Acórdão nº 2672/15.2T8VFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I M intentou acção declarativa com processo comum, contra S, pedindo que sejam declarados nulos, por falta de forma, os contratos de mútuo celebrados com a Ré e a condenação desta a restituir-lhe a quantia de €39.500,00 (trinta e nove mil e quinhentos euros), acrescido de juros legais contados desde a citação até efectiva devolução.

Para tanto, alegou, em síntese, que a solicitação da Ré, entregou-lhe, a título de empréstimo, os montantes de €2.500,00, €12.000,00 e €25.000,00, respectivamente nas datas de 5.12.2012, 23.09.2013 e 23.01.2014, sem que até à data tais montantes lhe tenham sido restituídos.

A Ré deduziu contestação, pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação da autora como litigante de má-fé, uma vez que as quantias referidas foram entregues ao seu então companheiro e filho da Autora, P, com o intuito de liberalidade, configurando contratos de doação.

A autora respondeu à contestação pugnando pela improcedência do pedido de litigância de má-fé contra si deduzido, pedindo, por seu turno, a condenação da Ré como litigante de má-fé.

Foi proferida sentença a julgar a acção totalmente procedente, declarando nulos os mútuos correspondentes ao montantes de €12.000,00 e de €25.000,00, condenando a Ré a restituir à autora a quantia global de €39.500,00 (trinta e nove mil e quinhentos euros), acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, calculada à taxa de 4%, desde a citação (03.09.2015) até integral pagamento e absolvendo Autora e Ré dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé.

Não se conformando com tal decisão dela veio a Ré recorrer de Apelação, a qual veio a ser julgada improcedente, tendo sido confirmada a sentença impugnada.

De novo inconformada recorreu a Ré, agora de Revista excepcional, tendo a Formação a que alude o normativo inserto no nº3 do artigo 672º do CPCivil, ordenado a remessa dos autos à distribuição como Revista normal, porque aí se entendeu que a questão suscitada pela Recorrente em sede de recurso, tem como objecto o contéudo dos poderes da Relação relativamente à reapreciação da apreciação da matéria de facto e aos ónus do Recorrente que a impugna, ou seja a invocada violação das normas dos artigos 640º e 662º do CPCivil.

A Recorrente apresentou as seguintes conclusões: - Cabe no âmbito dos poderes de controlo do STJ sindicar se o Tribunal da Relação, ao apreciar a matéria de facto decidida pela 1ª instância, se conformou ou não com o prescrito no art. 662.° do CPC.

- A recorrente tem direito a ver as suas pretensões (re)apreciadas, pelo menos, por duas instâncias. No caso concreto, a 2ª instância ao não realizar uma efectiva análise crítica das provas em que se fundamentou a matéria de facto impugnada, impossibilitou o cumprimento do duplo grau de jurisdição.

- Além disso, o acórdão recorrido entra em contradição com vários arestos deste Supremo Tribunal e proferidos pelos vários Tribunais da Relação, no que concerne à interpretação e aplicação dos dispositivos respeitantes à reapreciação da matéria de facto, mormente os art.°s 155.°, 640.° e 662.° do CPC.

- Encontram, assim, preenchidos os pressupostos exigidos nos art.°s 671.° e 672.° do CPC para admissibilidade de revista nos termos gerais e revista excepcional.

- O Tribunal da 2.ª instância tem de fazer novo julgamento da matéria de facto, procurar a sua própria convicção, assegurando um duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto.

- Pelo que, a reapreciação da matéria de facto consubstancia praticamente um novo julgamento e um poder vinculado de reapreciação substancial da matéria de facto, cumprindo-lhe realizar uma análise crítica das provas, obedecendo, por isso, às mesmas regras de julgamento a que deve obedecer a 1ª instância.

- No caso concreto, o Tribunal da Relação do Porto não concretizou uma real, meticulosa e conscienciosa reapreciação da matéria de facto, aceitando acríticamente a fundamentação realizada na 1ª instância, abstendo-se, como lhe competia, de avaliar activamente os elementos probatórios indicados pela recorrente nas suas alegações.

- Em boa verdade, a 2ª Instância não analisou nenhum dos argumentos nem das imprecisões invocadas pela recorrente, relativamente à testemunha Maria de Fátima, "colando-se" acriticamente à fundamentação vertida pela lª instância, onde se expendeu que os valores entregues pela autora se destinaram a ajudar a Ré ou o casal nas despesas do dia a dia, tencionando a autora que tais valores lhe fossem devolvidos.

- No que concerne à testemunha P, filho da A. e antigo companheiro da Ré, o Acórdão limita-se a constatar, tal qual a lª instância, que este tinha conhecimento dos valores entregues, que se destinavam a suprir as suas dificuldades económicas e que nada foi pago à A.

- A decisão em análise ignorou por completo as incongruências e contradições de que enferma tal depoimento e pormenorizadamente descritas no recurso de apelação.

- Perante um manancial de incoerências e inconsistências, o Acórdão limitou-se a concluir que esta testemunha relatou factos do seu conhecimento pessoal e, por isso, foi convincente; desconsiderando infundadamente as asserções e argumentos constantes das alegações de recurso.

- Já a apreciação realizada pela 2ª Instância no que respeita à testemunha M F configura praticamente um decalque da apreciação preconizada na sentença proferida pela 1ª instância, constando-se que a Relação não realizou uma real e conscienciosa apreciação deste elemento probatório.

- O Acórdão desconsiderou por completo a questão da efectiva posse e titularidade das contas bancárias identificadas que eram movimentadas pela testemunha P, filho da A. - Na verdade, a facticidade provada de 29 a 32 da sentença e todos os demais elementos probatórios impunham a constatação de que tais contas pertenciam também a P, filho da autora, apesar de tituladas pela Ré e que era exclusivamente movimentada por P.

- Tanto mais que o apuramento da posse e administração das aludidas contas bancárias era essencial para se apurar se os valores entregues pela A. se destinaram a suportar despesas e investimentos do seu filho P.

- O Acórdão recorrido não procedeu ao reexame dos factos instrumentais aludidos pela Recorrente e que permitiriam concluir com séria probabilidade que a autora agiu com animus donandi.

- Impõe-se, assim, concluir que o Tribunal de 2ª instância não realizou um reexame crítico, impressivo e concreto das provas produzidas em lª instância e dos meios de prova invocados pela recorrente, não efectuou um novo julgamento em matéria de facto, com devia, furtando-se a formar a sua própria convicção, não reapreciando, como lhe competia, as provas apresentadas em que assentou a parte impugnada da decisão.

- Limitando-se a Relação a um controlo formal da motivação da decisão da 1ª instância da matéria de facto, não tendo procedido a uma correcta reavaliação da matéria de facto, procurando a sua própria convicção, não cumpriu o que impõe o art. 662.° do CPC, não se tendo assegurado o duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

- Terá, portanto, de ser anulado o Acórdão recorrido e determinar-se a baixa do processo para que a Relação cumpra o múnus de reapreciar de forma crítica, pormenorizada e conscienciosa a matéria de facto impugnada pela recorrente.

- Por outro lado e sem conceder, à 2ª Instância foi atribuído um real poder/dever de apreciação da matéria de facto pela Relação - duplo grau de jurisdição.

- A interpretação preconizada no Acórdão de que a 2ª Instância apenas pode alterar a decisão da matéria de facto, quando esta enferme de erro, erro grosseiro ou manifesto, é desconforme com o art. 9.°, n.° 2 do Código Civil e violadora dos preceitos constitucionais plasmados no art.°s 20.°, n.° 2, 18.°, n.° 2, 202.°, n.° 2, 209., n.° 2, 210.°, n.° 2 e 215.° da Constituição da República Portuguesa: O Princípio da Tutela Jurisdicional, o direito de defesa, direito de boa administração da justiça e ainda o Princípio da Igualdade consagrado no art. 13.°, n.° 2, bem como o art. 2.° n.° 2 que consagra o Princípio do Estado de Direito.

- Assim sendo, na nossa humilde opinião, atendendo à especial importância de se assegurar a todos um duplo grau de jurisdição que consagra o princípio constitucional da tutela jurisdicional e da boa administração da Justiça, está em causa uma questão de relevância jurídica que contribuirá para uma melhor aplicação do direito, contribuindo para a pacificação social e realizando interesses comunitários de grande relevo.

Nas contra alegações a Autora, aqui Recorrida, pugnou pela rejeição do recurso.

II A única questão que se nos suscita para apreciação é a de saber se o segundo grau, apreciou a matéria de facto impugnada pela Recorrente em sede de recurso de Apelação ou recusou a sua apreciação com fundamento na omissão dos ónus aludidos no artigo 640º do CPCivil.

As instâncias deram como provados e não provados os seguintes factos: Factos provados: 1. No dia 05.12.2012 a autora entregou à ré a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), que a ré recebeu por meio de cheque nº… do Millennium BCP.

  1. No dia 23.09.2013, a autora entregou a ré a quantia de €12.000,00 (doze mil euros), através de cheque nº… que a ré recebeu.

  2. No dia 23.01.2014 a autora entregou à ré a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) que a ré recebeu por meio de transferência bancaria.

  3. Até à presente data a ré não liquidou qualquer quantia.

  4. Nenhum dos empréstimos foi celebrado por escritura pública nem por documento particular autenticado nem por documento assinado pelo mutuário.

  5. P viveu cerca de dez anos em comunhão de cama, mesa e habitação com a ré S, como se de marido e mulher se tratassem, num apartamento sito na Rua …, propriedade desta.

  6. P e S terminaram a relação que os unia, no mês de Agosto de 2014.

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