Acórdão nº 571/15.7PBFAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, nascido em .....1977, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado em 1.ª instância, por acórdão do tribunal colectivo de 28.10.2016 da Instância Central Criminal da Comarca de Faro (Proc. Comum Colectivo n.º 571/15.7.7PBFAR), como autor de um crime de homicídio qualificado agravado, dos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, além do mais, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão, de que recorreu para a Relação de Évora que, por acórdão de 02.05.2017, confirmou integralmente tal decisão.

Irresignado, recorre agora o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, circunscrevendo o objecto do recurso às seguintes conclusões por nós numeradas: “1. O arguido recorrente foi condenado em primeira instância na pena de 19 (dezanove) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, nos termos do disposto no artigo 131.° e 132.° n.º 1 alínea b) e j) do Código Penal, agravado nos termos do disposto nos 86.° n.º 3 da Lei 5/2006. Pena esta que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora.

  1. Sucede que, quando o arguido recorreu da pena em primeira instância, alegou entre outros fundamentos que não concordava com a escolha e valoração da perícia efectuada pelo Tribunal.

  2. No entanto, o Tribunal da Relação de Évora entendeu que o recorrente não tinha razão, por considerar que não se verificava o vício indicado pelo recorrente, na medida em que entendeu não se verificar qualquer violação das [normas] que foram invocadas pelo recorrente, nomeadamente a violação do disposto no 151.° e 163.° do Código do Processo Penal, quando dos autos constam duas perícias com juízos técnicos contrários, ambos devidamente fundamentados.

  3. Ora, sucede que o recorrente não concorda com os fundamentos indicados no acórdão de que ora se recorre. Isto porque, a opção efectuada pelo Tribunal na escolha da perícia que adoptou não foi, como refere no Acórdão de que se recorre, a opção por um juízo técnico contido na segunda perícia.

  4. Pois, a primeira perícia que foi afastada pelo Tribunal continha também ela um juízo técnico, só que este seria, pelo menos em teoria, mais favorável ao arguido.

  5. Está claramente a violar o Princípio da Presunção da Inocência uma vez que a opção por uma perícia em detrimento de outra não fica no livre arbítrio do julgador pois, se assim fosse, a decisão ficaria reduzida a um mero exercício de retórica ou, a assertividade com que o relatório pericial foi elaborado, independentemente do seu valor técnico e científico.

  6. Aquilo que o Tribunal da Relação fez, quanto a este assunto, foi presumir que uma perícia tinha superioridade científica sobre a outra, quando nada o indicia quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista material.

  7. A única presunção admissível e que o julgador pode fazer em matéria criminal é a PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, e essa, pela sua própria natureza, funciona a favor do arguido e não contra este.

  8. O acórdão recorrido confunde o Princípio da Livre Apreciação da Prova, com um raciocínio de presunção, tratando-se contudo de dois conceitos distantes e inconfundíveis.

  9. O princípio da livre apreciação não pode, de forma alguma, ser uma apreciação incontrolável, isto é, em que seja impossível de estabelecer uma ligação com a prova produzida, porque a liberdade de apreciação da prova tem limites.

  10. Assim, não pode o arguido recorrente concordar com a fundamentação constante do acórdão em crise por considerar [atendendo] a igual eficiência técnica e cientifica que ambas as perícias apresentam.

  11. Sucede que, perante tal dificuldade, ou seja, a existência de duas perícias contrárias, a solução a adoptar pelo Tribunal, uma vez que nestes casos se exclui da livre apreciação do julgador - 163.° do Código de Processo Penal, passa por o Tribunal a quo, fazer uma análise de acordo com as princípios estruturantes do processo penal, ou seja, do “IN DUBIO PRO REO”, na sua verdadeira concepção, ou seja, enquanto regra probatória, no sentido que qualquer dúvida resultante da prova produzida será sempre resolvida a favor do arguido.

  12. Aliás, o "IN DUBIO PRO REO", muito embora poucas vezes seja referido, mais não é que uma consequência do Princípio do Favor Rei, de acordo com o qual, o Tribunal está obrigado a seguir a tese mais favorável ao arguido, em todos os casos em que a acusação não tenha conseguido carrear prova suficiente para obter uma condenação, conforme é o caso dos presentes autos.

  13. Se por um lado, o IN DUBIO PRO REO, está intimamente ligado com as questões da prova e da sua produção, ou seja, no sentido de que se o tribunal não consegue adquirir uma certeza quanto a facto que constitui a acusação, deve a questão ser resolvida a favor do arguido.

  14. Por outro lado e atento que o PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, ao contrário do "in dubio pro reo", só funciona em termos da prova se revela durante todo o processo nomeadamente, e no que para os presentes autos importa, em termos práticos na não necessidade de o arguido provar a sua inocência.

  15. Não podia o Tribunal da Relação condenar o arguido pela prática de crime em causa, nos termos em que o fez, atenta as duas perícias existentes.

  16. Ao decidir da forma como decidiu, o Tribunal violou o referido princípio da presunção a inocência.

  17. Perante os factos dados como provados o arguido também não se pode conformar com a decisão do Acórdão quando manteve integralmente a pena que lhe foi aplicada em primeira instância.

  18. Antes de mais, porque aquele acórdão faz uma incorrecta valoração das circunstâncias atenuantes relevantes para a arguido e também porque o mesmo excede em muito a culpa do arguido.

  19. " ... A culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome das medidas preventivas ..." 21. A pena de prisão de 19 (dezanove) anos, aplicada ao recorrente, salvo o devido respeito, não cumpre os fins das penas.

  20. E nessa medida, não obedece à sua função de ressocialização, sendo contraproducente nos seus objectivos, uma vez que gera no arguido recorrente um sentimento de revolta e de injustiça.

    UMA VEZ QUE ESTÁ A SER PUNIDO MUITO PARA ALÉM DA SUA CULPA.

  21. Obviamente que a pena a aplicar aos arguidos considerados culpados deve ter em conta quer a prevenção geral, quer a prevenção especial.

  22. No caso "sub judice" não foi tido em consideração este binómio, não foram ponderados factores essenciais à determinação em concreto da medida da pena a aplicar ao arguido recorrente.

    Ou seja, em concreto não foi cumprido o disposto nos artigos 70.º e 71.º do Código de Penal.

  23. Isto porque, Sempre foi ignorado, ou pelo menos não valorado convenientemente, o facto do arguido não ter durante toda a sua vida praticado qualquer outro tipo de ilícito criminal.

  24. E se o facto de ser primário não assumir especial relevância nestes tipos de crimes não se poderá desvalorizar por completo uma vida inteira orientada pelos padrões regulares da sociedade, nomeadamente ser uma pessoa trabalhadora, bem como o facto da mesma ser uma pessoa querida no meio social em que se integra, ser um cidadão calmo, que não causa qualquer perturbação social e ainda que do seu registo criminal não constar qualquer condenação seja a que título for.

  25. De tudo isto resulta que a pena de 19 anos que foi aplicada ao arguido recorrente é extremamente violenta e está em total desconformidade quer com a sua culpa, quer com as necessidades de prevenção geral e especial e atendendo às atenuantes acima referidas não existe razão para que a medida da pena aplicada ao arguido recorrente seja de tão elevado "quantum", a qual nunca deveria ter ultrapassado os 15 anos ...

  26. Sendo a pena uma função-meio de prevenir a prática de crimes, ela há-de atender ao presente com olhos no futuro. Ora, nomeadamente no caso de infractores primários, pode não se verificar, a necessidade de prevenção especial.

  27. Acresce que, por sua vez, a dissuasão ("intimidação") do condenado, é conatural à pena e constitui também uma função da pena, que em nada é incompatível com a função positiva de ressocialização e essa outra função da pena é claramente cumprida com uma pena que se fixe com um "quantum" não superior a 15 anos.

  28. Ao aplicar uma pena com aqueles limites o Tribunal estaria a respeitar o limite mínimo da moldura penal estabelecido pelo legislador e também a prevenção geral indispensável sem pôr em causa a ressocialização do arguido.

  29. Ao decidir da forma como decidiu, aquele acórdão violou o disposto nos artigos 163.° do Código de Processo Penal e o artigo 32.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

  30. Termos em que deverá ser revogado o acórdão proferido e em sua substituição proferir-se nova decisão que o condene numa pena não superior a 15 anos.

    ” Respondeu o M.º P.º junto do tribunal recorrido, em defesa do julgado.

    Também os assistentes, pais da vítima, BB e CC, pugnaram pela manutenção do decidido.

    O Exmo. Procurador – Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recuso quer quanto à impugnação da decisão de facto e alegada violação do princípio “in dubio pro reo”, quer quanto à medida da pena, que em seu entender peca mais por defeito que por excesso.

    Cumprido o disposto no n.º 1 do art.º 417.º do CPP, respondeu o arguido a reafirmar a procedência do recurso.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência, sendo duas as questões que vêm colocadas: a) – O valor da prova pericial e a violação do princípio da presunção de inocência na vertente do “in dubio pro reo”; b) – A medida da pena.

    * II. Fundamentação A) – Na decisão recorrida vêm dados como provados os seguintes factos: 1. O arguido e DD contraíram casamento no 31 de Dezembro de 2006.

  31. Em data não concretamente apurada, mas situada em finais de Janeiro e início de Fevereiro de 2014, o arguido veio residir em Matosinhos e DD manteve-se a residir na Ilha do Faial.

  32. No dia...

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