Acórdão nº 223/12.0TBGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam da 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A) instauraram, em 14/02/2012, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC, alegando, em síntese, que: .

Os A.A. adquiriram a propriedade de um prédio urbano composto de rés-do-chão, 1.º andar e sótão, sito em Quintais …, da freguesia de …, inscrito na respetiva matriz sob o art. 529, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda e inscrito a seu favor sob o número de ficha 5…/19…3; .

O referido prédio foi cedido, em 1989, pelos pais do A. para construção de um edifício destinado a comércio, o qual veio a ser construído pelo A., a expensas suas, tendo ainda adquirido os bens que compõem o respetivo recheio; .

O A. está na posse do mesmo há mais de 30 anos, de forma pública, sem oposição de ninguém e agindo como seu proprietário; .

O edifício comporta um café e um mini-mercado, ambos explorados pelo A., ininterruptamente, durante 17 anos, tendo depois o café sido encerrado; .

Após ter encerrado o café e emigrado, o A. teve conhecimento que um terceiro, sem a sua autorização e contra a sua vontade, ocupou o imóvel, alegando que o entregaria logo que os A.A. regressassem a Portugal, o que não veio a ocorrer, permanecendo o terceiro com as chaves do imóvel.

Concluíram os A.A. a pedir: a) – o reconhecimento de que o A. é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do sobredito prédio; b) – o reconhecimento de que o A., mesmo que outro título não houvesse, adquiriu a propriedade do imóvel por usucapião e acessão industrial imobiliária no ano de 1989; c) – a condenação dos R.R. a entregar ao A., livre e devoluto, o referido imóvel com todos os seus componentes, no prazo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, pagarem aos A.A. € 15,00 por cada dia de atraso.

  1. Os R.R. apresentaram contestação-reconvenção, deduzindo ainda a intervenção principal de DD e cônjuge EE, alegando que: .

    O estabelecimento de que o A. marido se arroga proprietário foi construído pelos seus pais, DD e EE, e por estes sempre explorado, tendo sido eles a suportar todas as despesas inerentes à respetiva construção e funcionamento; .

    Até 2009, altura em que o imóvel em referência foi doado ao A. pelos pais, nunca aquele foi o proprietário desse imóvel, embora tenha chegado a explorar o café com expressa autorização dos seus pais, bem sabendo que não lhe pertencia; .

    Após o A. ter emigrado, a sua mãe celebrou com a R. mulher, em 13/03/2008, um contrato verbal de arrendamento que abrangia o imóvel em que se situava o café, tal como a exploração deste estabelecimento, sem qualquer prazo de duração, mediante o pagamento mensal da quantia de € 150,00; .

    Muito embora a R. tivesse insistido para que esse contrato fosse reduzido a escrito, a mãe do A. recusou-se a tal, invocando não ser necessário, por haver confiança entre ambas; .

    Na sequência do contrato celebrado, a R., à data desempregada, deixou de procurar emprego, tendo iniciado a exploração do café em março de 2008, à vista de todos e sem a oposição de ninguém; .

    Em outubro de 2011, a ASAE ordenou o encerramento do estabelecimento pelo facto de a R. não possuir alvará em seu nome, sendo que a mesma por diversas vezes tinha pedido à mãe do A. (e continuou a pedir) para passar o alvará para o seu nome, o que esta sempre atrasou e, mais tarde, negou, tendo o café, por tal razão, se mantido encerrado; .

    O estabelecimento comercial nunca foi cedido pelos progenitores do A. ao mesmo; .

    Desde janeiro de 2012, os AA. e a mãe do A. impediram a R. de aceder ao café, tendo colocado um cadeado de ferro no portão de acesso.

    .

    Agem assim os A.A. de má fé.

    Concluíram os R.R. pela improcedência da ação e pela procedência da pretensão reconvencional, pedindo que: a) – fosse declarado que os A.A. não adquiriram por usucapião, acessão industrial imobiliária ou por qualquer outra forma prédio acima identificado; b) – fosse declarado que os chamados DD e EE são os proprietários e os titulares do referido estabelecimento comercial “Café os Amigos”, com os fundamentos alegados pelos R.R.; c) – fosse declarado que, entre a R. CC e a chamada DD, foi efetuado, verbalmente, o contrato de arrendamento invocado, tendo por objeto o rés-do-chão do imóvel em referência e a exploração do estabelecimento comercial denominado o Café “FF”, mediante o pagamento da renda mensal de € 150,00 por mês, d) – fosse declarado que, apesar de tal contrato não ter sido reduzido a escrito, o mesmo é plenamente válido, por força do instituto do abuso de direito e nos termos e com os fundamentos, de facto e de direito, alegados; e) – fossem condenados os chamados DD e marido EE a efetuarem todas as diligências necessárias em ordem à alteração da titularidade a favor da R. CC, do Alvará nº 4…/88 emitido pela Câmara Municipal da Guarda em 14/11/1988; f) – fossem condenados os A.A. e os chamados a retirarem o cadeado que colocaram no portão de entrada do logradouro do prédio e estabelecimento comercial em causa, de forma a permitir a entrada e saída normal dos R.R. desse estabelecimento comercial; g) – fossem condenados os A.A. e os chamados a se absterem de praticar quaisquer atos ou factos que impeçam a livre e normal entrada e saída dos R.R. de e para o estabelecimento comercial denominado Café “FF”. 3.

    Os A.A. responderam a manter a posição sustentada na petição inicial e a pugnar pela inadmissibilidade da pretensão reconvencional, cuja matéria, em todo o caso, impugnaram.

  2. Admitido o incidente de intervenção dos chamados, foram estes citados, nada tendo vendo dizer.

  3. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador (fls. 112-133), no âmbito do qual foi fixado o valor da causa em € 47.490,00 e admitido o pedido reconvencional, procedendo-se à seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória. 6.

    Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 605-653, datada de 24/02/2015, a julgar a ação e a reconvenção parcialmente procedentes decidindo-se: A – Relativamente à ação, reconhecer que o A. é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do prédio urbano ajuizado, mas absolvendo-se os R.R. do mais peticionado pelos A.A.; B – Quanto à reconvenção: a) - declarar que, entre a R. CC e a chamada DD, foi efetuado, verbalmente, um contrato de arrendamento que teve por objeto o rés-do-chão do imóvel em referência e, simultaneamente, a exploração do estabelecimento comercial denominado o Café “FF”, mediante o pagamento da renda mensal de € 150,00, contrato esse plenamente válido; b) - condenar os chamados DD e marido EE a efetuarem todas as diligências necessárias em ordem à alteração da titularidade a favor da R. CC, do alvará n.º 4…/88 emitido pela Câmara Municipal da Guarda em 14/11/1988; c) - condenar os A.A. e os chamados a retirarem o cadeado que colocaram no portão de entrada do logradouro do prédio e estabelecimento comercial em questão, de forma a permitir a entrada e saída normal dos Réus desse estabelecimento comercial; d) – condenar os A.A. e os chamados a absterem-se de praticar quaisquer atos ou factos que impeçam a livre e normal entrada e saída dos R.R. de e para o estabelecimento comercial denominado Café “FF”; e) - absolver os A.A. reconvindos e os chamados do demais contra eles peticionado.

    1. – Quanto ao pedido de condenação dos A.A., como litigantes de má fé, deduzido pelos RR.

    , condenar aqueles a pagarem uma multa processual no valor equivalente a 6 UC e no valor indemnizatório que ainda vier a ser fixado nos termos previstos no n.º 3 do art.º 543.º do CPC.

    D – Ordenar a notificação dos R.R. para, em 10 dias, virem comprovar o valor de € 2.000,00 peticionado a título de indemnização pela litigância de má fé, através da junção da respetiva prova documental.

  4. Inconformados com tal decisão, os A.A. recorreram para o Tribunal da Relação de …, em sede de impugnação de facto e de direito.

  5. Subsequentemente, foi proferida decisão em 1.ª instância, datada de 09/06/2015, a condenar os A.A., como litigantes de má fé, a pagar aos R.R. a indemnização de € 800,00, decisão de que os A.A. também recorreram.

  6. O Tribunal da Relação, pelo acórdão proferido a fls. 921-969, datado de 12/07/2017, aprovado por unanimidade, no que aqui releva, julgou: a) – Improcedente a primeira apelação dos A.A., confirmando, com fundamentação diversa, a sentença recorrida; b) – Procedente a segunda apelação pelos mesmos interposta, revogando o despacho de 09/06/2015, que condenara os A.A. a pagar aos R.R. a indemnização de € 800,00 por litigância de má fé.

  7. Desta feita, vêm os A.A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª – O Tribunal fez errada interpretação e aplicação do direito aos factos que emergem dos autos ao não atribuir a titularidade do direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial denominado Café FF”.

    1. - De facto, atenta a eliminação pelo Tribunal da Relação, do art.º 32.º da matéria de facto, conjugada com a matéria de facto que resultou provada vertida nos pontos 14, 15, 16, 18 e 55 a 60 da matéria dada como provada, resultou que o estabelecimento comercial era, e é, do filho dos chamados, aqui A. AA, que: a) - Encomendou e comprou todos os bens móveis e equipamentos que compõem e integram hoje o estabelecimento comercial: uma bancada em inox, um balcão frigorífico; um móvel com prateleiras em vidro espelhado; uma vitrina para bolos; um exaustor de fumo do tabaco; três bancos de balcão; seis mesas de inox para a esplanada.

      b) - Explorou-o, prestando serviços de venda de bebidas e de cafetaria a clientes e amigos, c) - Contratando com fornecedores a aquisição de café em grão, bebidas e outros consumíveis, d) - Explorou o estabelecimento dele fazendo a sua fonte de rendimento e subsistência.

      e) - Encomendou o telhado e mandou colocá-lo e, bem assim, aplicou mosaicos no pavimento do estabelecimento; f) - Tinha horário de trabalho comunicado e aprovado pelo IDICT a fls... dos autos; g) - Pagava os respetivos impostos, incluindo IVA...

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