Acórdão nº 1859/16.5T8PTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Março de 2018
Magistrado Responsável | JÚLIO GOMES |
Data da Resolução | 21 de Março de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 4.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça Relatório A Autora, AA, intentou processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra o Réu, Banco BB, SA, apresentando o competente formulário e requereu que fosse declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento, com as legais consequências.
Frustrado o acordo em audiência de partes, foi o Réu notificado para apresentar articulado motivador do despedimento, o que veio a fazer, onde pugnou pela licitude e regularidade do despedimento da Autora. Disse, em suma, que a Autora incorreu em 13 dias úteis seguidos de faltas injustificadas. E apesar de interpelação expressa, nunca apresentou qualquer documento justificativo da ausência.
A Autora veio apresentar contestação dizendo, em suma, que tinha motivos sérios para não ter comparecido ao seu local de trabalho e, por outro lado, que foram criadas expectativas sérias e fundadas de que as suas ausências seriam imputadas a título de férias. Pediu, por isso, que fosse declarado ilícito o despedimento e que o Réu fosse condenado a: a) Reintegrá-la no seu posto de trabalho, com respeito pela sua categoria, retribuição, local de trabalho e demais direitos e regalias; b) Pagar-lhe as retribuições intercalares, com juros sobre o respetivo vencimento, descontadas que sejam as quantias legalmente devidas; c) Pagar-lhe, pelo menos, € 15.000, a título de danos morais.
O Réu defendeu a improcedência do pedido deduzido e apresentou pedido reconvencional, o qual foi admitido.
No final da audiência de discussão e julgamento a Autora declarou optar pela reintegração.
Foi, posteriormente, proferida sentença com o seguinte teor: “Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, declarando ilícito o despedimento da autora promovido pelo banco réu, absolvendo-o do demais peticionado, condena-se o réu "BB, S.A.": - a reintegrar a autora AA no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; - a pagar à autora AA as retribuições vencidas e vincendas que deixou de auferir desde a data do despedimento (22/07/2016) até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do artigo 390.º n.º 1 do Código do Trabalho, sujeitas à dedução do que esta recebeu (nesse período) a título de subsídio de desemprego; - a pagar à autora AA a indemnização de € 10.000 (dez mil euros)”.
Inconformado, o Réu recorreu, impugnando parcialmente a matéria de facto, por um lado e pedindo que fosse revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que considerasse lícito o despedimento verificado e absolvesse o Réu dos pedidos feitos pela Autora.
A Autora contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso interposto pelo Réu e a manutenção da sentença recorrida.
Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação com o seguinte teor: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação da ré improcedente quanto ao despacho recorrido, mantendo o efeito devolutivo do recurso, e improcedente quanto à impugnação da matéria de facto e procedente quanto à questão de direito e considerar que a empregadora teve justa causa para despedir a A., sendo lícito o seu despedimento, pelo que decidem revogar a sentença recorrida na parte impugnada e absolver a ré do pedido.” Inconformada a Autora interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1.º Não obstante a sua capa de aparência formal de licitude, a decisão ora em apreço enferma de errada aplicação do direito, desde logo por fazer equivaler, sem mais, os dias de ausências à justa causa, não se tendo atendido às razões subjacentes às mesmas, à prática anterior de substituição de ausências por dias de férias, ao comportamento dos superiores hierárquicos da Trabalhadora, ao estado de espírito da mesma e ao facto de a mesma não ter passado disciplinar ou faltas injustificadas prévias. Ora, 2.º A jurisprudência, tem sido unânime no sentido de afirmar que, mesmo nos casos em que se verifica o número de faltas previsto, para que exista justa causa é forçoso que se demonstre a impossibilidade de manutenção da relação laboral, o que, in casu, não se verificava. Na verdade, 3.º A Trabalhadora tinha motivos sérios e ponderosos para não ter comparecido ao seu local de trabalho e para, temendo pela sua integridade física, se ter mantido no resguardo do seu lar, como resultou provado dos factos n.° 23, 24 e 25. E, 4.º Esta mera circunstância, principalmente quando associada ao facto de terem sido criadas expectativas sérias e fundadas de que as suas ausências seriam imputadas a título de férias, basta, a nosso ver, para que se confirme a ilicitude do despedimento. Até porque, 5.º Após a aparição do dito cidadão à porta de casa da Recorrente, nesse mesmo dia 21 de Março de 2016 e de imediato, a Trabalhadora solicitou ajuda ao irmão que, inclusivamente, se deslocou de imediato a casa dela e viu o dito indivíduo, à porta, posto o que este a acompanhou ao posto médico, onde o médico, Dr. CC, a aconselhou a ficar de baixa, atento o estado em que se encontrava. Sucede que, 6.º Com vista a não causar constrangimentos na agência e pensando nos seus colegas, a Trabalhadora julgou ser menos prejudicial alterar as suas férias e imputar esse período de ausências a dias de férias, até porque a imputação de dias de férias não era uma prática estranha no seio do Empregador, como se demonstra pelo teor dos documentos constantes de fls. 145-180 e resultou provado no facto 25. Dito de outra forma, 7.º A Trabalhadora poderia ter optado por permanecer de baixa médica, na sequência do que lhe fora aconselhado, o que não fez para não sobrecarregar os colegas e por julgar que, atenta a prática que sempre fora seguida, que poderia substituir as ditas ausências por dias de férias, à semelhança do que fizera nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 (isto no período compreendido entre 2011 e 2015...) – cfr. Facto n.° 25. Ainda assim, 8.º Não obstante estar em pânico e medicada, a Trabalhadora demonstrou preocupação, efectuando sucessivas chamadas telefónicas e enviando emails, aos quais nunca obteve resposta.
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É violador do princípio da boa fé, princípio este que se aplica a ambos os outorgantes num contrato de trabalho, que, em primeiríssimo lugar, não se responda às comunicações da Trabalhadora, criando-lhe a mais do que legítima expectativa de que a substituição seria, como fora em anos anteriores, autorizada, comportamento omissivo perpetrado pelo Senhor DD, para, depois, num segundo momento, aquando do seu regresso, se lhe exigirem justificações para a dita substituição (o que, em si, radica desde logo num vício de raciocínio, porquanto, a ser assim, então não haveria necessidade de qualquer substituição...), sendo que, após a reunião solicitada por aquela ao superior hierárquico de ambos, lhe foi transmitido que não existiria problema e que deveria retomar o trabalho normalmente, pelo que esta não curou mais de arranjar os ditos comprovativos.
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Os factos que integram os pontos 6, 8, 10, 26, 27, 28, 29 e 37 são, também e por si só, aptos a criarem a fundada convicção de que a Trabalhadora julgou e pensou poder imputar tais dias a férias, até porque não apenas o escreveu reiteradamente, como tais comunicações não foram contrariadas pelo seu superior hierárquico.
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Tal convicção, não apenas gerada por conduta sua mas, ao invés, por condutas de terceiros, só veio a ser abalada com o recebimento do vencimento e com a notificação da suspensão preventiva - factos n.ºs 41 e 42. Ora, 12.º Não pode, portanto, concluir-se sem mais, como se fez no acórdão ora recorrido, que a Trabalhadora nunca juntou os ditos comprovativos. Até porque 13.º Por um lado, tal sucedeu mais de um mês depois das ditas ausências, sendo que a Trabalhadora não tinha comprovativos de todos os dias, tendo feito a prova em tribunal de que fora aconselhada a manter-se em casa - factos n.º 8 e n.º 9. Mas, 14.º Acima de tudo, a Trabalhadora não juntou os comprovativos que tinha porque o superior hierárquico do próprio Senhor DD, Dr. EE lhe disse para estar descansada, ordenando-lhe que retomasse o trabalho – já referido facto n.º 40. Ora, 15.º Se a Trabalhadora tivesse sido informada ab initio, isto é, quando começou a faltar, que as suas ausências não seriam substituíveis por dias de férias, teria seguramente recorrido à situação de baixa médica, mas, volvido um mês sobre tais ausências, o dito recurso à situação de baixa, que lhe foi expressamente aconselhado, era inviável. E, 16.º Uma vez mais ressalvado o devido respeito, quer a preocupação da Trabalhadora que, insistentemente enviou comunicações, quer a própria conduta dos dois superiores hierárquicos da Trabalhadora, a saber o Senhor DD (que nunca lhe respondeu e apenas no seu regresso se limitou a solicitar comprovativos para uma troca que, até então, nunca careceu de outro elemento que não o pedido do Trabalhador) e o Senhor Dr. EE (que expressamente disse à Trabalhadora para retomar o trabalho normalmente, sem requerer a junção de quaisquer comprovativos...), quer, por último, o estado anímico da Trabalhadora, o qual foi dado como provado que era, já então, de depressão, não podem deixar de relevar para efeitos de consideração da (in) existência de justa causa. Nestes termos, 17.º A decisão recorrida não apenas não contempla ou considera o enquadramento factual que esteve subjacente às ditas faltas como, ainda, desatende ao próprio estado anímico da Trabalhadora.
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Como é entendimento absolutamente pacífico entre nós, mesmo nos casos em que os trabalhadores dêem mais de cinco faltas consecutivas, não basta a sua constatação para que se considere existir justa causa, antes se exigindo, também, que o comportamento revista um grau de gravidade que torne inexigível a manutenção da relação de trabalho.
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Os factos que deram origem às faltas, isto é, a presença de um arguido, anterior namorado da Trabalhadora e que matara o então namorado por...
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Acórdão nº 2815/21.7T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Setembro de 2022
...de justa causa para o despedimento”. O tribunal “a quo” baseou o seu argumento em dois acórdãos, um do STJ de 21/03/2018 proc. nº 1859/16.5T8PTM.E1.S1 e um outro acórdão da Relação do Porto de 23/04/2018 proc. nº 6516/17.2T8VNG. P1, que no nosso modesto entender nada tem a ver com a present......
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Acórdão nº 612/18.6T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Maio de 2019
...6.ª ed., pág. 24. [7] Loc. cit., pág. 340. [8] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2018 (Proc. 1859/16.5T8PTM.E1.S1), em...
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