Acórdão nº 2/14.0T8PMS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – A Freguesia de AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Caixa Geral de Depósitos, SA, alegando, em síntese, que: Celebrou com a ré um contrato de abertura de conta e prestação de serviços, nos termos do qual a movimentação da conta exigia a intervenção de duas das pessoas autorizadas.

Contudo, a ré permitiu a movimentação da conta através do saque de cheques, no montante global de €46 401,42, contendo apenas a assinatura de uma das pessoas autorizadas (o anterior Presidente da Junta de Freguesia de AA).

O pagamento indevido desses cheques provocou-lhe prejuízos correspondentes ao valor titulado pelos mesmos.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir a condenação da ré a indemnizá-la pelo computado prejuízo de €46 401,42, acrescido de juros moratórios desde a citação, à taxa legal.

A ré contestou, sustentando, por um lado, que os saques foram posteriormente ratificados pela autora e, por outro, que, tendo os cheques servido para pagar despesas ou encargos devidos pela autora, não lhe cabe indemnizá-la, uma vez que não sofreu qualquer dano, pugnando, desse modo, pela improcedência da acção e a consequente absolvição do pedido.

Acedendo ao convite que lhe foi dirigido, a autora aperfeiçoou a petição, no que toca à concretização do prejuízo sofrido, alegando que os cheques foram sacados em benefício do anterior Presidente da Junta de Freguesia, com o qual, visando a regularização da situação criada pelo mesmo, celebrou contrato promessa de compra e venda de um pavilhão que mantém na sua posse, não obstante não ter sido ainda possível a concretização da prometida compra e venda.

A ré respondeu, mantendo a sua posição sobre a inexistência de prejuízo da autora decorrente do saque dos cheques.

Na sequência da normal tramitação processual, foi realizada a audiência final e lavrada sentença que, na parcial procedência de acção, condenou a ré a pagar à autora a quantia de €20 400,92 (vinte mil e quatrocentos euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Discordando dessa decisão, apelou a ré, com total êxito, tendo a Relação de …, após prévio convite e pronúncia das partes sobre a relevância do acordo reparatório estabelecido entre a autora e o anterior Presidente da Junta de Freguesia, revogado a sentença, na parte em que condenara a ré, e decidido absolvê-la do pedido.

Agora inconformada, interpôs a autora recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem: a) O Tribunal a quo decidiu enveredar por um caminho alternativo, fundamentador da procedência do recurso, baseado, em síntese, na aplicação do regime da solidariedade das obrigações e da compensação; b) Segundo o disposto no nº 3 do artigo 5º do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; c) Todavia, dispõe a segunda parte do nº 2 do artigo 608º do mesmo Código que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, sob pena de a sentença sofrer de vício de nulidade, de acordo com o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC; d) Estes preceitos são aplicáveis aos acórdãos proferidos pelas Relações em recurso de apelação, atento o disposto nos artigos 663º, nº 2 e 666º, nº 1, ambos do CPC.

  1. Segundo o entendimento jurisprudencial dominante, o excesso de pronúncia gerador da nulidade prevista nos citados normativos tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou de exceções de que não podia tomar conhecimento, isto é, conhece de questões que, não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.

  2. O excesso de pronúncia existe quando o juiz se pronuncia sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedidos.

  3. Como é manifesto, a ré não invocou nenhum dos fundamentos de direito que serviram de base ao "caminho alternativo" prosseguido pelo Tribunal "a quo", nem o regime da solidariedade das obrigações, nem o regime da compensação.

  4. O Tribunal "a quo" conheceu de questões que integram matéria de defesa por exceção, não alegadas pela ré (nem, obviamente, pela autora), de que não se podia ocupar, pois, não só não tinham sido alegadas pela ré, como tão pouco a lei lhe permitia ou impunha o conhecimento oficioso das mesmas.

  5. Isto sucede quer quanto à questão da solidariedade das obrigações de indemnizar que recaem sobre a ré e o anterior presidente da junta, BB, relativamente à autora, quer quanto à compensação.

  6. A compensação, enquanto modalidade de extinção das obrigações, para além do pagamento, mesmo que derivada de um acordo de compensação, pressupõe o carácter recetício da declaração compensatória e está sujeita ao princípio do pedido, não podendo o Tribunal dela conhecer oficiosamente; k) De acordo com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 266º do C. P. Civil, a compensação tem de ser invocada por via de reconvenção, (ónus de reconvir), não se fazendo qualquer destrinça entre a compensação operada extrajudicialmente e a operada judicialmente; l) O douto Acórdão recorrido padece da invocada nulidade, a qual pode ser alegada em sede do presente recurso, servindo-lhe de fundamento - cfr. nº 4 do citado artigo 615º do CPC.

  7. A autora instaurou a presente ação (exclusivamente) contra a ré, imputando-lhe o incumprimento do que entre elas fora convencionado quanto à movimentação da conta e ao pagamento de cheques, sendo que, como já supra se anotou e a Relação reconheceu, a ré não pôs em causa que o desconto dos cheques configurava uma situação de incumprimento culposo dos termos resultantes da convenção entre ambos celebrada.

  8. Trata-se, aqui, de um inequívoco caso de responsabilidade civil contratual.

  9. Quem causou o prejuízo sofrido pela recorrente, em causa nestes autos, foi, exclusivamente, a ré, sendo completamente falso e destituído de...

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