Acórdão nº 3289/09.6TBMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018
Magistrado Responsável | HELDER ALMEIDA |
Data da Resolução | 22 de Março de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO I.
AA instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra “BB, SA” (actual “CC - Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”), peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 95.565, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento da quantia de € 10 por dia desde a citação até efectiva reparação do motociclo do A..
Alegou para tal - em síntese -, que no dia 27 de Maio de 2006, pelas 0:10 horas, quando circulava no seu motociclo de marca Yamaha, matrícula ...-...-PD, pelo IC24, que liga Alfena ao Nó da Ermida, e exactamente nesse sentido, no concelho da Maia, distrito do Porto, foi vítima de um despiste, o qual se deveu ao inesperado estrangulamento da faixa de rodagem por onde seguia, pois havia múltiplos separadores móveis de plástico que inflectiam violenta, acentuada e subitamente para a direita, sendo que tal inflexão/curva apresentava um ângulo de aproximadamente 90º relativamente ao separador central.
Mais alegou que, apesar do iminente perigo que tal inesperado estrangulamento provocava na circulação dos utentes desta auto-estrada, não havia qualquer sinalização que prevenisse o aparecimento do dito “gancho”, ainda por cima imediatamente após o cume de uma subida, sendo certo que, para quem circulava de noite cerrada, como era o caso do A., tal perigo para a circulação aumentava exponencialmente, uma vez que no local não existia iluminação ou sinalização luminosa, pois as lanternas sequenciais não se encontravam em funcionamento naquele momento.
O lanço de auto-estrada em questão estava concessionado à Ré, a quem incumbia assegurar todas as condições de segurança no local, o que a mesma não cumpriu.
Consequentemente, a Ré deverá ser responsável pelos danos sofridos pelo A., os quais se traduziram em vários e graves ferimentos, internamento hospitalar, cirurgias, dores e incómodos (danos não patrimoniais), bem como IPP, períodos de incapacidade de trabalho e outros danos patrimoniais futuros.
A Ré “BB, SA” contestou a acção (fls. 28 e ss.), invocando que a execução do lanço de auto-estrada onde ocorreu o acidente estava a cargo da “DD, ACE”, pelo que considera ser parte ilegítima na acção, sendo ainda que a responsabilidade civil da contestante estava transferida para a seguradora “EE”, em razão do que requereu o chamamento à demanda daquelas duas entidades.
No mais, a Ré negou que o acidente se tenha devido a alguma falta de cuidado da concessionária da auto-estrada, pois todas as regras de segurança foram observadas.
Pugnou, assim, pela improcedência da acção.
Em réplica (fls. 118 e ss.), o A. entendeu ser improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela Ré e impugnou a factualidade alegada por esta quanto ao cumprimento dos deveres de segurança naquele lanço de auto-estrada.
Por despacho de fls. 409, foi determinada a citação da Segurança Social nos termos e para os efeitos previstos pelo art.º 1º, 2, DL n.º 59/89, de 22 de Fevereiro.
Na sequência, o Instituto de Segurança Social, IP veio deduzir contra a Ré “BB, SA” pedido de reembolso de subsídio de doença, no valor de € 10.274,95, correspondente ao valor pago ao A. durante o período em que este esteve de baixa médica em consequência do acidente – fls. 419 e ss.
A Ré impugnou tal pedido, entendendo dever ser julgado improcedente - fls. 430 a 432.
Por despacho de fls. 434 a 436, foi admitida a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros EE, SA” e admitida a intervenção acessória de “DD, ACE”.
A chamada “Companhia de Seguros EE, SA” apresentou contestação (fls. 150-151, por remissão de fls. 449), na qual impugnou a matéria alegada pelo A..
A chamada “DD, ACE” apresentou também contestação (fls. 159 e ss., por remissão de fls. 455), na qual alegou, em resumo: a sua ilegitimidade na lide, dizendo que celebrou contrato de subempreitada da obra com a “FF”, pelo que ficou esta responsável pela projecção e construção do troço de auto-estrada onde ocorreu o acidente; a prescrição do direito que o A. fez valer em Juízo, pelo menos contra aquela Chamada; impugnou ainda a dinâmica do evento alegada pelo A.; corroborou a versão trazida aos autos pela “BB, SA” quanto ao cumprimento dos deveres de segurança, no que concerne à iluminação e sinalização existentes no local; e terminou a requerer a intervenção acessória da “FF”, para assegurar contra a mesma o seu direito de regresso, em caso de eventual condenação nestes autos.
O A. replicou quanto à contestação da “DD, ACE”, pugnando pela improcedência da ilegitimidade e da prescrição invocadas pela mesma – fls. 701 e ss..
Por despacho de fls. 746, foi admitida a intervenção acessória da “FF - Engenharia e Construção, SA”.
Citada para os termos da causa, a chamada “FF, SA” contestou a acção (fls. 758 e ss.), alegando que o acidente se deveu a culpa do A., pois que a chamada cumpriu todas as regras de sinalização no local, mais sucedendo que a responsabilidade civil da chamada se encontra transferida para a “Companhia de Seguros EE, SA”, pelo que, a haver ilicitude na actuação da chamada, o pagamento da indemnização deverá ser assegurado por tal seguradora. Por outro lado, e no que ao direito indemnizatório exercido pelo “Instituto de Segurança Social, IP” concerne, o mesmo encontra-se prescrito.
O “Instituto de Segurança Social, IP” apresentou réplica quanto a esta contestação da “FF, SA”, pugnando pela improcedência da prescrição ali invocada – fls. 810 a 812.
O A., por sua vez, também replicou quanto a essa contestação da “FF, SA”, impugnando a versão por ela trazida e concluindo como na petição inicial – fls. 816 e ss..
Foi realizada audiência preliminar para tentativa de conciliação, a qual não foi lograda - fls. 926-927.
Foi proferido despacho saneador (tabelar).
Por despacho de fls. 997 a 999, foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada, tanto pela Ré “BB, SA” como pela chamada “DD, ACE”.
Por despacho de fls. 999, foi relegada para a sentença final a conhecimento da excepção da prescrição do direito indemnizatório exercido pelo “Instituto de Segurança Social, IP”.
A fls. 1039 e ss., foi proferido despacho de selecção da matéria de facto, definindo a factualidade assente e a integrante dos temas de prova.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, no culminar da qual foi proferida sentença, finda com o dispositivo que segue: - “Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, decide-se: a) Absolver a Ré “CC, SA” e a chamada “EE – Companhia de Seguros, SA” do pedido deduzido pelo A. AA; b) Absolver a Ré “CC, SA” e a chamada “EE – Companhia de Seguros, SA” do pedido deduzido pelo “Instituto de Segurança Social, IP”; c) Condenar o A. AA e o demandante “Instituto de Segurança Social, IP” nas custas dos pedidos respectivos – art. 527º, 1 e 2, CPC.
Valor da causa: o já fixado no despacho saneador (fls. 999).
(…).” 2.
Irresignado, o A. interpôs recurso de apelação para a Relação do Porto, ao qual foram, por seu turno, apresentadas respostas por parte das Recorridas “EE”, “CC S.A.” e “FF - Engenharia e Construção S.A.”, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo ainda a “CC”, a título subsidiário, ampliado o âmbito do recurso pelo interposto.
3. Por acórdão de fls. 1356 e ss., foi emitida decisão com o teor que segue: - “Por todo o exposto acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência revogar a sentença recorrida e: A) Condenar solidariamente a Ré CC, S.A. e a chamada EE Companhia de Seguros S.A. a pagar ao Autor/recorrente a quantia de 41457,29 € acrescida de juros de mora, à taxa legal contados desde a data de citação até efectivo integral pagamento; B) Condenar a ré CC, Auto-Estradas do Grande Porto e a chamada EE Companhia de Seguros S.A. a pagar solidariamente ao Instituto de Segurança Social a quantia de 10274,95 € acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.
C) A chamada FF foi admitida na qualidade de interveniente acessória, por decisão proferida a folhas 746 a qual não foi objecto de qualquer recurso.
Assim nessa qualidade de interveniente acessória na presente acção, não é parte principal e por isso não poderá ser condenada nem absolvida.
(…).” 4.
Discordando do assim decidido, recorrem de revista: 4.
1. A Interveniente “Companhia de Seguros EE, S.A.”, encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. Ao STJ compete também apreciar a forma como as instâncias apreciam a questão de facto e sindicar o cumprimento ou violação da lei em tal actividade.
2. O acórdão recorrido ao apreciar a matéria de facto – alterando ou dando como demonstrado - o facto constante da al. f) violou de forma sistemática e grosseira a lei 3. Daí que a jurisprudência é unânime no sentido em que o STJ tem competência e deve censurar a forma como até à relação é tratada a questão de facto.
4. No que respeita à alteração da matéria de facto preconizada cingiu-se, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto à “desconsideração” de toda a matéria dada como provada, alicerçando a sua decisão apenas e tão só na alínea f) dos factos não provados na decisão da 1ª instância, considerando assim a existência de culpa da Ré, na ocorrência do sinistro, para daí, porque sine qua non, determinar a condenação solidária da Ré e da chamada, em consonância com o alegado pelo Autor nas suas conclusões.
5. Está provado que a 200 metros antes do local do sinistro existia sinalização indicativa da obrigatoriedade de o trânsito que se processava naquele sentido de marcha descrever para a sua direita, atendendo ao basculamento aí existente – sinal ST4 6. que a cerca de 100 metros do início do basculamento, existia um sinal de proibição de circular a mais de 60 km/h e sinal de proibição de ultrapassar; 7. O local do basculamento estava balizado com “PMP ́s”...
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