folhas cento e onze, do Livro G-81.
2.4 Que o referido HH que também usou II, faleceu no dia vinte e dois de Outubro de mil novecentos e oitenta e quatro, no estado de casado com JJ no regime de comunhão geral de bens, tendo-lhe sucedido como herdeiros a então cônjuge sobreviva, presentemente falecida, sucedendo-lhes os filhos de ambos, AA e CC.
2.5 Que por morte do mencionado HH, se procedeu a inventário que correu seus termos no Tribunal de Círculo e Comarca de …, com o número sessenta e dois barra oitenta do então quarto juízo, segunda secção, e nele o prédio rústico, ora a usucapir constituía verba número sete e nesse título foi adjudicado em comum e partes iguais, aos dois filhos do “de cujus”, AA e CC, esta então menor, por sentença transitada em julgado a treze de Outubro de mil novecentos e oitenta e sete, e finda a partilha, no caso judicial, cada um dos dois referidos herdeiros, foi considerado, desde a abertura da herança, titular do direito a ele adjudicado no inventário.
2.6 Que, assim os dois referidos herdeiros, AA e CC, são titulares do prédio a eles adjudicado em comum e partes iguais, desde vinte e dois de Outubro de mil novecentos e oitenta e quatro.
2.7 Que no primeiro trimestre de mil, novecentos e oitenta e oito, os ora primeiros outorgantes e a outra comproprietária CC, intervindo nesse acordo a sua representante legal, sua mãe, acordaram as partes verbalmente não continuar na situação de compropriedade resultante do inventário e, assim, por acordo, também verbal, dividiram o prédio de que eram co-proprietários, em dois novos prédios, sendo um deles o prédio no início identificado, que foi adjudicado a estes, ora usucapientes.
2.8 Que logo nessa data, ela primeira outorgante e posteriormente ela e seu marido o demarcaram, limparam, trataram e podaram as árvores neles existentes, plantando batatas e semeando outros produtos hortícolas, substituíram cepas velhas por novas, colheram...
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