Acórdão nº 4084/07.2TBVFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1. AA veio interpor recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que condenou a R. "BB, S.A", actual CC Companhia de Seguros SA, tendo proferido acórdão onde se diz: "Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso e, por consequência condenar o R. a pagar ao Autor a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia total de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), acrescida de juros vencidos desde a data da sentença de 1ª instância e vincendos até integral pagamento.” A decisão foi proferida sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, face à decisão proferida na 1ª instância, não obstante o montante indemnizatório atribuído pelo Tribunal da Relação na parte relativa aos danos patrimoniais ter sido revista em alta, passando a condenação da R. de 30.000 euros para 110.000 euros, mas mantendo-se igual o valor arbitrado quanto a danos não patrimoniais.

Na 1ª instância o tribunal havia decidido: "Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a Ré "CC Companhia de Seguros, S.A." a pagar ao Autor, a quantia de 71.579,69 (setenta e um mil quinhentos e setenta e nove euros e sessenta e nove cêntimos), a título de indemnização decorrente de responsabilidade civil emergente de acidente de viação".

Como vem indicado no Ac. do Tribunal da Relação, que aqui se reproduz por facilidade de expressão, “AA intentou acção declarativa de condenação contra DD — Companhia de seguros, S.A, actual "CC Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de Euros 231.880,63, acrescidos de juros de mora, contados desde a citação. Alegou, em síntese, que no dia 02.08.2004, pelas 5h55m, sofreu um acidente de viação quando conduzia o seu veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ...-KD, na Estrada Nacional n° 10 (recta do Cabo), no sentido Vila Franca de Xira/Porto Alto, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido em que seguia. No sentido contrário e na respectiva hemi-faixa de rodagem, circulava o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...-LL. Atrás do veículo LL circulava o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ...-TB, conduzido por EE, residente em Santa Iria da Azóia. Ao Km 113,65 da dita via, a condutora do TB iniciou a manobra de ultrapassagem do LL e, para o efeito, invadiu a hemi-faixa de rodagem do sentido contrário àquele em que seguia, embatendo, violentamente, de frente no veículo KD conduzido pelo A. A responsabilidade civil por danos emergentes de acidente relativa ao veículo com a matrícula ...-TB encontrava-se transferida para a R., por contrato de seguro titulado pela apólice AU22101819. Em consequência do acidente o A. sofreu ferimentos, esteve internado no hospitalar, foi submetido a cirurgias e posteriormente sujeito a tratamentos de fisioterapia. Durante todo o tempo em que esteve internado, antes e após as intervenções cirúrgicas, o A. sofreu sempre muitas e fortes dores. Em resultado do acidente sofrido o A. perdeu potência sexual, não mais lhe sendo permitido praticar relações sexuais. Em consequência das sequelas acima referidas o A. encontra-se impossibilitado de desempenhar qualquer tarefa remunerada. Tudo o acima referido causa no A. um enorme desgosto e angústia profunda. O acidente em causa nos presentes autos foi considerado como sendo acidente de trabalho quanto ao A. por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n°3642/04.1TTLSB do 3° Juízo, 2" Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, tendo sido fixada uma IPP de 22,6%.” 2.

Nas conclusões do recurso o A., recorrente, indica o seguinte (transcrição): “1ª- É insuficiente a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais, ditada por aplicação indevida de desconto (de ¼) da “importância que o lesado gastaria com ele próprio, mesmo não havendo acidente”; 2ª- Corrigida a operação, deve a indemnização a esse nível ser fixada de acordo com os mesmos parâmetros não já em 110.000,00 euros, mas sim em 145.000,00 euros, ou, porque assim pedido na apelação, em 120.000,00 euros e complementarmente à decidida no processo de acidente de trabalho; 3ª- Quanto aos danos não patrimoniais, resultando já provado os graves danos e sequelas do A., o desgosto, dor e sofrimento do A., incluindo pela impotência sexual que do acidente lhe adveio, peca também por defeito a indemnização atribuída a esse título; 4ª- A quantificação dos danos sofridos pelo A. coaduna-se perfeitamente com o pedido parcial do A. a esse título, no valor de 60.000,00 euros (ou até para além dele, atento o valor do pedido global), sendo manifestamente insuficientes os 30.000,00 euros fixados na sentença.

5ª - Deve a R. ser condenada no pagamento de juros de mora ao A. à taxa legal desde a citação até integral pagamento, em detrimento da actualização da indemnização; 6ª- Sem conceder, e alternativamente, não pode ser suprimida a operação matemática feita na 1ª instância de actualização dos valores tendo em consideração a evolução do índice de preços do consumidor que se verificou em 2004 - no que ocorreu nulidade do acórdão (art.º 615.º nº 1 als. c), d) e e) – 7ª- a qual tem forçosamente que ser revista em alta tendo em conta os valores arbitrados pela Relação, ou sobre os que, na procedência da Revista, vierem a ser aumentados.

8ªº- A Sentença recorrida violou os artigos 483.º, 496.º, 564.º, 559.º do C.C., pelo que deve ser alterada nos termos acima definidos. E assim se fará Justiça!” 3.

O recorrido apresentou contra-alegações e interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões (transcrição): “1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 636.º do C.P.C., e como claramente existe pluralidade de fundamentos da acção e da defesa, a recorrida vem requerer a ampliação do objecto do recurso, na parte em que esta decaiu, requerendo desse modo que V. Exas. conheçam do fundamento nessa parte, ainda que a título subsidiário, prevenindo assim a necessidade da sua apreciação.

2 - Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a recorrida vem por este meio impugnar a decisão proferida em segunda instância sobre os pontos a seguir individualizados, não impugnados pelo recorrente.

3 - Da desconsideração da prova pericial e a sua repercussão na decisão do Acórdão da Relação: 4 - O Tribunal da Relação defende que não estão vinculados às conclusões das perícias médico-legais efectuadas aos danos corporais dos lesados.

5 - Contudo, antes, reconhece que: “…para a prova do facto em discussão, consideramos que a prova pericial é a mais idónea para fundamentar um juízo seguro por parte do Tribunal. E foi a esse meio probatório que, correctamente, o Tribunal a quo deu relevo para fundar a sua convicção.” 6 -Para depois acrescentar: “Essencial, porém, é que o relatório pericial seja devidamente analisado e interpretado.” 7 – Mas o que é há no relatório pericial dos presentes autos que permite outra analise e/ou outra interpretação, que não seja a que tenha constado da sentença de 1.ª instância ?!?! 8 - O texto de relatório é taxativo: o lesado ficou capaz para o exercício da sua actividade laboral, embora com esforços acrescidos.

9 - Recorda-se também, que as peritas médicas e que foram as autoras do referido relatório pericial, foram ouvidas em sede de audiência de julgamento para prestarem esclarecimentos (requeridos pelo Autor) quanto à circunstância de terem considerado o lesado, apesar das sequelas, capaz para o exercício da sua profissão, embora com esforços acrescidos, e mantiveram peremptoriamente as conclusões constantes do relatório IML.

10 - De salientar que as peritas médicas obviamente tinham perfeito conhecimento da actividade profissional do lesado e o que a mesma implicava fisicamente.

11 - O Acórdão, fundamenta a sua decisão para desconsiderar o resultado da perícia médica, com o facto de ser indesmentível que o lesado nunca mais voltou a trabalhar! 12 - Contudo, não tiveram em consideração, com o devido respeito, a idade já avançada no lesado no momento do acidente que já se encontrava quase em idade de reforma, e que entretanto a empresa para a qual trabalhava entrou em insolvência.

13 - Isto porque é de conhecimento comum, que o ramo da tipografia entrou naquela altura numa grave crise económica, sendo evidente que a empresa para a qual o Autora laborava se aproveitando da situação: de empregados que estavam de baixa médica algum tempo, para não voltarem a readmiti-los ao trabalho.

14 – A empresa para a qual o lesado laborava entretanto “fechou as portas” e o Autor reformou-se.

15 - Foi por esse motivo que o mesmo nunca mais voltou a trabalhar … e entretanto reformou-se 16 - A seguradora não pode ser penalizada pela crise que se abateu no sector da tipografia.

17 – Assim, não se aceita que o Acórdão da Relação não tenha considerado o resultado do relatório do IML que concluiu técnica e peremptoriamente que o lesado ficou apto para o exercício da sua profissão, apenas com a exigência de esforços acrescidos.

18 – O Acórdão da Relação desrespeitou com esta decisão o disposto no art.º 562.º do CC.

19- Requerendo-se desta forma, a V. Exas. Exmos. Juízes Concelheiros do S.T.J. que revoguem o Acórdão da Relação de Lisboa, nesta parte, e reponham a decisão constante da sentença de primeira instância quanto a esta matéria, repondo consequentemente o valor de indemnização aí arbitrado a título de danos patrimoniais futuros. Fazendo desta maneira a esperada e acostumada justiça! 20 - Dos valores pagos pela seguradora de acidentes de trabalho a título de dano patrimonial futuro já recebidos pelo Autor e que não foram “descontados” no cômputo do valor da indemnização agora atribuída a esse respeito.

21 – A sentença de primeira instância deu como provado no art.º 17.º da matéria de facto considerada como provada que “A sentença referida em 15. condenou a...

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