Acórdão nº 396/2000.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014
Magistrado Responsável | MARTINS DE SOUSA |
Data da Resolução | 20 de Março de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.
AA instaurou acção declarativa, sob a forma do processo comum ordinário, contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de USD 59 539 (cinquenta e nove mil quinhentos e trinta e nove dólares americanos), acrescida de juros de mora à taxa legal sobre a quantia de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares americanos), desde 31-05-2000 até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que o réu exerce a actividade profissional de treinador de futebol; em meados de Maio de 1998, interpelou-o para indagar se estaria interessado em treinar a selecção nacional de futebol dos Emirados Árabes Unidos, tendo este manifestado interesse e disponibilidade para treinar aquela selecção; nesse seguimento, o autor encetou vários contactos com diversos órgãos e pessoas ligadas à selecção daquele país, designadamente com o seu Vice-Presidente, com vista à celebração do contrato de trabalho, o que fez seguindo sempre as instruções e condições que o réu lhe formulou, no que respeita ao salário, prémios, duração do vínculo contratual e restantes condições pretendidas por aquele; que o contrato de trabalho foi celebrado em 24-05-1998 passando o réu a desempenhar as funções de treinador da respectiva selecção nacional de futebol, pelo período de 2 anos, com início em 01-08-1998 e termo em 31-07-2000, auferindo a quantia de USD 450 000 (quatrocentos e cinquenta mil dólares americanos), no 1.° ano, e USD 562 500 (quinhentos e sessenta e dois mil e quinhentos dólares americanos), no 2.° ano; que ficou ainda acordado que, no 1.° ano, o réu receberia de adiantamento USD 200 000 (duzentos mil dólares americanos), e no 2.°, a quantia de USD 250 000 (duzentos e cinquenta mil dólares americanos), adiantamentos estes que seriam pagos até Agosto de 1998 e Agosto de 1999, respectivamente; que quem procedeu a todas as diligências para a concretização do mencionado contrato de trabalho foi o autor, segundo instruções do réu, tendo-se este comprometido, como contrapartida de tais serviços a pagar àquele 10% do valor total dos salários e adiantamentos, a saber, a quantia de USD 45 000 (quarenta e cinco mil dólares americanos) referente ao 1.º ano, e de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares americanos) referente ao 2.° ano, pagamentos estes a efectuar (pelo réu) no início do 1.º e do 2° anos do contrato; e, finalmente, que o réu efectuou o pagamento da primeira comissão de USD 45 000 (quarenta e cinco mil dólares), mas não pagou ao autor a segunda parcela acordada no valor de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares), apesar de instado para o efeito, devendo pois ser condenado a pagar tal montante, acrescido de juros de mora desde 01-08-1999, que contabilizados até 31-05-2000 ascendem a USD 3 289 (três mil duzentos e oitenta e nove dólares) (cf. fls. 2 a 7).
Devidamente citado, o réu contestou, impugnando, no essencial, os factos articulados pelo autor, invocando, em suma, que a segunda parcela da comissão daquele, correspondente a 10% do valor total dos salários devidos pelo 2.º ano do contrato, só era devida “na eventualidade do contrato ser prorrogado por esse período”, e seria pago após o recebimento por parte do réu, a título de adiantamento, da quantia de USD 250 000 (duzentos e cinquenta mil dólares) a efectuar pela Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos, e que nenhuma dessas condições se verificou, já que não recebeu esse adiantamento, e aquela entidade rescindiu unilateralmente o contrato de trabalho a 23-08-1999, correspondente ao início do 2.° ano do contrato.
Mais requereu a condenação do autor como litigante de má fé, por não desconhecer tal factualidade, em multa e numa indemnização ao réu, por danos morais causados com esta acção, em montante não inferior a 5 000 contos (cf. fls. 24 a 30).
Na réplica, o autor pugnou pela improcedência da sua condenação como litigante de má fé, uma vez que está plenamente convicto do seu direito e fundamentação, requerendo, concomitantemente, a condenação do réu como litigante de má fé, em multa e indemnização condignas, já que, conforme é do seu conhecimento pessoal, o contrato de trabalho que celebrou foi pelo prazo de 2 anos, e a “prorrogação” a que se alude no documento 3, de fls. 17, ocorreu apenas porque nessa data ainda não era certo se tal contrato teria a duração de dois anos, o que veio a estipular-se no próprio contrato de trabalho escrito, cuja data da outorga foi posterior àquele documento – cf. fls. 34 a 38.
Dispensada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador com selecção da matéria de facto assente e a integrar a base instrutória – cf. fls. 56 a 62.
Realizada audiência final, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decidiu condenar o réu a pagar ao autor a quantia de USD 56 250 (cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta dólares americanos), acrescida de juros de mora civis calculados às taxas legais, vencidos e vincendos desde 07-10-1999 até integral pagamento, condenando-o, também, como litigante de má fé, tendo determinado, para efeitos de fixação do quantum indemnizatório, que se procedesse à notificação nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art. 457.º do CPC – cf. fls. 642 a 658.
Foi proferido, depois, despacho, que decidiu”(...) em complemento da decisão proferida a fls. 657/658, conden[ar] o Réu a pagar ao Autor a quantia de 400,00 Euros, a título de indemnização, como litigante de má fé, bem como na multa de 10 uc’s “.
Não se resignando com estas decisões, delas recorreu o réu, para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí proferido acórdão em que, a final, se deliberou “(…) julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte relativa à condenação do réu como litigante de má fé, confirmando-se no mais decidido, e, em consequência, revoga-se o despacho de fls. 932 a 934”.
Novamente inconformado com esta decisão veio o réu interpor o presente recurso de revista, apresentando, no final das alegações recursivas, as seguintes conclusões: “1. O Acórdão recorrido ignorou por completo e não se pronunciou sobre duas questões suscitadas pelo Recorrente, nas suas alegações de recurso, e que se mostram essenciais para a boa apreciação da causa, a saber a falta de qualquer prova sobre a natureza do pagamento efectuado peja Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos em Outubro de 1999 e a inexistência da prorrogação do contrato de trabalho com aquela federação, pelo segundo ano de vigência do contrato, pelo que o Acórdão recorrido é nulo, por não se pronunciar sobre questões que lhe competia apreciar, nos termos previstos no artigo 668°, n.º 1, alínea d), aplicável por remissão do artigo 721.°, n.º 2, ambos do CPC, na redacção aplicável aos autos.
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Ainda que assim não se entenda, o Recorrido interpôs a presente acção, pedindo o pagamento da comissão de USD 56.250, correspondente a dez por cento do valor dos salários relativos ao segundo ano do contrato de trabalho celebrado entre o Recorrente e a Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos, nos termos constantes do acordo expresso nas cartas de fls. 17 e 18 dos autos, não tendo, no entanto, alegado os factos constitutivos do seu invocado direito, mais concretamente, o pagamento pela citada Federação do adiantamento, ou até mesmo da totalidade do salário relativo ao segundo ano de vigência do contrato, nos termos previstos no artigo 342.° do Código Civil, o que deveria, desde logo, ter determinado a improcedência do pedido; 3. Independentemente da natureza jurídica - condição ou termo - da estipulação acordada entre as partes, de que a comissão era devida pelo R. ao A apenas após o pagamento do adiantamento, cabia ao A, ora Recorrido o ónus de alegar e provar a verificação da condição ou o vencimento do termo, ao abrigo do disposto no artigo 343.°, n.º 3, do Código Civil; 4. Contrariamente ao que se refere no Acórdão recorrido, não era ao Recorrente que cabia provar a falta de pagamento do adiantamento, mas antes ao A Recorrido que cabia a prova do seu pagamento, ou até mesmo a prova do pagamento do salário relativo ao segundo ano de vigência do contrato; 5. Certo é que tal pagamento não resultou provado nos autos, pelo que deveria a acção ter sido julgada improcedente e, não o fazendo, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 342.°, 343.º, 1167.°, alínea b), 406.° e 762.°, todos do Código Civil; 6. Apesar de ter sido provado o pagamento, pela Federação de Futebol dos Emirados Árabes Unidos ao Recorrente, da quantia de USD 402.338, em 7 de Outubro de 1999, já após a cessação de efeitos do contrato de trabalho que vigorou entre ambos, não resulta minimamente dos autos a que título é que tal pagamento foi efectuado e, muito menos, se o foi a título de adiantamento ou salário relativo ao segundo ano de vigência do contrato; 7. Bem pelo contrário, o que resulta dos autos, e nomeadamente do documento cuja junção se requer, como Doc. 1, ao abrigo do disposto nos artigos 727.°, 706.° n.º 1, e 524.°, todos do CPC, é que o montante pago constituiu o acerto final entre as partes decorrente da cessação de efeitos do contrato de trabalho e era devido ao Recorrente a título de “salários em falta, prémios de jogos, prémios de desempenho e despesas relacionadas com o contrato e pela sua cessação”, nenhum outro montante tendo sido pago por aquela Federação ao Recorrente; 8. Deste modo, não pode deixar de se considerar que não se verificou a condição ou termo a que as partes sujeitaram o direito do Recorrido ao recebimento da comissão reclamada - o pagamento do adiantamento ou de qualquer outra quantia a título de salários relativos ao segundo ano de vigência do contrato -, o que deveria ter determinado, desde logo, a improcedência do pedido; 9. Mesmo que assim não fosse, no que não se consente, o pagamento da reclamada comissão encontrava-se também sujeito à condição - ou termo - de o contrato de...
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