Acórdão nº 123/14.9TBRSD de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

União das Freguesias de ... e ... propos contra AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, SA acção declarativa com processo comum, pedindo, a título principal: 1. Se declarasse a nulidade do contrato-promessa de compra e venda e do contrato de compra e venda celebrados com a ré HH, relativos ao prédio rústico sito no lugar do ..., concelho de ...., actualmente inscrito sob o artigo 2467 (anterior 1256) e descrito sob o n.º 363/Feirão e se ordenasse o cancelamento do registo correspondente à Ap. 2272 de 16 de Maio de 2012, referente ao identificado prédio; 2. Se condenassem as rés FF e GG, SA a pagar à autora a quantia de € 59 066,98, acrescida dos juros vincendos à taxa legal; Para o caso de não serem declarados nulos os referidos contratos, pediu: 1. A condenação solidária dos réus AA, BB, CC a pagar à autora a quantia de 122 007,21 euros, acrescida dos juros vincendos à taxa legal; 2. A condenação das rés FF e GG, SA, a pagar à autora a quantia de € 59 066,98, acrescida dos juros vincendos à taxa legal.

  1. O processo prosseguiu os seus termos e após a audiência final foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.

  2. A autora não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, pedindo a título principal: 1. Se revogasse/anulasse a sentença, determinando-se a alteração da decisão de facto; declarando-se a nulidade do contrato de compra e venda e ordenando-se o cancelamento do registo correspondente à AP 2272 de 2012/05/16; e se condenasse a 6.ª e a 7.ª ré (rés FF e GG, SA) a pagar à autora a quantia de € 59 066,98, acrescida dos juros vincendos à taxa legal; 2. Caso se não considerasse nulo o contrato de compra e venda, pediu a revogação/anulação da sentença e a substituição dela por decisão que determinasse a alteração da matéria de facto e a condenação dos 1.ºs, 2.º e 3.º réus, a pagarem à autora a quantia de 108 590, 00 euros, acrescida de juros à taxa legal e se condenasse se condenasse a 6.ª e a 7.ª ré (rés FF e GG, SA) a pagar à autora a quantia de € 59 066,98, acrescida dos juros vincendos à taxa legal.

    Os réus AA, BB, CC e FF responderem, pedindo se negasse provimento ao recurso e se confirmasse a decisão recorrida.

  3. O tribunal da Relação de Coimbra apreciou o recurso julgando-o improcedente e, em consequência, manteve a decisão recorrida.

    Novamente inconformada, dele interpôs recurso de revista a União das Freguesias de ...e....

  4. Nas conclusões do recurso a recorrente indica as seguintes conclusões (transcrição): “1.ª – A 10 de Maio de 2012 a junta de freguesia vendeu por € 3.000,00 (três mil euros) um imóvel que, nessa data tinha o valor de € 111.590,00 (cento e onze mil, quinhentos e noventa euros).

    2.ª – A ora Autora, ora Recorrente, entende que tal contrato de compra e venda viola a ordem pública – violando, nomeadamente os princípios da boa administração e da proteção dos bens públicos – pelo que tal negócio está ferido de nulidade, nos termos do n.º 2, do artigo 280.º do Código Civil.

    3.ª – Não podemos concordar com o Tribunal a quo, quando sustenta que um negócio enormemente prejudicial para a entidade pública que o celebrou não é um negócio contrário à ordem pública.

    4.ª – Apesar de a Doutrina se ter debruçado sobre o conceito de “ordem pública”, o mesmo não está definido legalmente, sendo que, na Jurisprudência, a análise de tal conceito é escassa.

    5.ª – Assim, a questão de saber se a venda de um imóvel do domínio privado de uma autarquia local por um preço enormemente abaixo do respetivo valor de mercado é contrária à ordem pública – violando os princípios da boa administração e na proteção dos bens públicos – sendo tal compra e venda nula nos termos do n.º 2, do artigo 280.º, do Código Civil, constitui uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    6.ª – Por outro lado, a boa administração e a proteção dos bens imóveis (que por natureza têm grande valor económico) das autarquias locais, principalmente estando em causa a sua alienação por valor bastante inferior ao respetivo valor de mercado, são interesses de particular relevância social.

    7.ª – Acrescendo que, na atual conjuntura socioeconómica – em que a população revela um sentimento de descontentamento generalizado com a classe politica e com as escolhas realizadas pelos titulares de órgãos políticos, que são, frequentemente, colocadas em causa por não terem em vista o bem comum – a resposta a tal questão torna-se ainda mais relevante, não só por ser necessária para uma melhor aplicação do Direito, mas também por estarem em causa interesses de particular relevância social que importa evidenciar e acautelar. Devendo, assim, o presente recurso de revista excecional ser admitido, conforme previsto nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 672.º, do CPC.

    8.ª – Dois dos princípios imanentes do nosso ordenamento jurídico, alicerçantes da ordem económica e social, são os princípios da boa administração e da proteção dos bens públicos.

    9.ª – Princípios que, naturalmente, também são aplicáveis aos bens pertencentes ao domínio privado das Autarquias Locais, que são entidades públicas.

    10.ª – Conforme exposto pela Doutrina e Jurisprudência supra citados, o interesse superior da coletividade na boa administração e na proteção dos bens públicos não pode ser, fortemente, sacrificado em benefício de interesses particulares.

    11.ª – Ora, a venda realizada por uma entidade pública de um imóvel pelo preço de € 3.000,00 quando esse imóvel tem o valor de € 111.590,00 é um negócio que sacrifica enormemente o interesse superior da coletividade na boa administração e na proteção dos bens públicos que não podem ser sacrificados de tal forma em benefício de interesses particulares.

    12.ª – O objeto do contrato de compra e venda não é apenas constituído pelo efeito da transmissão da propriedade do imóvel, mas também (e não só) pela obrigação de pagamento do preço, conforme resulta da alínea c), do artigo 879.º do Código Civil.

    13.ª – Aquilo que a Ré sustenta não é que a transmissão da propriedade viola a ordem pública. O que a Ré entende violar a ordem pública é que essa transmissão de propriedade tenha sido realizada mediante o pagamento de um preço que corresponde a apenas 2,69% do valor de mercado do imóvel transmitido.

    14.ª – Conforme esclarece José de Oliveira Ascensão “a ordem pública funciona em concreto. Pressupõe já realizada a interpretação das fontes e busca apurar se, na aplicação ao caso concreto, se chega a um resultado que é inadmissível perante os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa” – in op. cit., página 357 [destaque nosso].

    15.ª – Ora, o referido contrato de compra e venda de imóvel da Junta de Freguesia, por um preço que corresponde a apenas 2,69% do respetivo valor de mercado, é um ato que viola frontalmente o interesse superior da coletividade na boa administração e na proteção dos bens públicos. Chegando-se a um resultado que é inadmissível perante os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.

    16.ª – Com todo o respeito, no Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal a quo não analisou, nem tomou em devida conta, a desproporção enorme entre o valor de mercado do imóvel e o preço pelo qual o mesmo foi vendido.

    17.ª – Aliás, tendo em conta o valor pago (preço) e o valor do imóvel transmitido pode-se até questionar se o negócio celebrado, in casu, foi um negócio oneroso (uma compra e venda), ou se tal negócio está mais próximo de se qualificar como um negócio gratuito. O que, também, implicaria a nulidade do negócio em questão.

    18.ª – Não podendo a Autora concordar que a existência de um contrato promessa celebrado a 15/10/1990, possa tirar relevância à disparidade entre o preço de venda e o valor do imóvel.

    19.ª – Até porque, qualquer obrigação que resultasse para a Junta de tal contrato celebrado em 15/10/1990 já estava prescrita em 10/05/2012 (conforme foi expressamente invocado nos artigos 90.º e 91.º da petição inicial).

    20.ª – Por outro lado, os poderes que a assembleia de freguesia tivesse conferido à Junta, por deliberação realizada há mais de 20 anos (ou seja, a 02/10/1990), também já se haviam extinguido por prescrição, nos termos do n.º 1, do artigo 298.º e do artigo 309.º ambos do Código Civil (conforme foi expressamente invocado nos artigos 90.º e 91.º da petição inicial).

    21.ª – Aliás, a deliberação do plenário da freguesia de Feirão, constante da ata n.º 29 de 02/10/1990, atribuiu poderes ao então Presidente da junta, II, ao secretário JJ e ao tesoureiro LL. Sendo que o contrato de compra e venda foi celebrado mais de vinte anos depois por representantes da junta diferentes.

    22.ª – Na realidade, a alienação do imóvel em questão passados mais de vinte anos da deliberação realizada a 02/10/1990, carecia de ser precedida de deliberação da assembleia de freguesia de ...., que autorização tal alienação.

    23.ª – Conforme resulta da alínea h), do n.º 1, do artigo 34.º e da alínea i), do n.º 2, do artigo 17.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (que estava em vigor a 10/05/2012) – a venda de imóvel de valor superior a € 75.521,60 só pode ser realizada mediante prévia autorização da Assembleia de Freguesia.

    24.ª – Contudo, tal nunca aconteceu. O que, salvo melhor entendimento, também implica a nulidade da compra e venda identificada no ponto 6 dos factos dados como provados.

    25.ª – Por outro lado, é manifestamente incongruente, com a versão dos Réus, que a alienação seja, formalmente, realizada tendo MM como compradora quando esta (a 05/05/2004) já havia cedido a sua posição contratual a FF, que, inclusive já vinha recebendo as rendas refentes ao terreno desde Janeiro de 2005.

    26.ª – Uma vez que, a 10/05/2012, a Ré FF seria titular da posição contratual de promitente-compradora (que teria recebido por cessão a 05/05/2004) e, inclusive, já vinha recebendo as rendas referentes ao imóvel desde Janeiro de 2005 (cfr. ponto 40 da matéria de...

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