Acórdão nº 440/07.4TVPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução09 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADAS AS REVISTAS Sumário : I - A demolição de imóvel arrendado, ainda que por causa imputável ao proprietário/locador, não deixa de implicar a extinção do arrendamento por perda total da coisa locada, dada a impossibilidade de prestação de gozo da coisa (arts. 790.º, n.º 1, 1031.º, al. b), e 1051.º, al. e), do CC).

II - No entanto, porque o vínculo obrigacional se mantém, face à impossibilidade de prestação que se traduz na obrigação de o locador proporcionar o gozo da coisa para os fins a que se destina (art. 1031.º, al. b), do CC), o direito e o dever de prestar são substituídos pelo dever de indemnizar.

III - O ex-locatário não pode exigir a prestação de gozo da coisa correspondente à obrigação do locador no contrato sinalagmático de arrendamento que se extinguiu por perda da coisa locada; pode pedir ao proprietário indemnização correspondente aos prejuízos sofridos com base em danos emergentes e lucros cessantes, estes últimos até que lhe seja, em sede de indemnização específica (art. 562.º do CC), proporcionado alojamento em condições equivalentes às que detinha, tratando-se aqui do ressarcimento do interesse de cumprimento ou interesse positivo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e BB demandaram no dia 13-3-2007 CC - Arquitectura e Design Lda. e o Município do Porto formulando os seguintes pedidos:

  1. Que seja declarado o direito dos AA ao arrendamento da fracção onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial identificado nos autos.

  2. Que seja a ré sociedade condenada a reconhecer tal direito.

  3. Que seja a primeira ré condenada a realojar os AA em condições análogas às que detinham durante o período de reconstrução do prédio em que se encontrava instalado o seu estabelecimento.

  4. Que seja a ré sociedade condenada a realojar definitivamente os AA, em condições análogas às que aqueles detinham, designadamente quanto à área, localização e montante da renda do prédio que está a ser construído pela ré sociedade.

    Que sejam os réus condenados a pagar solidariamente aos AA: e) A importância mensal de 1.500€, a título de lucros cessantes, até efectivo realojamento dos AA., que ascende presentemente ao montante de 24.000€ acrescida dos juros legais, a contar do mês a que tal importância se refere.

  5. A importância mensal de 374,70€ a título de retribuição do filho dos AA até efectivo realojamento dos AA que ascende presentemente ao montante de 5.995,20€ acrescido dos juros legais a contar do mês a que a importância se refere.

  6. A importância de 25.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais a contar da citação.

    1. Alegaram os AA que eram arrendatários, por força de trespasse, de estabelecimento comercial de mercearia sito no R/C (338 a 342) imóvel de que a sociedade é proprietária.

    2. Na sequência de auto de vistoria, o Município do Porto determinou em 10-11-2005 o despejo imediato de pessoas e bens do R/C do prédio identificado sob pena de execução coerciva ( fls. 27) o que ocorreu em 11-11-2005, recebendo ulteriormente o proprietário as chaves do imóvel (fls. 29).

    3. O edifício foi entretanto totalmente demolido pela ré sociedade.

    4. O despejo conduziu à imediata cessação de actividade do estabelecimento comercial; tal inactividade mantém-se dada a inexistência do imóvel arrendado.

    5. Os AA alegam prejuízos decorrentes da cessação de actividade do estabelecimento cuja responsabilidade consideram caber aos réus porque

  7. O imóvel carecia tão somente de obras de conservação.

  8. Que foram solicitadas aos réus.

  9. Que nunca foram efectuadas.

  10. Que o auto de vistoria reconhece e descreve Prejuízos reclamados: - Do estabelecimento auferiam os AA 1.500€ mensais (a 16 meses sem rendimentos corresponde o valor de 24.000€).

    - Ao seu filho continuaram a pagar vencimento mensal de 374,70€, valor que, decorridos 16 meses, se cifra em 5.995,20€.

    - Face ao despejo, os AA despenderam no transporte e armazenamento de equipamentos e produtos 2.500€.

    - A título de danos morais reclamam 25.000€.

    1. Contestou a ré sociedade salientando que: - O arrendamento incidiu apenas sobre parte do R/C (340 a 342) do imóvel.

      - Que nunca foi interpelada nem pelos AA ou por outrem para a realização de obras.

      - Que não são alegados factos concretos justificativos dos peticionados prejuízos.

      - Que adquiriu o imóvel por compra apenas em Julho de 2004.

      - Que as obras que a ré se viu compelida a realizar impuseram a demolição do imóvel pois, após a execução de todos os trabalhos de demolição de todo o interior e respectiva cobertura, verificou-se que a fachada apresentava riscos de desmoronamento.

    2. Contestou o Município do Porto salientado o seguinte: - Que a ré sociedade informou o Município que pretendia proceder às obras que estavam indicadas no auto de vistoria e, porque havia risco de iminente desmoronamento e perigo para a saúde pública, requereu o despejo imediato das pessoas e bens que ocupavam o imóvel.

      - Que a decisão camarária teve como pressupostos de facto a verificação de que o imóvel necessitava de obras de conservação e de reabilitação de forma a repor as condições de habitabilidade em termos de segurança e salubridade, mostrando-se necessário, dado o volume de obras imposto, o despejo total de pessoas e bens.

      - Que as obras tinham um prazo de 30 dias para ser realizadas e concluídas.

      - Que o despejo tinha como finalidade a realização das obras impostas (demolição do interior, reconstrução, consolidação de fachadas e escoramento das mesmas).

    3. A sentença de 1ª instância julgou a acção improcedente considerando o seguinte: O R/C arrendado destinava-se ao exercício do comércio de mercearia. Por imposição camarária, e na sequência de vistoria, aliás requerida pelo autor, o senhorio - aqui 1º réu - foi obrigado a demolir todo o interior e cobertura do imóvel, nada restando do mesmo, para além da fachada. Ou seja, por causa não imputável ao locador - uma vez que se limitou a obedecer a um comando camarário - o imóvel ficou em tal estado que impossibilita o uso do mesmo pelo locatário para o fim convencionado. O imóvel desapareceu por completo, ficado apenas a fachada que, como se viu, teve que acabar por ser demolida por oferecer perigo para as pessoas e bens circundantes.

      É claro que se pode dizer, como argumentam os AA. que o senhorio é que teve culpa por deixar chegar o prédio à situação a que chegou. Também este argumento claudica uma vez que não só a primeira ré havia adquirido o imóvel em Julho de 2004, como, também, cabia ao arrendatário, através dos meios que a lei lhe faculta, um dos quais acabou por usar, mas tarde demais, obrigar o senhorio em tempo oportuno, a realizar as obras necessárias à conservação do prédio, antes, como é óbvio, que este se colocasse numa situação de risco iminente de desmoronamento e nada mais fosse possível fazer que não a sua demolição.

      Assim, do que fica dito resulta que ocorreu perda total do imóvel arrendado, conducente à caducidade do contrato de arrendamento em causa, uma vez que o estado em que o prédio ficou, não permite a continuação da actividade comercial por parte dos AA. […] Dai que a acção tenha de improceder, pois não é possível reavivar um contrato de arrendamento que caducou e, tendo este caducado, não está a primeira ré obrigada a qualquer realojamento […] De igual forma não está obrigada a qualquer indemnização, pois não tendo havido qualquer actuação ilícita da sua parte, falece o indispensável nexo de causalidade entre os danos sofridos pelos AA e aquela inexistente actuação ilícita.

    4. Também o acórdão da Relação considerou que o contrato de arrendamento se extinguiu dada a inexistência do locado decorrente da demolição e isto independentemente de ela ser ou não imputável ao devedor/ senhorio. E, prossegue o acórdão, quando a lei refere a extinção quer dizer que o contrato está acabado, morto. As partes deixaram de estar vinculadas a qualquer das prestações. Não pode ser ressuscitado como pretendem os autores. A lei não diz que o contrato está suspenso, ficando como que num limbo a aguardar a reconstrução do edifício. Nem decorre da lei qualquer obrigação de reconstrução e de celebrar um novo contrato de arrendamento relativamente ao novo e reconstruído edifício.

      Não gozam os autores, arrendatários, do direito à reocupação de um local para reinstalar o seu estabelecimento comercial, devendo manter-se nesta parte a sentença recorrida.

    5. No entanto, o acórdão considerou que o senhorio incorreu em incumprimento culposo que “ consistiu na omissão de realização de obras no edifício […] cuja demolição veio a ser realizada dada a ameaça de ruína que veio a inviabilizar a subsistência do contrato de arrendamento […]. A lei faz impender sobre o senhorio o ónus de provar que a demolição do edifício de que fazia parte o locado não procedeu de culpa sua, prova que a ré não logrou fazer (artigo 799.º/1 do Código Civil) […]. No caso dos autos os autores não alegaram factos para concluir se a ré projectou qualquer área destinada ao comércio dos autores, para que possam continuar a explorar o seu estabelecimento. Acresce que de qualquer modo não foi esta a causa de pedir, nem foi este o pedido formulado. Os autores sustentam os seus pedidos na reocupação do locado e indemnização decorrente deste interregno por entenderem que o contrato de arrendamento não se extinguiu”.

    6. Depois, o acórdão, reconhecendo o direito dos autores a ser indemnizados por danos morais, fixou estes em 5.000€ e, considerando ainda que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado - danos emergentes - como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, decidiu “ relegar para liquidação posterior a indemnização do cálculo dos demais danos decorrentes pela perda da coisa locada ao abrigo do disposto no artigo 661.º do C.P.C. por não existirem elementos para a sua fixação”, indemnização que tem por justificada por não ser viável a restauração natural.

    7. Desta...

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