Acórdão nº 483/16.7YRLSB-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelVINICIO RIBEIRO
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I. RELATÓRIO a) Pedido AA, identificado nos autos acima referenciados, requereu, através do seu Ilustre patrono, a Providência Excepcional de Habeas Corpus, nos moldes a seguir transcritos: «AA, nacional português de origem, residente na Rua ..., vem requerer a Vossa Excelência, nos termos do disposto no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e artigos 222.º e 223.º do Código de Processo Penal, Petição de Habeas Corpus, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes: 1. O Req.te (Req.te) encontra-se “em prisão preventiva, nos termos do disposto no art.º 202.º, n.º 1 a) e 204.º, ambos do C. P. Penal, com vista à Extradição para o Brasil nos termos do art.º 60.º da Lei 144/99” (cf. “mandados de detenção e condução (para prisão preventiva)” que ontem, 3 de Fevereiro, recebeu cópia no momento da sua detenção e se junta como Documento 1, que se dá por integralmente reproduzido).

  1. Tal prisão é gravemente ilegal, por três razões: · Primeiro, porque foi decretada com vista à extradição do Req.te para o Brasil e tal extradição é proibida pela Lei e Constituição da República Portuguesa (e brasileira), porque se não verifica a reciprocidade exigida: o Req.te é cidadão português de origem, desde o nascimento (cfr.

    certidão do seu assento de nascimento emitida pela Conservatória dos Registos Centrais, no passado dia 10 de Janeiro – Documento 2, que se junta e se dá por integralmente reproduzido) e o Brasil não extradita cidadãos brasileiros de origem, não podendo, pois garantir a reciprocidade exigida.

    Cfr. a este respeito a acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias – cuja petição inicial se junta como Documento nº 3 – e todos os documentos, requerimentos e pareceres com ela juntos.

    · A segunda ilegalidade é que tal medida de coacção desrespeita todos os prazos previstos no artigo 52º da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.

    · Finalmente, e essa a terceira ilegalidade da prisão, a prisão de modo alguma se justifica, porque o Req.te sempre cumpriu escrupulosamente todas as suas obrigações processuais perante a Justiça portuguesa e perante a Justiça brasileira, apenas tendo estado impossibilitado de se apresentar desde o dia 24 de Dezembro de 2017 na esquadra policial pelas razões médicas muito graves e muito fortes que oportunamente apresentou no Tribunal da Relação de Lisboa, e que até agora nunca foram apreciadas.

  2. Regressando à primeira ilegalidade da prisão preventiva do Req.te, subsume-se, pois, à alínea b) do n.º 2 do artigo 222.º do C.P.P., uma vez que foi “motivada por facto pelo qual a lei a não permite”.

  3. De forma resumida, o ora Req.te não pode ser detido ou preso no âmbito do presente processo de extradição, porque o facto que motivou a sua detenção e prisão preventiva (ou seja, a entrega do Req.te às autoridades brasileiras e sua extradição para o Brasil), é proibido pela Lei e pelas Constituições portuguesa e brasileira e pelas Convenções Internacionais aplicáveis cujo princípio basilar, em que se fundam, é, como o da própria lei portuguesa de cooperação judiciária internacional em matéria penal, o princípio da reciprocidade.

  4. O Req.te é cidadão nacional português originário, ou seja, desde o nascimento, o que inviabiliza a sua extradição para o Brasil, 6. Assim, uma vez que a C.R.P. e a Lei proíbem em absoluto extraditar o Req.te, não pode o mesmo ser detido e preso preventivamente para efeitos de extradição e entrega às autoridades brasileiras.

  5. Tal entrega, “o facto que motiva” a prisão, viola de forma patente o direito fundamental – rectius o Direito, Liberdade e Garantia – do Req.te a não ser extraditado, sendo por isso ilegal.

  6. Seria mesmo a primeira vez que um nacional português de origem seria detido e preso para ser entregue às autoridades brasileiras: o facto que motiva a prisão é tão flagrantemente ilegal, que é caso inédito! 9. Em respeito do seu direito fundamental a não ser extraditado, tem necessariamente o Req.te de ser restituído à liberdade, porque a prisão para extradição é ilegal e não pode manter-se.

  7. O procedimento de extradição, aliás, só foi admitido no pressuposto errado de que o Req.te era nacional naturalizado.

  8. Portugal aceitou parcialmente a extradição do Req.te no pressuposto errado de que este seria cidadão português “apenas” naturalizado e de que, por isso, em reciprocidade com o previsto na Constituição brasileira, poderia ser extraditado para o Brasil por factos anteriores à aquisição dessa nacionalidade portuguesa derivada.

  9. E o que cumpre aqui sublinhar, a traço grosso, é que até hoje, por razões puramente formais e processuais a possibilidade de extradição do Req.te à luz da sua nacionalidade de origem nunca foi apreciada.

    Razões determinadas por atrasos imputáveis exclusivamente ao Governo (à Ministra da Justiça, que atrasou quase dois anos a entrada em vigor da lei que atribui nacionalidade originária ao Req.te e se prevaleceu desse atraso para continuar a tratar o Req.te como se este fosse apenas português naturalizado e para admitir parcialmente a extradição; e Conservatória dos Registos Centrais, que demorou 5 meses a averbar a entrada em vigor dessa norma legal atribuidora da nacionalidade ao Req.te no seu assento de nascimento) e aos Tribunais (que continuam sem analisar os efeitos da atribuição de nacionalidade originária ao Req.te sobre o processo de extradição, atrasando a apreciação dessa questão e assim prejudicando de forma que pode ser irreversível direitos, liberdades e garantias do Req.te – designadamente, a proibição de extradição do Req.te à luz da atribuição de nacionalidade portuguesa originária, que motiva o presente habeas corpus.

  10. É, aliás, porque tal não sucedeu até ao dia de hoje, dia 4 de Fevereiro de 2018, que no dia 2 de Fevereiro de 2018 o ora Req.te intentou uma acção de Intimação para protecção de direitos, liberdade e garantias, que assume carácter urgente uma vez que, como bem se compreenderá, quando os Tribunais efectuarem aquela apreciação à luz da atribuição de nacionalidade portuguesa originária, desde o nascimento, já seria tarde demais: o Req.te já terá sido entregue às autoridades brasileiras, sem qualquer possibilidade jurídica ou fáctica de retorno a Portugal; o seu direito fundamental terá sido violado de forma irreparável; a determinação do Supremo Tribunal de Justiça, de que a questão da nacionalidade de origem do Req.te deveria ser apreciada nos autos de extradição terá sido definitivamente desrespeitada.

  11. De todo o modo, hoje, dia 4 de Fevereiro de 2018, é manifesto que a prisãoão sofrida pelo Req.te é ilegal, dado que essa prisão foi efectuada para entrega do mesmo ao Brasil, o que é não só ilegal como directamente violador da C.R.P.

  12. O facto que motiva a presente prisão − a entrega do Req.te às autoridades brasileiras − representaria uma agressão gravíssima, irreversível e irreparável aos seus direitos, liberdades e garantias mais fundamentais, enquanto nacional português de origem (nacionalidade originária até hoje nunca considerada).

  13. Seria, aliás, importa reiterá-lo, a primeira vez que Portugal ou o Brasil extraditam cidadãos nacionais de origem, neste caso, através de uma decisão absolutamente inédita – que enferma de nulidade e outros vícios evidenciados no Parecer do Professor Doutor Paulo Otero.

  14. Em apenso do processo de extradição, será agora apreciada a proibição de extradição de um nacional de origem (o Req.te) para o Brasil, facto evidente e incontroverso para a Administração e para os Tribunais, que aceitaram a extradição no pressuposto de que o Req.te seria apenas cidadão naturalizado – pressuposto errado como o prova de forma plena o Doc. nº 1.

  15. Com a referida intimação, o Req.te não pretendeu que o Juiz destinatário da mesma apreciasse e afirmasse a evidente proibição constitucional de extraditar um nacional de origem para o Brasil, − esta questão será apreciada e decidida pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça.

  16. O Req.te pretendeu tão só garantir a tutela efetiva e em tempo útil do seu direito, liberdade e garantia a não ser extraditado para o Brasil, visto que os meios de reação em causa são insuficientes, quer porque têm uma tramitação mais complexa e morosa, quer porque não suspendem a execução da decisão de extradição.

  17. Ou seja, a referida Intimação visa assegurar que o direito fundamental deste nacional de origem a não ser extraditado para o Brasil não seja violado de forma irreparável, sem que antes os tribunais e a administração tenham a oportunidade de apreciar e proteger esse direito, de forma efectiva.

  18. Daí que o pedido efectuado tenha sido, precisamente, o de intimar o Ministério da Justiça a suspender a execução da extradição e a abster-se de entregar o Req.te às autoridades brasileiras, até decisão definitiva pelos Tribunais das questões emergentes da atribuição da nacionalidade originária ao Req.te (Doc. nº 1), facto essencial até hoje nunca considerado e que proibindo em absoluto a extradição, não pode nem deve ser apreciado pelos Tribunais, apenas quando essa apreciação for totalmente inútil e inefectiva, com o Req.te já no Brasil e sem qualquer possibilidade jurídica ou fáctica de retorno a Portugal.

  19. Atenta a breve súmula efectada, torna-se evidente que a presente prisão é “motivada por facto pelo qual a lei a não permite”, visto que o Req.te é cidadão português de origem e por isso não pode ser extraditado para o Brasil e como tal não pode ser sequer detido e muito menos preso, para o efeito de ser enviado para o Brasil.

  20. A prisão em causa é, pois, ilegal, nos termos do artigo 31.º da C.R.P. e atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 222.º do C.P.P.

  21. O Req.te tem, pois, de ser imediatamente restituído à liberdade, para que os Tribunais apreciem a possibilidade de extradição do Req.te, à luz da sua nacionalidade de origem.

  22. A detenção e prisão ora impugnadas foram motivadas pela entrega do Req.te ao Brasil, no âmbito de um processo de extradição...

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