Acórdão nº 184/13.8TBTND.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA intentou, em 09/04/2013, a presente acção declarativa, sob a forma sumária, contra EDP - Distribuição de Energia, S.A.

, pedindo a condenação da R. a, a expensas suas, alterar o local de implantação do poste de média tensão situado a cerca de 3,9 m da casa de habitação da A.

Alegou em síntese que, junto à casa onde reside, existe um poste de média tensão integrado numa linha propriedade da R. que, para além de causar ruído do transporte da energia, causa ruído com o vento e cria campos magnéticos que lhe afectam o descanso e a saúde.

A R. contestou por excepção, invocando a incompetência material do tribunal, competência que atribuiu ao tribunal administrativo; e por impugnação, alegando que a linha se encontra licenciada, é verificada periodicamente, as emissões magnéticas da linha se encontram dentro dos parâmetros legais, não causando mais barulho que os restantes objectos que se encontram à volta da casa tais como árvores.

A fls. 51, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada excepção de incompetência material dos tribunais judiciais.

Por sentença de fls. 153 foi a acção julgada procedente, condenando-se a R. a remover o poste de média tensão que implantou próximo da casa da A.

Inconformada, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de … da decisão que julgou improcedente a excepção de incompetência material e da sentença, pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão da Relação foi decidido não conhecer do recurso da decisão que julgou improcedente a excepção de incompetência material e julgada improcedente a impugnação da matéria de facto. A final foi proferida decisão, julgando improcedente o recurso e confirmando a decisão da 1ª instância.

  1. Veio a R. interpor recurso de revista, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões (sem autonomizar a questão da admissibilidade da revista excepcional da questão de mérito): I - Compulsada toda a prova produzida e dada como assente nos autos, não existe nenhuma demonstração feita pela autora recorrida de que de 1985 até 2013, esta ou os seus antecessores, alguma vez, tenham reclamado junto da ré recorrente de que a linha eléctrica e o poste produziam qualquer ruído incomodativo, fosse pontual ou permanente; II - Por conseguinte, durante 28 longos anos, pôde a recorrente explorar normalmente a identificada linha eléctrica de serviço público, proceder a todas as acções de conservação e manutenção previstas na lei, que permitiram que a mesma, ainda hoje, a esta data, possa abastecer energia eléctrica a freguesia de … - T...; III - Neste sentido, a conduta da recorrida ao longo do tempo reforçou a confiança, estabilizou a expectativa da ré recorrente de que passado tão grande período de temporal, nada a iria obrigar a rever ou a colocar em causa um traçado de linha cujo projecto foi aprovado pelo Estado Português; IV - Resulta claro, salvo melhor opinião, que a conduta da recorrida configura um procedimento abusivo violador dos princípios da boa-fé e da confiança, estando assim reunidos todos os pressupostos para aplicação, por este Ilustre Supremo Tribunal de Justiça, do instituto do Abuso de Direito (art° 334 do C. Civil).

    V - É pacífico em toda a comunidade científica especializada em redes eléctricas que as linhas de 15kV não produzem ruídos. O chamado "efeito coroa" apenas se verifica em tensões superiores a 330kV, ou seja, em redes de muito alta tensão (MAT).

    VI - Sem prejuízo do exposto, o tribunal a quo fez, igualmente, uma errada qualificação jurídica da factualidade dada como assente, porquanto se, de facto, a linha ou mesmo o apoio em causa produzissem o referido "ruido permanente", este teria de ser sindicado no âmbito do DL 9/2007, de 17 de Janeiro (Regulamento Geral do Ruído). Deste diploma importa realçar o seu art.4° onde se refere que, as fontes de ruido suscetíveis de causar incómodos podem ser submetidas a licenças especiais de ruído.

    VII - Ora, sendo competência do Estado a prevenção e o controlo da poluição sonora parece claro que se a linha eléctrica da recorrente produzisse, de facto, um ruído audível e incomodativo esta licença teria sido necessária para o seu estabelecimento. O que não é exigido no Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas.

    VIII - Ora, no que respeita à ilicitude, pressuposto essencial da responsabilidade civil que se imputa à ré recorrente, não resulta provado em sede de matéria de facto, que a linha eléctrica em causa nos presentes autos violasse quaisquer parâmetros estabelecidos no Regulamento Geral do Ruído, pelo que a ilicitude deveria ter-se, automaticamente por excluída em razão dos valores da prossecução e da concretização do bem - comum ou do interesse público, valores que devem prevalecer sobre os direitos ao repouso e a um ambiente de vida humano, sadio e equilibrado, tudo por via da concordância prática consagrado no artigo 335° do Código Civil.

    IX - Considera a recorrente essencial e relevante para uma melhor aplicação do direito, no que concerne ao Regime Jurídico do Licenciamento de Instalações Eléctricas, previsto no DL n°26/852, de 30 de Julho de 1936, que se entenda que a recorrente EDP Distribuição ao possuir Licença de Estabelecimento para a Linha Eléctrica 15kV para o PTD n°125/TND, em …, T..., concedida por despacho emitido pela Direção Geral de Energia- Ministério da Industria e Energia a 11 de outubro de 1985, representa que esta decorre de um processo administrativo complexo, com vista a obter aprovação do projecto final, envolvendo inúmeros estudos técnicos antes da implantação efetiva e definitiva de qualquer apoio, realizado por engenheiros projectistas, que certificam que o traçado onde será estabelecido a linha é o mais adequado tecnicamente, que as potências e cargas estabelecidas são as indicadas para a zona em questão e que são cumpridas todas as normas regulamentares em matéria de segurança de pessoas e bens, sob pena do Estado Português não conferir o correspondente licenciamento.

    X - Bem como fez, o Tribunal Recorrido, uma errada aplicação das normas legais, ao decidir como decidiu, na ponderação que fez dos dois direitos em confronto, optando por um dos direitos em detrimento do outro, i.é, obrigando a recorrente a retirar o apoio e a linha do local onde se encontra legalmente estabelecida há 28 anos (!!!), com a fundamentação de que a recorrente, apesar de ter demonstrado que a linha eléctrica se mantinha em exploração devidamente licenciada e em estrito cumprimento das normas de segurança aplicáveis, nomeadamente quanto às distâncias mínimas admissíveis dos condutores aos edifícios e ao solo, teria ainda de alegar e demonstrar a "inconveniência" ou a "impossibilidade técnica" de uma outra solução ou alternativa de traçado da linha; XII - Estão igualmente em causa no presente processo, interesses de particular relevância social. Configurando-se a situação dos presentes autos num conflito de direitos que deverá ser analisado à luz do artigo 335° C.C. e sendo certo que os direitos de personalidade são direitos fundamentais, prevalecendo, por serem de espécie dominante, sobre os demais direitos, em caso de conflito, nomeadamente sobre o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma atividade comercial, porém, mesmo o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses.

    XIII - O acórdão recorrido está, ainda, em clara contradição com o entendimento vertido no do douto Acórdão do Tribunal da Relação de … de 06/12/2005, porquanto, manifestamente, a...

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