Acórdão nº 5434/12.5TBLRA.C1.S1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório 1. AA e cônjuge BB intentaram, em 29/10/2012, ação declarativa de impugnação da paternidade presumida, sob a forma de processo comum, contra CC, por si e em representação do seu filho menor DD, a pedir a declaração judicial de que o menor DD não é filho de EE, por sua vez, filho dos ora A.A. e falecido em 27/06/2012, bem como a consequente determinação da eliminação do assento de nascimento daquele menor da referência a tal paternidade e à respetiva avoenga paterna. Para tanto, alegaram, no essencial, que: .

EE, filho dos A.A., casou com a R. CC em 15-08-1992; Em 22-01-2000, nasceu DD, tendo sido registado como filho da mesma R. e do seu marido EE; .

Porém, desde pelo menos 1999, a R. travou relações “levianas”, sucessivamente, com outros homens que não o marido, de quem acabou por se divorciar em 26-06-2009; .

Em junho de 2012, a R. telefonou ao EE, tendo-lhe dito que o menor DD não era filho dele, o que terá levado aquele, alguns dias depois, a suicidar-se, a 27 do referido mês. 2.

Os R.R. deduziram contestação por via excetiva e impugnativa, em que invocaram a ilegitimidade quer dos A.A. quer dos R.R. e a caducidade do direito peticionado por transposição do prazo de 90 dias estabelecido no artigo 1844.º, n.º 2, alínea a), do CC, tendo, além do mais, afirmado que o menor DD, representado pela R., sua mãe, desconhecendo as razões da presente ação, recusava qualquer submissão ao controlo de ADN.

Concluíram os R.R. pelas consequências legais decorrentes das exceções deduzidas e, em última análise, pela improcedência da ação.

3.

Os A.A. apresentaram réplica, na qual, além de sustentar a improcedência das exceções invocadas, suscitando inclusive a inconstitucionalidade das normas dos artigos 1842.º a 1844.º do C.C., na parte em que estabelecem prazo de caducidade para as ação de impugnação da paternidade, pediram a nomeação de um curador ad litem ao menor DD e que fosse solicitada ao MP autorização para submeter aquele menor a testes de ADN.

4.

Por fim, os R.R. treplicaram a considerar inaceitável o pedido de nomeação de curador ad litem e obrigar o menor a fazer prova da impugnação da paternidade, opondo-se ainda à arguida inconstitucionalidade das normas aqui em referência.

5.

Subsequentemente, foi nomeada como curadora especial do menor DD a sua tia materna FF, conforme despacho de fls. 113, de 15/01/2014, a qual veio assumir, em nome do menor, os articulados já apresentado pela R. CC.

6.

Foi proferido despacho saneador a julgar improcedentes as exceções de ilegitimidade suscitadas e a relegar a apreciação da exceção de caducidade para sede de sentença final, procedendo-se de seguida à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

7.

Admitida a prova pericial requerida pelos A.A., conforme despacho de fls. 156, foram efetuadas as colheitas de material biológico aos A.A. (fls. 169).

8.

Porém, os R.R. vieram sustentar, no requerimento de fls. 172-173, que só se submeteriam à recolha do seu próprio material biológico, se o tribunal garantisse a respetiva confidencialidade, sobre o que foi proferido o despacho de fls. 180-181, a indeferir tal pedido de secretismo, ressalvando a hipótese de valoração da recusa dos R.R. em sede de análise probatória.

9.

Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 240-255, datada de 09/06/2016, em que se concluiu pela procedência da invocada exceção de caducidade e se julgou, correspondentemente, improcedente a ação com a consequente absolvição dos R.R. do pedido, considerando-se prejudicado o conhecimento das demais questões de mérito.

10.

Inconformados com tal decisão, os A.A. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do qual foi proferido o acórdão de fls. 325-334, datado de 07/03/2017, aprovado por unanimidade, a julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

11.

Mais uma vez inconformados, os A.A. recorreram de revista, em primeira linha, a título de revista normal, alegando a verificação de fundamentação essencialmente diferente e, subsidiariamente, a título de revista excecional, ao abrigo das alíneas a), b) e c), do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

12.

Em sede de exame preliminar, foi proferido o despacho de fls. 424-434, datado de 12/10/2017, a julgar verificada a ocorrência de “dupla conforme” e a ordenar a remessa do processo à formação dos três juízes do STJ a que se refere o art.º 672.º, n.º 3, do CPC, a fim de verificar os invocados pressupostos da revista excecional, despacho que foi oportunamente notificado às partes.

13.

A sobredita formação proferiu o acórdão de fls. 442-445/v.º, datado de 09/11/2017, a admitir a revista excecional a título de particular relevância social, conforme o previsto na alínea b) do n.º 2 do art.º 672.º do CPC, considerando, nessa medida, prejudicada a apreciação dos demais pressupostos invocados.

14.

Em sede das respetivas alegações, os A.A./Recorrentes formularam, no que ora releva, as seguintes conclusões: 1.ª - Nestes autos coloca-se a questão da caducidade do direito dos autores impugnarem a paternidade do presumido e falecido pai do menor DD.

  1. – O acórdão recorrido está em contradição com vários outros acórdãos proferidos pelo STJ, em especial o acórdão de 31/01/2007, no processo n.º 06A4303: o acórdão de 21/02/2008, no processo n.º 07B4668; o acórdão de 07/07/2009, processo n.º 1124/05.3TBLGS. S1; o acórdão de 19/06/2012, no processo n.º 297/08.8TBPVL.Gl.SI; o acórdão de 16/09/2014, no processo n.º 973/11.8TBBCL.GI.S1, 21 todos votados por unanimidade e transitados em julgado, conforme cópias dos mesmos que se anexam a estas alegações; 3.ª - Na citada jurisprudência do STJ é clara a tendência para considerar como contrária à Constituição qualquer limitação temporal ao exercício de ação de impugnação da paternidade, ou seja, que o direito de impugnar a paternidade é imprescritível, em nome do respeito pela verdade biológica; 4.ª - A paternidade presumida tem de ceder perante o direito à identidade pessoal e genética e o direito a constituir família do próprio R. DD, ainda menor de idade, e dos AA. seus presumidos avós, que é ainda mais chocante, porquanto a Ré/mãe do menor, confessou na contestação e em todo o seu comportamento posterior, que o menor não é neto dos A.A; 5.ª - O estabelecimento de um prazo para a propositura da ação de impugnação de paternidade constitui um limite desproporcional, irrazoável e inadequado do direito quer do presumido pai ou, no caso do falecimento deste, dos seus ascendentes, em ver(em) afastada a presumida paternidade, quer do filho/neto em que se fixem as suas reais paternidade e avoenga, tradutoras da verdade biológica; 6.ª - Esse prazo vai contra a salvaguarda dos direitos fundamentais da identidade pessoal do filho e do conhecimento da paternidade biológica e o estabelecimento do respetivo vínculo jurídico e o direito de constituir família; 7.ª - O prazo assim estabelecido viola os artigos 26.º, n.º 1 e 3, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP; 8.ª - O estado da ciência atual permite, a todo o tempo, estabelecer ou afastar o vinculo familiar da paternidade, por simples comparação de ADN, estando assim, ultrapassadas as limitações e dificuldade de prova decorrentes do passar do tempo; 9.ª - O prazo fixado no n.º 2 do artigo 1844.º do CC – 90 dias após a morte do presumido pai – não é de todo razoável, nem proporcional, pois de tão curto que é, constitui uma verdadeira limitação à possibilidade de impugnação da paternidade, sobretudo, porque se esgota na fase inicial do luto pelo decesso do presumido pai.

  2. - A fixação de prazos distintos para o presumido pai, mãe, filho e ascendentes do presumido pai impugnarem a paternidade presumida, traduz-se, ainda, numa injustificada violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

  3. - O direito de impugnar a paternidade presumida não está sujeito a prazos de caducidade, mesmo no caso do titular desse direito falecer sem o exercer.

  4. - A limitação da possibilidade de impugnação da paternidade estabelecida no registo civil ao prazo de caducidade previsto no n.º 2 do artigo 1844.º do CC, é inconstitucional por violação do direito à tutela judicial efetiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, e por violação dos direitos à identidade pessoal e à identidade genética previstos no artigo 26.º da CRP e do direito a constituir família, previsto no artigo 36.º da CRP; 13.ª - A ação dos autos é tempestiva; 14.ª - Ao julgar caducado o direito dos recorrentes, enquanto ascendentes do presumido pai, impugnarem a paternidade deste em relação ao menor DD, o tribunal “a quo” fez incorreta interpretação e aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artigos 13.º, 18.º, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição, no artigo 70.º do CC e no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC.

    15.

    Os Recorridos contra-alegaram, no que ora interessa, a pugnar pela manutenção do julgado, rematando com as seguintes conclusões: 1.ª - A mensagem presumidamente “encontrada” no telemóvel de EE não era original, nem era compatível com os seus conhecimentos e instrução, não se sabe se foi colocada por ele, nem quando é que lá foi colocada e, quando após a morte de EE foi encontrada; 2.ª - Pelo contrário, EE sempre amou, tratou o menor DD como seu filho e sempre assim foi, durante mais de 12 anos, considerado por toda a gente (art.º 1871.º, n.º 1, al. a), do C.C..

  5. - Também se não vê que “o acórdão sob censura esteja em desacordo com outro” ..., etc, porque os recorrentes nem se socorrem de outro que com ele pudesse estar em contradição. Não basta, em nosso entender, invocar generalizações, abstrações teóricas doutrinais ou jurisprudenciais, sobre temas abstractos ou mesmo concretos mas que se não debruçam sobre casos análogos ao presente.

  6. – Ademais, não se podem afastar todos os prazos – como pedem os Recorrentes – em questões da investigação da paternidade e muito menos da impugnação; 5.ª - Não são idênticas as condições nem os efeitos nem os pressupostos...

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