Acórdão nº 392/10.3TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução20 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 392/10.3TBBRG.G1.S1[1] (Rel. 154) Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 – AA e mulher, BB, instauraram, em 31.12.09, na comarca de Braga (Vara de Competência Mista), contra “CC – Imobiliária, S. A.

” (antes denominada “Imobiliária ... & Filhos, S. A.”) acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, pedindo a condenação desta a: / I – Reconhecer que os AA. são donos e legítimos proprietários (sic) do prédio id. sob os arts. 1º e 2º da p. i., restituindo-o, integralmente, aos AA.; e II – Pagar aos AA. os milhares de metros cúbicos de saibro que extraíram do seu prédio, cuja quantificação e valor se relega para execução da sentença (sic).

Subsidiariamente, a considerar-se que a transacção referida na p. i. constitui caso julgado contraditório com o peticionado em I, III – (pede-se) Que seja declarada a anulabilidade de tal transacção.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegaram, com relevância: / --- São donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado nos arts. 1º e 2º da p. i.; --- Em 15.10.03, a R. propôs uma acção de reivindicação contra os, ora, AA., alegando, então, a A. ser proprietária do prédio misto denominado “Quinta de Montesinhos” e que os RR. haviam dado causa a tal acção por terem invadido e ocupado, com intenção de a integrarem no seu referido prédio rústico, uma faixa de terreno com cerca de 85 000 m2, compreendendo um caminho, com a extensão de cerca de 1 000 m, que haviam aberto através daquela Quinta e o perímetro exterior desta; --- Na audiência de julgamento ocorrida, em 07.01.09, teve lugar transacção homologada por sentença, tendo, então, sido determinada a notificação da R., nos termos do disposto no art. 301º, nº3 do CPC, o que veio a ocorrer, em 08.01.09, por correio registado, sem que, todavia, as plantas mencionadas na transacção tivessem acompanhado tal notificação, enfermando, pois, a notificação de nulidade (art. 201º do CPC) e sendo a transacção anulável já que a A. incorreu em erro essencial quanto ao respectivo conteúdo.

Contestando, a R. deduziu a excepção dilatória de caso julgado, por força da sobredita transacção, realizada em acção com as mesmas partes, tendo ficado definitivamente resolvido o diferendo existente quanto às delimitações das suas propriedades; Deduzindo, igualmente, as excepções peremptórias da caducidade e do abuso de direito, a R. sustentou a sanação das invocadas nulidade da notificação e anulabilidade da transacção e, impugnando a remanescente factualidade alegada pelos AA., admitiu que um seu trabalhador, por erro e na ignorância da transacção, introduziu-se em terreno dos AA., daí tendo extraído uma reduzidíssima quantidade de inertes, tendo parado os trabalhos logo que a R. teve conhecimento.

Para o caso de serem julgadas improcedentes as excepções invocadas e determinado o prosseguimento dos autos, a R. pediu, em reconvenção, a condenação dos AA. a reconhecer que a R. é a única dona e legítima proprietária da Quinta de Montesinhos e que a delimitação desta é a que consta no levantamento topográfico junto com a contestação e a proceder à devolução de toda a área de terreno que usurparam à R.

A R. requereu também a intervenção acessória do Estado Português e de DD e EE, o que veio a ser deferido, tendo o Estado apresentado articulado de contestação em que aderiu à defesa apresentada pela R. e invocou os deveres de diligência e de boa fé processual, sustentando que quem não age não pode querer tirar partido da sua passividade ou inacção e, muito menos, de querer ver anulada a transacção; por seu turno, o interveniente EE apresentou o mencionado articulado de contestação, fazendo suas as excepções deduzidas pela R. e aditando que a “Bouça do Fojo” foi, indevidamente, desanexada da quinta de Montesinhos.

Os AA. replicaram, pugnando pela improcedência das excepções e reiterando o, inicialmente, alegado e peticionado.

Antecedido de audiência preliminar com frustrada conciliação das partes, foi proferido, em 30.01.13, despacho saneador-sentença em que, tendo-se por prejudicado o conhecimento da reconvenção, mas conhecendo-se do mérito da acção e na parcial procedência desta, se decidiu: / I – Julgar procedente a excepção de caso julgado e absolver a R. da instância relativamente ao pedido enunciado em I supra; II – Condenar a R. a pagar aos AA. a quantia que vier a liquidar-se, relativamente à extracção de saibro a que a mesma procedeu, no terreno destes; e III – Absolver a R. do pedido subsidiário enunciado em III supra.

Inconformados, apelaram, per saltum, os AA.

para este STJ, visando a revogação do saneador-sentença recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões: / 1ª – Em 15.10.03, a (ora) R. intentou contra os (ora) AA. uma acção de reivindicação, em cuja p. i. alegou ser proprietária do prédio denominado “Quinta de Montesinhos”, com a descrição 849-Adaúfe da CRP de Braga, com o registo da aquisição em seu nome, por o haver comprado por escritura pública de 14.01.03 e por o mesmo já existir nos alienantes, há mais de 20 anos, com posse titulada, de boa fé, pacífica e pública. Alegou, ainda, que os RR., em Setembro de 2003, invadiram tal propriedade, ocupando, com intenção de a integrarem no seu prédio, uma faixa de terreno com cerca de 85 000 m2, onde abriram um caminho com cerca de 2,5 m de largura e a extensão de cerca de 1 000 m. E pediu a condenação dos RR. a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre aquele prédio denominado “Quinta de Montesinhos”, desocuparem a faixa de terreno pertencente a este prédio e a devolvê-la ao domínio e posse da A. e a indemnizarem esta por todos os prejuízos causados com a sua actuação dolosa cuja liquidação se fará em execução de sentença; 2ª – Na contestação, os (ora) AA. alegaram que a (ora) R. alterou a área do art. matricial 1229 da freguesia de Adaúfe de 10.5680 ha para 16,6190 e a área do art. 1238 de 6,6190 ha para 21,0520 ha, de forma a apropriar-se do seu prédio “Bouça do Fojo”, inscrito na matriz rústica sob o art. 133º e com a descrição 301/Este S. Pedro, concelho de Braga; mais alegaram que o seu prédio denominado “Bouça do Fojo” estava delimitado da Quinta de Montesinhos por um muro de pedra feito pela mão do homem, desde tempos imemoriais, e já existia no domínio e posse de antepossuidores, anteproprietários e transmitentes, há mais de 20 anos, de forma pública, pacífica, de boa fé e ânimo de proprietário, invocando, pois, a aquisição da propriedade daquele prédio por usucapião e que o caminho em causa se encontrava totalmente dentro dos limites da “Bouça do Fojo”.

Os, aqui, AA. formularam, ainda, nessa acção, reconvenção, pedindo a condenação da, aqui, R. a reconhecer que eles eram donos e legítimos proprietários do prédio denominado “Bouça do Fojo”, descrito na CRP sob o nº 301/Este S. Pedro; 3ª – Na fase de discussão, após inspecção ao local em que o tribunal, acompanhado pelas partes, apurou a existência da vedação alegada pela A. e do muro alegado pelos RR., em 07.01.09, em audiência de julgamento, houve lugar à transacção mencionada na factualidade provada, a qual foi homologada pela sentença, igualmente, referida na factualidade provada; 4ª – No dia 08.01.09, por correio registado, foi remetida à R.-mulher a carta de notificação mencionada na factualidade provada; 5ª – A A. recepcionou a aludida carta, mas não recebeu com tal notificação as plantas que tinham sido juntas e a que se fazia referência na transacção, e nada disse, nos autos, pelo que a sentença transitou em julgado; 6ª – A presente acção é subsequente à providência cautelar de embargo judicial de obra nova que os AA. intentaram contra a R., em 12.09.09, invocando que a R. se encontrava a levar a cabo obras de desaterro e de extracção de inertes, no seu prédio denominado “Bouça do Fojo”, descrito na CRP sob o nº 705/Este S. Pedro (descrição em que foi anexada a anterior 301) e requerendo que se procedesse ao embargo de obra – não tendo sido decretado, por falta de verificação dos pressupostos legais; 7ª – A sentença recorrida julgou procedente a excepção do caso julgado, sem apreciar e descurando a verificação do critério material: a necessidade de evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior: na verdade, esta nova acção não coloca o tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão proferida na acção 8268/03.4TBBRG, pois a sentença proferida nessa acção não decidiu sobre o reconhecimento do direito de propriedade dos recorrentes sobre o prédio da “Bouça do Fojo”, com o art. 133º da matriz, correspondente à descrição 301 da CRP e, actualmente, anexado na descrição 705 de Este (S. Pedro); 8ª – Na interpretação de uma transacção, a lei dá relevo decisivo aos seus “precisos termos”, numa interpretação textual, tanto mais quanto o negócio seja formal (art. 238º do CC). Porque o Juiz actua em conformidade com o teor exacto da transacção julgada válida, a sentença não condenou (nem expressa nem implicitamente) os RR.

“a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre o prédio nem a desocuparem a faixa de terreno pertencente a este prédio e a devolvê-la ao domínio e posse da A.” (pedidos formulados na p. i.). Não só porque o Juiz não pode condenar em termos diferentes do acto (transacção) julgado válido, mas também porque estava provado no processo que o terreno “Bouça do Fojo” tinha sido comprado pelo R.-marido, em 17.07.96 (facto assente C) e registado em seu nome na Conservatória, em 10.08.96 (facto assente D); 9ª – Se, com a transacção, as partes tivessem pretendido celebrar um negócio de escambo ou...

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