Acórdão nº 5662/07.5YYPRT-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução02 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I) - O contrato de locação financeira (imobiliária) (leasing) por alguns considerado um contrato de crédito ao consumo, não obstante pressupor que em campos jurídicos distintos se situam o dono/locador da coisa e o locatário financeiro/fruidor, constitui uma realidade económica que tendo de muito relevante o financiamento da aquisição de bens, estabelece um regime legal que visa, em função do nodal aspecto de fruição económica em vista da expectativa de aquisição do direito de propriedade, que constitui um direito potestativo do locatário contra o qual o locador nada pode, impõe ónus e riscos que, na pura lógica do direito de propriedade, ainda que comprimido, por outro direito real ou obrigacional, mal se compreenderiam.

II) – Na locação financeira imobiliária, existe um contrato de financiamento, visando, tendencialmente, um contrato de compra e venda; mas, enquanto este contrato perdurar a relação jurídico-negocial tem notória afinidade com o contrato de arrendamento.

III) – Durante o tempo por que perdura, o locatário entra na posse material do imóvel dado em locação (i)mobiliária e, tal como um mero arrendatário, tem poderes de fruição temporária – medida esta pelo período de duração do contrato – mediante o pagamento de uma renda.

IV) – Sendo traço comum da locação financeira, mobiliária e imobiliária, a fruição onerosa e temporária de um bem, o legislador quis colocar a cargo do locatário de fracção autónoma o pagamento das despesas comuns do edifício e os serviços de interesse comum, certamente em homenagem à vocação do tipo contratual, que visa o financiamento do locatário.

  1. - Daí que o regime das obrigações propter rem deva ter aqui em atenção a especificidade do contrato e o fim económico que o tipo contratual visa.

    VI) – Sendo as obrigações propter rem excepcionais, já que quanto a elas a autonomia privada se mostra cerceada, em salvaguarda à livre e plena fruição dos bens e das suas vantagens económicas, importa saber se obrigação de pagamento das despesas de interesse comum e do condomínio, sendo em regra uma obrigação real inerente à titularidade do direito de propriedade, pode ser desligada dele e atribuída a quem tenha sobre a coisa um poder causal (factual e jurídico em virtude de um contrato).

    VII) – Estamos imersos na vertente da ambulatoriedade da obrigação propter rem, ou seja, na questão da transmissibilidade dessa obrigação que nasce por causa da titularidade do direito real sobre a coisa.

    VIII) - Sendo a obrigação propter rem, conexa, dependente e acessória de um direito real, em princípio, acompanharia as vicissitudes deste, mormente, através da sua transmissão para adquirentes ou beneficiários do direito transmitido.

    IX) - Tendo em conta a especificidade do contrato de locação financeira imobiliária, a sua função económica e o facto do locatário financeiro assumir uma posição muito próxima da do arrendatário vinculístico, mormente, quanto ao uso e fruição do imóvel (na locação financeira com a expectativa de se tornar dono do imóvel), e sendo certo que até no arrendamento pode o arrendatário convencionalmente arcar com as despesas de condomínio, não é cabido considerar-se como não ambulatória a obrigação de pagamento das despesas condominiais, para as fazer recair sobre o locador financeiro, que não é o “dono económico” do imóvel, nem beneficia de qualquer vantagem directa inerente à respectiva fruição.

  2. – Compete ao locatário financeiro imobiliário o pagamento dos encargos relativos ao condomínio, em caso de locação financeira imobiliária de prédio constituído em regime de propriedade horizontal.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Banco ..., S.A., deduziu, em 11.9.2007, no 1º Juízo de Execução da Comarca do Porto, Oposição à Execução – Processo nº5662/07.5YYPRT-A – contra si deduzida pela Exequente: O... Manager (Porto)-Gestão de Empresas, Lda.

    Para fundamentar a sua pretensão de extinção da execução, alegou, em síntese, que não recai sobre si a obrigação de pagar os encargos relativos ao condomínio das fracções identificadas no requerimento executivo, incumbindo tal obrigação ao locatário.

    As referidas fracções estavam dadas em locação financeira a um terceiro, facto conhecido do exequente.

    Mas, mesmo admitindo que tais créditos existissem, teriam entretanto prescrito os relativos aos últimos cinco anos, concretamente as contribuições vencidas em data anterior a 19 de Julho de 2002.

    A exequente contestou.

    Alegou que o opoente não desconhece que correu termos uma acção judicial onde foi discutida a mesma questão de direito e onde foi decidido que o proprietário das fracções era responsável pelo pagamento do condomínio relativo às fracções, independentemente da existência de contrato de locação financeira.

    Por outro lado, quanto à invocada prescrição, não pode o opoente invocar a mesma, porquanto foi o único responsável pela demora da exequente em propor a execução.

    Desde 2002 que o B... Leasing vem sendo interpelado pela administração do condomínio para pagamento das prestações em dívida, tendo ainda, em Julho de 2006, agendado uma reunião com a exequente para discutir o pagamento das contribuições de condomínio em débito.

    O opoente andou literalmente a entreter a exequente, tendo esta, em função das decisões proferidas pelos tribunais superiores na acção judicial que correu termos na 2ª Vara Cível do Porto sob o nº 771/00, considerado altamente provável que a opoente efectuasse o pagamento das facturas em débito.

    Só em 12 de Fevereiro de 2007 é que o opoente efectuou o pagamento parcial da factura 48/2005, só nessa altura tendo ficado ciente que o opoente não tencionava pagar as restantes contribuições em débito.

    Só, então, houve possibilidade de convocar a assembleia de condóminos para instauração de execução com vista à cobrança do débito.

    Alega que o comportamento do opoente configura abuso de direito.

    Excepcionou, ainda, a existência de caso julgado, por força da decisão prolatada na 2ª Vara Cível do Porto, na acção nº771/00 que considerou o proprietário como parte legítima para ser demandado.

    Defende ainda que o encargo decorrente das despesas de condomínio incumbe ao proprietário.

    Foi elaborado despacho saneador.

    Procedeu-se à realização de julgamento com observância do formalismo legal aplicável, tendo sido considerada provada a matéria constante do despacho datado de 25 de Junho p.p. Mantém-se a validade e a regularidade da instância, inexistindo obstáculos ao conhecimento do mérito da causa.

    *** A final foi proferida decisão que julgou a oposição procedente e, consequentemente, extinta a execução.

    *** Inconformada a opoente, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª. A apelante demonstrou em juízo, com correspondência na matéria assente e nos documentos carreados para os autos, que este litígio não é inédito entre as partes, já tendo recaído sobre este decisão judicial favorável à apelante, o que, por ofensa do caso julgado, prejudicava o conhecimento da pretensão deduzida pela apelada na oposição a fls.

    1. Com efeito, a oposição deduzida a fls. pela apelada, configura, nos termos do nº1 do art. 498° do Código de Processo Civil, uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

    2. Conforme demonstrado, há identidade de sujeitos, para efeito do n°2 do art. 498° do Código de Processo Civil, porquanto a apelada, conforme resulta das certidões juntas a fls. e dos factos assentes em B), incorporou, por fusão, a B... Leasing, S.A. que, por sua vez, havia antes incorporado, igualmente, por fusão a M... LEASING, SOCIEDADE DE LOCAÇÂO FINANCEIRA, S.A. e a apelante é a administração do condomínio do Edifício Scala, Rua de Vilar, no ..., Porto, na altura a cargo dos condóminos Instituto Nacional de Estatística e Águas Douro e Paiva e, actualmente, exercida pela O... MANAGER (PORTO) – GESTÃO DE EMPRESAS, LDA. (cfr. acta junta a fls. _) 4ª. Também há identidade de pedido para efeito do disposto no n°3 do citado artigo, porquanto, se continua a sustentar que a responsabilidade pelas despesas de conservação e fruição das partes comuns, no caso de locação financeira de fracção autónoma, recai sobre o locatário, nos termos da al. b) do art. 10° do DL. n°149/95, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo DL. 265/97, de 2 de Outubro, não obstante estejam em causa contribuições de montante diferente e vencidas em período posterior às peticionadas na acção executiva que correu termos sob o n° 771/2000.

    3. Não merece, assim, acolhimento a posição do meritíssimo juiz a quo de fls._ quando julga improcedente a excepção de caso julgado, com fundamento na inexistência de identidade de pedidos pelo facto de as dívidas, nos embargos apresentados no processo n°771/2000 e os ora deduzidas pela apelada, se reportarem a períodos temporalmente distintos. Nesse sentido, vd. o douto Ac da RP de 17/02/97, publicado sob o n° convencional JTRP00020272, em www.dgsi.pt/jtrp.

    4. Também há identidade de causa de pedir para efeito do nº4 do art. 498º do Código de Processo Civil, já que, tal como nos embargos deduzidos pela locadora M... LEASING -SOCIEDADE DE LOCAÇAO FINANCEIRA, S.A., a apelada vem fundamentar a exoneração da responsabilidade pelo pagamento das contribuições de condomínio com fundamento no contrato de locação financeira, celebrado em 30/12/1997, com a M...- INVESTIMENTOS E SERVIÇOS IMOBILIÁRIOS, S.A., alegando que, nos termos da al. b) do art. 10º/1 do DL 149/95, de 24 de Junho, com alterações posteriores, apenas a locatária seria responsável pelo pagamento das contribuições de condomínio.

    5. Verifica-se, assim, que a oposição deduzida pela apelada viola o princípio do caso julgado, constituindo uma excepção dilatória que acarreta a absolvição da apelada da instância (cfr. n°2 do art. 493°, alínea i) do art. 494°, art. 497° e art. 498°, todos do Código de Processo Civil).

    6. A qualidade de condómino, nos termos do art. 1420° do Código...

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