Acórdão nº 642/14.7T8GRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Relatório AAe marido, BB, residentes na Rua …, Lote …, 4° C, C…, vieram propor acção de processo comum contra CC e mulher DD, residentes na Avª … – …, Aguiar da Beira, pedindo: a) Que se declare que o prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de …, Aguiar da Beira, sob o artº 3…5, faz parte integrante do acervo hereditário indiviso, aberto por óbito de EE; b) Que, em consequência, se declare que o prédio é propriedade em comunhão dos Autores e dos restantes herdeiros de EE, (que irão ser chamados a intervir); c) Que os Réus sejam condenados a abrirem mão do prédio entregando-o aos Autores e Chamados, livre e devoluto, nomeadamente dos eucaliptos que lá plantaram e no estado em que se encontrava antes; d) Que os Réus sejam condenados a absterem-se de perturbar a propriedade e posse dos Autores e Chamados sobre o referido prédio, seja de que modo for; e) Que os Réus sejam condenados a pagarem consequentemente aos Autores e Chamados, a indemnização de 12.500,00€, referente aos factos alegados nos artºs. 88º e 89° da petição; f) Que os Réus sejam condenados a pagarem à herança da Virgínia e consequentemente aos Autores e Chamados a quantia de 40.000,00€ pelos prejuízos causados pela sua actuação com abuso de direito, sobre o prédio do art° 3412 e alegados nos artºs 84° e 85°.

Para fundamentar tal pretensão alegaram, em suma, que na freguesia de ... e no sítio da ... existem dois prédios – inscritos na matriz rústica sob os artºs. 3…2 e 3…5 – que pertenceram a EE, falecida em 29/01/2005; Que, no ano de 2000, o Réu marido entrou em contacto com a referida EE pretendendo adquirir-lhe o prédio inscrito na matriz sob o art. 3…5, o que esta aceitou fazer pelo preço de 2.000.000$00; Que, no dia 07/12/2000, foi celebrada a respectiva escritura mas, por erro de identificação do prédio, nela ficou a constar o prédio inscrito na matriz sob o art. 3412; Que o prédio que a referida EE pretendeu vender e que o Réu pretendeu comprar era o pinhal do art. 3415 e não o terreno de cultura e pastagem inscrito sob o art. 3…2, prédio este que, à data, se encontrava arrendado a FF que continuou a pagar a renda à referida EE até à data da sua morte; Que só após a morte desta e da sua irmã, é que o Réu entrou no prédio do 3412, expulsando o rendeiro e registando a aquisição desse prédio em seu nome em 04/05/2006; Que, por não terem detectado o erro atempadamente, não podem propor, com êxito, acção de anulabilidade da escritura, razão pela qual aceitaram a transferência para o Réu do direito de propriedade sobre o art. 3…2 e fizeram registar a seu favor o prédio inscrito na matriz sob o art. 3…5 que agora reivindicam; Que o Réu, no Verão de 2004, cortou os pinheiros que existiam neste prédio, apropriando-se do respectivo valor, apropriando-se ainda dos pinheiros que existiam nesse prédio e que arderam em 2013, assistindo aos Autores (e demais herdeiros de EE) o direito de ser indemnizados pelo valor actual desses pinheiros que não seria inferior a 12.500,00€; Que os Réus agem com manifesto abuso de direito no exercício do direito de propriedade sobre o prédio do art. 3…2º, uma vez que, apesar de terem conhecimento do erro da escritura, sempre se negaram a proceder à sua rectificação, aproveitando-se desse erro para ficar com um prédio mais valioso do que aquele que era visado na escritura, adquirindo, dessa forma, por 10.000,00€ um prédio que tinha o valor de 50.000,00€ e lesando os Autores e demais herdeiros no valor de 40.000,00€.

Os Autores deduziram ainda incidente de intervenção provocada, requerendo a intervenção dos demais herdeiros de EE, a seguir identificados: - GG; - HH; - II; - JJ; - KK.

Os Réus contestaram, alegando, em suma, terem adquirido a EE a propriedade dos dois prédios referidos pelos Autores, tendo pago o respectivo preço, exercendo sobre os aludidos prédios actos de posse desde 2000, no que toca ao art. 3…2º, e desde Março de 2001, no que toca ao art. 3…5º e tendo adquirido, por usucapião, o respectivo direito de propriedade.

Impugnando os demais factos alegados, concluem pela improcedência da acção e pedem em reconvenção: - Que os A.A. e todos os Chamados, na invocada qualidade de herdeiros da herança aberta por óbito de EE, sejam condenados a reconhecer a propriedade dos RR sobre o prédio rústico, sito no Lugar …, na freguesia de …, concelho de Aguiar da Beira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3…5°, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira, sob o número 2…9°; - Que seja proferida Sentença que substitua a vontade dos RR e todos os Chamados identificados nos autos, ordenando à Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira que descreva a favor dos RR., na qualidade de proprietários, o prédio rústico, sito no Lugar …, na freguesia de …, concelho de Aguiar da Beira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3…5° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira, sob o número 2…9°, terra de pinhal, confrontando; a Norte limite da freguesia de C…; Nascente - LL; Sul - caminho; Poente - MM.

Mais pediram, para o caso de improcedência dos pedidos anteriores: - Que os AA. e Chamados sejam condenados, pessoal e solidariamente, a entregar aos R. R. a quantia de €19.951,92, correspondentes ao dobro da quantia paga pela aquisição desse prédio (Art.º 3…5° rústico da freguesia de …), acrescida do valor das despesas efectuadas e da mais-valia criada com as obras e árvores ali plantadas, a determinar em execução de Sentença; - Que os AA. e Chamados que aderirem à p. i. sejam condenados, como litigantes de má-fé, em multa de valor nunca inferior a € 2.500,00 e indemnização a favor dos RR de idêntico valor, bem como a ressarcir os RR dos valores a que a má-fé dos AA obrigou a despender, aqui se incluindo os honorários dos seus mandatários, a determinar no final dos presentes autos; - Que o Tribunal considere existir no comportamento dos AA. e demais Chamados que aderirem aos argumentos infundados, falsos, ilegais e ilegítimos alegados na p.i, integram abuso de direito na modalidade do venire contra factum proprium, nos termos e para os efeitos do art. 334° do Código Civil.

Posteriormente, por força do óbito de JJ, veio a ser habilitado como seu sucessor KK.

Após a legal tramitação, procedeu-se ao julgamento da causa com observância das formalidades legais e foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: - Julgar a ação improcedente e, em consequência, absolver os Réus CC e mulher DD dos pedidos contra si formulados nos autos pelos Autores AAe BB e demais chamados.

- Julgar a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência: a) condenar os referidos Autores e todos os chamados, na invocada qualidade de herdeiros da herança aberta por óbito de EE, a reconhecer a propriedade dos Réus CC e mulher DD sobre o prédio rústico, sito no Lugar …, na freguesia de …, concelho de Aguiar da Beira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3…5º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira, sob o número 2…9º; b) comunicar, após trânsito em julgado, à Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira o teor do ora decidido; c) absolver, no mais, os Autores e demais chamados do contra si peticionado em sede reconvencional.

Inconformados com tal decisão, os Autores interpuseram Apelação da mesma para o Tribunal da Relação de … que concedeu parcial provimento ao recurso e, em consequência, decidiu: A) - Julgar procedentes os pedidos formulados pelos Autores, sob as alíneas a) e b), declarando-se que o prédio em questão – inscrito na matriz sob o art.º 3…5 – faz parte integrante do acervo hereditário indiviso, aberto por óbito de EE, pertencendo, em comunhão, aos Autores e Chamados (herdeiros de EE); B) - Declarar a nulidade do negócio de compra e venda celebrado entre EE e o Réu e que teve por objecto o prédio inscrito na matriz sob o art. 3…5; C) - Decretar, ao abrigo do disposto no art. 289º do CC, a restituição de tudo o que foi prestado com esse negócio e em consequência: i) Condenar-se os Réus a abrirem mão do prédio entregando-o aos Autores e Chamados, livre e devoluto e a absterem-se de perturbar a propriedade e posse dos Autores e Chamados sobre o aludido prédio – procedendo, deste modo e com fundamento na declaração de nulidade, o pedido dos Autores formulado sob a alínea c) e d); ii) Condenar-se os Autores e Chamados a pagar ao Réu a quantia de 9.975,96€ (correspondente ao preço que este pagou pelo referido prédio) – procedendo parcialmente e com fundamento na declaração de nulidade, o pedido formulado em d) da reconvenção; iii) Condenar-se os Réus a pagar aos Autores e Chamados (herdeiros de EE) a quantia de 6.050,00€ (correspondente ao valor dos pinheiros que existiam no prédio) – procedendo parcialmente e com fundamento na declaração de nulidade, o pedido dos Autores formulado sob a alínea e); D) Em tudo o mais, improcedeu a acção e a reconvenção, absolvendo-se os Autores, os Chamados e os Réus de todos os demais pedidos contra eles formulados.

Os Réus, não se conformando com tal acórdão, vieram interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1. Os RR., ora Recorrentes, compraram à falecida D. EE o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o art. 3…5°.

  1. Que pelo menos desde 2004 passaram a utilizar o referido prédio e utilizaram-no de forma plena, efectiva e publicamente e sem oposição de quem quer que seja.

  2. Que, independentemente da eventual invalidade formal do negócio da transmissão do direito de propriedade, a posse foi legalmente transmitida aos RR., ora Recorrentes.

  3. Decidiu o Acórdão dar provimento parcial ao Recurso interposto pelos AA com base na invalidade formal do negócio e por se encontrar vedada aos RR. a possibilidade de acederem na posse da transmitente, uma vez que a posse por eles exercida não teve tempo suficiente para permitir a aquisição do referido prédio por...

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