Acórdão nº 10942/14.0T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA, instaurou a presente ação contra BB - Companhia de Seguros Vida, S.A. e Banco CC, S.A., pedindo que se declare a validade do contrato de seguro ramo vida celebrado entre a autora, o seu falecido marido, DD, e a ré BB, titulado pela apólice n° 3…-1…4 e ainda a condenação da Ré Seguradora a pagar: a) o valor do capital, juros e demais encargos que resultam do contrato de empréstimo celebrado com o Banco 2.° Réu, b) à autora e demais herdeiras legitimárias do segurado, DD, o valor remanescente que se apurar entre o valor seguro (100.000€) e o valor que se encontrava em dívida à data do óbito deste segurado, bem como juros de mora que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento.

E, subsidiariamente, a condenação do 2.° réu Banco, na amortização do valor do empréstimo que ainda se mostra em dívida, e no pagamento às herdeiras legitimárias do mutuário DD do valor remanescente até ao limite de 100.000E.

Alegou, para tanto e em síntese, ter celebrado com o banco réu, conjuntamente com o seu falecido marido, um contrato de mútuo com hipoteca e que, em consequência deste, subscreveram nessa altura com a lª ré um contrato de seguro do ramo vida, para garantia do pagamento ao 2.° réu, em caso de morte ou invalidez dos mutuários; ter comunicado às rés o falecimento do seu marido, ocorrido em 29.04.2014, para efeitos de ser acionado o seguro de vida celebrado, sendo que a ré seguradora declinou a sua responsabilidade fundamentada na anulação da apólice desde Abril de 2013, por falta de pagamento dos prémios referentes a dezembro de 2012, janeiro, fevereiro de março de 2013. Estava convicta de que o pagamento dos prémios era efectuado por débito directo, conjuntamente com a prestação referente ao empréstimo, na conta da titularidade dos mutuários, sendo que a ré seguradora não comunicou nem a ela nem ao seu falecido marido a falta de pagamento do prémio e/ou das respectivas consequências, não tendo também o banco réu informado os mutuários do teor da carta que a ré seguradora lhe havia enviado relativamente à existência de prémios não pagos e de que poderia substituir-se ao tomador do seguro, enquanto beneficiário irrevogável.

  1. A ré BB - Companhia de Seguros Vida, S.A.. contestou, excepcionando quer a ilegitimidade da Autora, com fundamento no facto de a mesma se apresentar a exercer direitos relativos à herança do seu falecido marido desacompanhada dos demais herdeiros, quer a extinção da obrigação decorrente da celebração do contrato de seguro face à resolução do mesmo por falta de pagamento do prémio. Alegou ainda ter remetido ao tomador do seguro carta, informando-o da falta de pagamento dos prémios e de que a não regularização da situação até 29.03.2013 determinaria a resolução do contrato.

  2. O réu Banco CC, S.A. contestou, concluindo pela improcedência da ação por ser apenas imputável aos mutuários a resolução do contrato por falta de pagamento dos prémios. Alegou ainda que a substituição do banco mutuante ao tomador do seguro, enquanto beneficiário irrevogável, constitui apenas uma faculdade e não uma obrigação a que se achasse adstrito.

  3. Após convite do Tribunal, a autora deduziu incidente de intervenção principal provocada de EE e de FF, na qualidade de herdeiras do falecido marido da autora, DD, que foi admitido.

  4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os réus do pedido.

  5. Inconformados com esta decisão dela recorreram os autores para o Tribunal da Relação de … que, por acórdão proferido em 12 de Setembro de 2017, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

  6. De novo inconformados com este acórdão, os autores interpuseram recurso de revista normal para o Supremo Tribunal de Justiça e, caso se entendesse não estarem reunidos os requisitos da revista normal, de revista excepcional, nos termos do art. 672º do C.P.Civil 8. O Exmº Sr. Juiz Desembargador relator ordenou a remessa do processo a este Supremo Tribunal para a verificação dos pressupostos de revista excepcional, tendo o Colectivo da Formação a que alude o art. 672º, nº3 do CPC, decidido não admitir a revista excepcional, por não ocorrer dupla conforme, visto a sentença de 1ª instância ter sido confirmada na Relação com fundamentação claramente diversa da usada naquela decisão, e ordenado a remessa dos autos à distribuição para efeitos de exame preliminar sobre a admissão da revista.

  7. As autoras terminam as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « 1. A A. não pode conformar-se com a decisão constante do Acórdão sub judice que, além do mais, vai contra decisões proferidas pelos Tribunais Superiores, incluindo o STJ.

  8. Não obstante este Acórdão ter confirmado a decisão da 1ª instancia, só aparentemente se pode falar de “dupla conforme”, já que; 3. Em primeiro lugar, a fundamentação da decisão do Tribunal da Relação é essencialmente diferente da fundamentação da 1ª instância.

  9. Em segundo lugar, a decisão do Acórdão recorrido vai contra o já decidido unanimemente pelo STJ, bem como pelos Tribunais da Relação, nos Acórdãos-fundamento que se juntam, 5. pelo que, o presente recurso de revista deve ser admitido, seja como Revista normal, com fundamento no disposto na segunda parte do nº 3 do art.º 671º do CPC: seja como Revista excepcional, nos termos do disposto no art.º 672º do mesmo diploma.

  10. Quanto aos fundamentos do recurso de Revista normal, verifica-se que o fundamento da decisão da 1ª instância de improcedência da acção, assenta na ideia da desnecessidade de interpelação admonitória da A. já que esta ainda que tenha subscrito o contrato de seguro, figura apenas como pessoa segura. E só ao tomador está a seguradora obrigada a interpelar.

  11. Já o Acórdão da Relação, ora em crise, entende que é condição de eficácia da resolução contratual, a interpelação de todos os contratantes que figuram no contrato de seguro (de natureza triangular), logo também da A. enquanto subscritora e pessoa segura; colhendo assim a tese maioritária (dir-se-ia unânime) da Jurisprudência. Contudo, 8. confirma a decisão da primeira instância, considerando que se verifica no caso, abuso de direito por parte da A.

  12. O abuso de direito nunca foi alegado pelas partes nos respectivos articulados, não tendo por isso, ficado demonstrado que o exercício do direito á indemnização por parte da A., exceda manifestamente, os limites da boa fé e bons costumes, tal como é exigido pelo art.º 334º do CC.

  13. Por outro lado, o direito da A. é legitimo, já que o contrato de seguro por si subscrito, se mantinha válido e eficaz por falta de interpelação admonitória; direito esse que terá de ser limitado apenas pelo direito da seguradora Ré receber os respectivos prémios.

  14. Da fundamentação de facto não se retira que a A. tivesse conhecimento efectivo da falta de pagamento do prémio, e, quiçá, se tivesse conformado com tal.

  15. Apenas se apurou que a A. e seu falecido marido, foram citados em ação executiva, movida pelo credor Banco, o que, salvo o devido respeito, não é a mesma coisa.

  16. Razões pelas quais, é precipitado, descabido e manifestamente abusivo, julgar a conduta da A. à luz do abuso de direito, quando não foram demonstrados os elementos característicos deste instituto (excesso manifesto e consciente no exercício do direito).

  17. A falta de interpelação da A. gera a ineficácia da resolução do contrato de seguro relativamente a si, pelo que, a consequência legal dessa ineficácia, é a validade e vigência do contrato à data da participação do óbito do tomador. Esta é a tese unanime da Jurisprudência, com base na qual se tem decidido pela procedência de acções idênticas à que se aprecia.

  18. Mesmo que se analisassem os factos à luz do instituto do abuso de direito, teria sempre que se fazer a ponderação dos interesses/direitos em conflito e, de acordo com o princípio da equidade, decidir-se pelo desconto do valor dos prémios em divida, do valor coberto pelo seguro.

  19. O Acórdão recorrido fez errada interpretação dos fundamentos de facto, nomeadamente os constantes dos itens 45 e 46, bem como do disposto no artigo 334º do C.C.

    Por outro lado, 17. A decisão recorrida está em contradição com o decidido pelo STJ em Acórdão de 3/11/2016, quanto às consequências da ineficácia de resolução do contrato de seguro, relativamente à A.

  20. Está ainda em contradição com a decisão já transitada em julgado, constante do Acórdão do Tribunal da Relação de … de 8/11/2012, no qual se apreciou o abuso de direito.

  21. Em ambos os Acórdãos são analisadas as mesmas questões fundamentais de direito, realçando que neste último Acórdão o período de prémios em falta rondava os 6 anos, o que, comparando com a situação concreta dos autos, é manifestamente mais reprovável.

  22. Ainda assim, o Tribunal da Relação, ao apreciar a questão suscitada pelas partes (o que não é aqui o caso), decidiu pela verificação parcial do abuso de direito.

  23. As questões arguidas no presente recurso são de grande relevância jurídica, assim como os interesses envolvidos revestem particular relevância social, 22. pelo que, existindo oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito e estando verificados os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 d art.º 672º do CPC, deve ser apreciado o presente recurso de Revista, também como excepcional.

  24. E, considerando o já decidido por este STJ e também pelo Tribunal da Relação de …, nos acórdãos-fundamentos, outra decisão não se espera, que a procedência da ação nos termos expostos na petição inicial.» Termos em que requerem seja concedido provimento ao presente recurso de Revista, revogando-se o Acórdão recorrido, de forma a julgar-se total ou parcialmente procedente, o pedido formulado na petição inicial.

  25. A ré BB - Companhia de Seguros Vida, S.A.. respondeu, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

  26. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *** II...

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