Acórdão nº 697/1999.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução11 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Legislação Estrangeira: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 236º, 238º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 661º, 668º, 680º, 682º, 684º-A CÓDIGO COMERCIAL, ARTIGO 426º DECRETO-LEI Nº 446/85, DE 25 DE OUTUBRO Jurisprudência Nacional: 12 DE MARÇO DE 2003, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 03B3904 – 5 DE JULHO DE 2007, WWW.DGSI. PROC. Nº 07A1991 – 21 DE ABRIL DE 2009, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 1550/06.0TBMTJ.S1. – 23 DE SETEMBRO DE 2008, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 08B2346 – 16 DE ABRIL DE 2009, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 77/07.8TBCTB.C1.S1. Sumário : 1. Não pode ser entendido literalmente um quesito da base instrutória que inclui conclusões de direito; tem que ser lido meramente no plano dos factos.

  1. A possibilidade de intervenção do Supremo Tribunal da Justiça no controlo da interpretação de declarações negociais limita-se à apreciação da observância dos critérios legalmente definidos para o efeito.

  2. Na interpretação de um negócio formal, não pode valer um sentido que contraria abertamente o respectivo texto.

  3. Em princípio, o seguro de garagista, nos termos em que foi criado e imposto pelo Decreto-Lei nº 522/85, apenas cobre os sinistros ocorridos no âmbito da actividade profissional do segurado.

  4. Tendo sido demandado o Fundo de Garantia Automóvel, que veio a ser absolvido em 1ª Instância no pressuposto na existência de contrato de seguro válido e eficaz, concluindo-se no sentido da não existência de seguro, cumpre apreciar a sua responsabilidade pelos danos sofridos.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou contra BB – Companhia de Seguros, SA, CC e mulher, DD, e o Fundo de Garantia Automóvel, uma acção na qual pediu a sua condenação solidária no pagamento de 70.814.602400 (15.000.000$00 por danos não patrimoniais e 55.814.602$00 por danos patrimoniais), acrescidos de juros de mora, e ainda no que vier a ser liquidado “em execução de sentença, relativamente a danos morais e patrimoniais que eventualmente venham a ser apurados”.

    Para o efeito, e em síntese, alegou que foi atropelado, no dia 21 de Outubro de 1998, numa passagem de peões, pelo automóvel de matrícula 00-00-00, conduzido pelo seu proprietário, CC, único culpado pelo acidente; que a Companhia de Seguros Bonança é responsável nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice nº00000000; que, não lhe cabendo tal responsabilidade, como a Companhia sustentou, então é dos demais réus.

    Todos os réus contestaram.

    O Fundo de Garantia Automóvel alegou, por entre o mais, desconhecer as circunstâncias em que se verificou o acidente e salientou ser subsidiária a sua eventual responsabilidade.

    A Companhia de Seguros invocou nomeadamente a invalidade do contrato de seguro e a não cobertura do sinistro pelo mesmo e impugnou a matéria de facto.

    CC e mulher opuseram a sua ilegitimidade, por se tratar de pedido abrangido pelos limites do seguro obrigatório, referindo tratar-se, no caso, de seguro de carta, e impugnaram os factos alegados, sustentando a ausência de culpa do réu marido.

    O autor replicou.

    Por sentença de fls. 654, a Companhia de Seguros foi condenada a pagar aos herdeiros do autor, entretanto falecido, a quantia de € 55.186,97, com juros de mora contados à taxa legal desde a citação sobre a quantia de € 45.229,01 e desde a data da sentença sobre € 9.957,96, até integral pagamento. Os demais réus foram absolvidos do pedido.

    Em síntese, a sentença considerou que o seguro inicialmente contratado como “seguro de carta” tinha sido convertido em “seguro de garagista”, assim vigorando à data do acidente; que um contrato de seguro pode ser celebrado por conta de outrem; que o réu CC reunia as condições necessárias para ser titular de seguro de garagista, por ter adquirido o negócio a EE; que o seguro abrangia “a sua responsabilidade civil, quer como proprietário, quer como condutor do veículo.” Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 778 foi negado provimento à apelação da ré Companhia de Seguros e concedido provimento à dos autores, sendo esta ré condenada a pagar “€ 45.229,01 por danos patrimoniais e € 20.000,00 desde a data desta decisão por danos não patrimoniais, com juros de mora à taxa legal desde a citação sobre a primeira das indicadas quantias até integral pagamento”.

    E foi ainda condenada “no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo falecido Autor no período compreendido entre o momento da propositura da presente acção e do seu decesso”.

    Na sequência do recurso interposto para o Supremo Tribunal da Justiça pela ré Companhia de Seguros, este acórdão foi anulado, vindo a ser proferido o de fls. 920. Quanto ao que agora releva, foi mantida a condenação.

    No entanto, e diferentemente da 1ª Instância, a Relação decidiu manter-se o “seguro de carta” inicialmente contratado, abrangendo a condução de qualquer viatura pelo titular da carta segura e, portanto, o concreto acidente dos autos.

  5. Novamente recorreu a ré Companhia de Seguros; o recurso foi recebido como revista, com efeito devolutivo.

    Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: 1. O contrato de seguro é um contrato formal e, como tal, só pode ser provado mediante um contrato escrito que o titule – Arts. 426° e 427° do Cód. Comercial e Arts. 236°, 238° e 364° nº 1 do Cód. Civil.

  6. O único contrato de seguro que se encontra junto aos autos relativo à data do acidente é o que foi junto pela Recorrente como documento nº 1 da contestação, constando dos autos não só tal apólice de seguro, assim como as respectivas condições gerais, particulares e especiais.

  7. É espantoso que, contra a realidade evidente à saciedade, se diga no aresto em crise que tal apólice não estava em vigor à data do acidente quando dos seus dizeres literais resulta certo e inequívoco que o estava.

  8. Do texto de tais documentos, assim como da correspondência trocada com o tomador e segurado da Recorrente, resulta claro para qualquer declaratário normal que estamos perante um seguro de garagista, celebrado ao abrigo e para dar cumprimento à obrigação estatuída no nº 3 do Art. 2° do DL 522/85.

    5 - De resto, está assente nos autos que o EEa facultou à Recorrente os documentos necessários para que pudesse ser parte no seguro de garagista que contratou e por força do qual é a Recorrente demandada.

    6 - Assim, a resposta dada ao quesito 1-A não pode ser outra que a de não provado.

    7 – Na verdade, não existe nos autos qualquer documento que pudesse fundamentar a resposta dada pela decisão em crise ao dito quesito 1-A e trata-se de matéria que só documentalmente se pode provar.

    8 - Ao proceder assim, violou o Tribunal ‘a quo’ o estatuído nos Arts. 426° e 427° do Cód. Comercial e Arts. 236°, 238° e 364° nº 1 do Cód. Civil.

    9 – Deve, por isso, ao abrigo do nº 2 do artº 722º CPCiv declarar-se como não provado o dito quesito 1-A e, consequentemente, absolver-se a demandada dos pedidos contra si formulados, por não haver qualquer contrato válido por força do qual deve responder.

    10 - O facto de se identificar num seguro de garagista uma carta de condução e o seu titular não transforma tal seguro em seguro de carta – está-se apenas a dar cumprimento à condição particular 16 do contrato de seguro junto aos autos, e apenas para delimitar o risco assumido.

    11 - O tomador do seguro e segurado é EE e não o réu CC.

    12 - Ao decidir diferentemente o Tribunal da Relação violou igualmente o texto do seguro junto aos autos assim como disposto no Art. 428° do Cód. Comercial.

    13 - A interpretação feita do DL 522/85 de que um seguro de carta ou de automobilista pode ser celebrado por um terceiro que não o titular da carta ou licença de condução a segurar viola o estatuído no Art. 2° nº 1, 2 e 3 do DL 522/85 assim como o Art. 9° do Cód. Civil.

    14 - Resulta dos autos, em obediência aos preceitos que se vem de invocar, que estamos claramente perante um seguro de garagista cujo tomador e segurado é EE sendo o R. CC apenas o colaborador do segurado cuja carta foi identificada para se delimitar o risco assumido com tal contrato.

    15 - Assim sendo, e uma vez que não se apurou qualquer facto que permita imputar qualquer responsabilidade ao dito EE, segurado da Recorrente, dado que não se apurou que aquando do acidente o veículo OE circulasse, no âmbito da actividade do segurado e no seu interesse, ainda que conduzido pelo réu CC.

    16 - Não se apurou, na realidade, qualquer facto que permita sustentar que o acidente ocorreu quando o OE era conduzido pelo CC no exercício e por causa de qualquer uma das actividades a que se refere o nº 3 do Art. 2° do Dec.-Lei 522/85.

    17 - O que, e desde logo, exclui a responsabilidade civil da Recorrente, pois que não era seguradora do veículo 00-00-00, relativamente ao qual jamais segurou os seus riscos de circulação.

    18 - Acresce que, tendo o segurado da Recorrente, EE, deixado de exercer qualquer actividade, como está assente nos autos (resposta ao quesito 97°) deixou, naturalmente, de exercer qualquer uma das actividades a que se refere o nº 3 do Art. 2° do Dec.-Lei 522/85.

    19 - Razão pela qual não só deixou de estar obrigado a contratar um seguro de garagista como, por tal facto, ficou sem poder ser parte num contrato de seguro de tal natureza.

    20 – Assim como deixou de ter qualquer interesse na eventual responsabilidade civil do réu CC.

    21 - Não tendo o segurado obrigação nem possibilidade legais de manter tal tipo de seguro e, por outro lado, não tendo ainda qualquer interesse no seguro, como de facto não tem, pois que é alheio à eventual responsabilidade de qualquer dos réus, o seguro é nulo, nos termos do parágrafo 1° do Art. 428° do Cód. Comercial, devendo declarar-se tal invalidade.

    22 - O Douto Aresto em crise foi totalmente omisso quanto a este ponto das alegações da recorrente, o que determina a sua nulidade, nos termos da alínea d) do nº 1 do Art. 668° do Cód. Proc. Civil.

    23 – A todo o exposto acresce, por fim, que o próprio Réu...

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