Acórdão nº 17082/17.9T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução21 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório: 1.

O Ministério Público intentou a presente ação especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho contra Rádio Televisão de Portugal, S.A., pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a ré e AA, desde 1 de outubro de 2014.

Para o efeito, alegou em síntese, que a trabalhadora desempenha a sua atividade de jornalista na Editoria de Cultura da Direção de Informação da empregadora, sendo que, para o efeito: (i) exerce as suas funções em local pertencente à empregadora, embora também realize parte dessas funções no exterior, designadamente para efeito de recolha de material para reportagem; (ii) utiliza, para o exercício das suas funções, os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora; (iii) observa, tendencialmente, horas de início e termo da sua atividade, determinadas pela empregadora, sendo que, não podendo cumprir esse horário, tem de o comunicar, a fim de ser substituída, não lhe sendo, contudo, descontado o período de ausência; (iv) possui um endereço eletrónico institucional, fornecido pela empregadora, no qual recebe e efetua as comunicações relacionadas com a sua atividade; (v) acede às instalações da empregadora através de um cartão que, por esta, lhe foi fornecido; (vi) aufere, da empregadora, com periodicidade mensal, a quantia de € 1.500,00, valor que lhe é pago por transferência bancária, sendo dada, pela empregadora, a correspondente quitação sob a forma de recibos/faturas; (vii) desempenha a sua atividade para a empregadora, em regime de exclusividade, desde 2014; (viii) recebe ordens, orientações e instruções que lhe são dadas pela Coordenadora da Editoria da Cultura, bem como de outros coordenadores de informação, sendo a atividade que desempenha sujeita a fiscalização; (ix) está integrada numa equipa constituída por três jornalistas, uma realizadora/produtora e uma coordenadora.

  1. A ré contestou: (a) excecionando a nulidade da ação em virtude de: (i) estar limitada (proibida), sem a necessária autorização governamental, no que respeita à constituição de relações de trabalho subordinado por ser uma entidade do sector público empresarial do Estado; (ii) está impossibilitada, pela mesma razão, de reconhecer eventuais situações de trabalho dependente, uma vez que, fazendo-o, estaria a assumir uma relação jurídica nula e cuja invalidade é insuprível; (iii) também o tribunal estar impossibilitado de reconhecer eventuais situações de trabalho dependente, atenta a originária nulidade da relação jurídica. (b) excecionando a invalidade da participação da ACT, porque: (i) inexiste um comportamento culposo da empregadora; (ii) foi determinada à empregadora a prática de um ato ilegal; (iii) inexiste ilicitude no comportamento da empregadora; (c) excecionando a possibilidade de os vínculos existentes apenas poderem ser regularizados através do PREVPAP; (d) excecionando a inaplicabilidade da ação de reconhecimento de contrato de trabalho à RTP em virtude de ser uma empresa do sector público empresarial do Estado. (e) excecionando a litispendência especial ou atípica e o risco de casos julgados opostos. (f) excecionando a extemporaneidade da participação da ACT. (g) excecionando a violação do direito de defesa. (h) impugnando os factos constantes da petição inicial, alegando, em síntese, que se não mostram preenchidos os factos base da presunção a que alude o art.º 12.º, do Código do Trabalho. (i) requereu a suspensão da instância durante a tramitação do PREVPAP. Conclui pela sua absolvição da instância ou, caso assim se não entenda, pela sua absolvição do pedido. Caso assim não se entenda, conclui pela suspensão da instância até à decisão final a produzir no âmbito do PREVPAP. 3.

    Foi proferido saneador no qual foram julgadas improcedentes as exceções de natureza dilatória invocadas pela ré e indeferida a requerida suspensão da ação.

    4.

    Notificada para o efeito, a trabalhadora não apresentou articulado próprio, nem constituiu mandatário, não tendo, igualmente, apresentado requerimento por via do qual aderisse ao articulado do Ministério Público.

    5.

    Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, após fixar a matéria de facto provada e não provada, julgou procedente a exceção perentória da nulidade da contratação, tendo absolvido a ré do pedido. 6.

    O Ministério Público interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que julgou a apelação procedente e revogou a sentença recorrida, determinando o prosseguimento da ação para o conhecimento do mérito da causa.

    7.

    Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: I. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - que revogou a douta Sentença de 1.ª instância e determinou que os autos prosseguissem para julgamento - não ponderou minimamente as consequências dessa decisão, fazendo uma errada interpretação e aplicação do Direito.

    1. É reconhecido, quer pelas partes quer pelas instâncias, que, caso se conclua que o contrato existente com a Recorrente configura um contrato de trabalho, o mesmo é nulo por não ter sido precedido da indispensável autorização governamental exigida pela legislação orçamental aplicável à Recorrente.

    2. Do prosseguimento dos autos pode resultar uma decisão prejudicial ao Interessado e contrária ao fito da própria ARECT: em vez de se proceder à regularização da situação de errado enquadramento contratual, o Interessado pode ficar colocado numa posição pior daquela em que se encontra. Pior ainda, ficar impossibilitado de conseguir a regularização da sua situação através do único meio que o permite, ou seja, através do PREVPAP.

    3. Por isso, nas mais de duas centenas de decisões dos Tribunais do Trabalho que julgaram ações iguais à presente, considerou-se que o processo não devia prosseguir para julgamento.

    4. Os Tribunais do Trabalho alcançaram que o que está em discussão nestas ações não é saber, em abstrato e sem atender aos especiais contornos das situações sub judice, se a nulidade do contrato de trabalho obsta à utilização da ARECT.

    5. A necessidade de ponderar as consequências da decisão obriga a que se atenda à circunstância de, no caso dos autos como nos demais idênticos, a eventual declaração da existência de um contrato de trabalho conduzir à inevitável cessação da relação contratual, impedindo que se regularize a situação através do PREVPAP (que não pode ser desconsiderado, no contexto factual e jurídico em que os presentes autos se inserem).

    6. E como nesta ação não é possível tratar dos efeitos decorrentes da declaração de existência de contrato de trabalho (válido ou inválido) - que não são, contrariamente ao defendido na decisão recorrida, os do artigo 121.° e seguintes do Código do Trabalho, posto que a lei orçamental se sobreporá, atento o seu valor reforçado -, o Interessado não obteria qualquer consequência favorável com o prosseguimento dos autos.

    7. A decisão sob recurso, ao ordenar o prosseguimento dos autos, fez errada aplicação das regras legais que disciplinam a ARECT, em especial da norma vertida no artigo 186.°-N do CPT, que manda o Tribunal conhecer e julgar das nulidades de que obstam ao prosseguimento da ação.

    8. O não prosseguimento dos autos para julgamento implicará que o Interessado não só manterá a relação contratual com a Recorrente, como poderá ver corrigido, no âmbito do PREVPAP, o enquadramento contratual que lhe foi dado, considerando-se que existe um contrato de trabalho válido e eficaz com os direitos e deveres inerentes.

    9. E na eventualidade de a conclusão apurada em sede do PREVPAP ser no sentido de o contrato do Interessado não constituir um contrato de trabalho, nem por isso este fica impedido de, caso não concorde com a qualificação, fazer valer a sua posição em tribunal, propondo uma ação judicial com processo comum, onde peticionará que o tribunal declare a natureza da relação contratual com a Requerente e a condenação desta nos efeitos daí decorrentes.

    10. O Tribunal da Relação, para além de desatender injustificadamente às consequências da sua própria decisão, desconsidera ainda, inconsistentemente, a vigência e os objetivos do PREVPAP, que no presente se afigura como o mecanismo de combate à precaridade (definido pelo Estado) adequado à regularização da presente situação, ao qual deve ser dado prioridade.

    11. E a interpretação que se plasmou no Acórdão proferido nos presentes autos mostra-se até contrária ao artigo 202.° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que em nada contribui para a justa composição do litígio e agrava a posição do Interessado retirando-lhe a possibilidade de regularizara sua situação.

    12. Para além de violar o princípio da limitação dos atos processuais (cfr. artigo 130.° do Código de Processo Civil), destinado a evitar a prática de atos processuais (a audiência de discussão e julgamento) que se revelam, não tanto desnecessários mas sobretudo perniciosos, bem como de se mostrar incompatível com o princípio ínsito no artigo 9.°, n.º 3, do Código Civil.

    13. Pelo que, no quadro de ponderação de consequências, impõe-se que o Supremo Tribunal siga o único caminho que permite a regularização da situação contratual em apreço, revogando, em todo e qualquer caso, a decisão recorrida, repristinando a decisão da primeira instância ou, se assim achar melhor, alterando tal decisão no sentido da absolvição da instância ou até mesmo consentindo na...

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